A falta de informação detalhada sobre uma possível contaminação radioativa dos recursos hídricos no município de Santa Quitéria, no sertão do Ceará, foi um dos 12 motivos que resultaram no arquivamento do processo de licenciamento ambiental da Mina de Urânio de Itataia. Na última quinta-feira, O POVO informou com exclusividade que a autorização para operação tinha sido negada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
No parecer do órgão licenciador, os técnicos concluíram que os dados de “hidrogeologia” do Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) e em outros documentos “não foram suficientes” para atestar que açudes, rios e a bacia do Acaraú, diretamente afetadas pelo empreendimento, estariam livres de danos.
De acordo com o Ibama, as Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e a mineradora Galvani, empresas do Consórcio Santa Quitéria que operariam por 20 anos a mina de urânio, não levaram em conta, por exemplo, que a região cearense apresenta um déficit hídrico. E que, durante o período de recarga (quadra chuvosa), os mananciais poderiam ser comprometidos pela contaminação “das atividades de mineração, notadamente, relacionado à cava, às pilhas de estéril e de fosfogesso e à barragem de rejeito de minério”.
Os manejos seguro e sustentável da água são obstáculos para operação da mina de Itataia. Um estudo feito pela bióloga Lívia Dias, do Núcleo Trabalho, Meio Ambiente e Saúde (Tramas-UFC), aponta que o Consórcio Santa Quitéria previa consumir 1 milhão e 100 mil litros de água por hora. O que equivale a 125 carros-pipa a cada sessenta minutos.
De acordo com advogada Renata Catarina Maia, também integrante do Tramas-UFC e uma das responsáveis por uma representação feita no Ministério Público Federal contra a insustentabilidade do empreendimento, o consumo hídrico “corresponde a um aumento de 400% sobre a demanda do açude Edson Queiroz”. É o reservatório de onde se pretendia retirar a água através de uma adutora. “Enquanto isso, assentamentos próximos à jazida sobrevivem com 14 carros-pipa por mês”, compara a advogada.
No relatório do Ibama, os técnicos criticam o Consórcio Santa Quitéria por ter passado para governo do Ceará a responsabilidade sobre a “disponibilidade hídrica” para o negócio privado. Segundo o parecer “é preocupante o fato de a INB dissociar, do corpo do próprio projeto minero-industrial, as obras e serviços relacionados à infraestrutura hídrica”.
O Ibama considera que “a água é um dos insumos mais importantes para o sucesso do projeto, diretamente relacionada com a sustentabilidade ambiental do empreendimento”. E que necessita se estabelecer uma “relação de comando e controle entre o licenciador (Ibama) e o licenciado (INB), tanto na avaliação quanto na gestão dos impactos ambientais”.
Nas conclusões do parecer técnico, o Ibama não descarta os benefícios socioeconômicos da mina de urânio de Santa Quitéria como o fornecimento de insumos estratégicos para o Brasil. E, também, o fato de que lacunas apontadas, a exemplo de diagnósticos, medidas de mitigação e de monitoramento são passíveis de ajustes se detalhadas, seguras e sustentáveis.
Porém, o órgão licenciador avalia que “a concepção atual do projeto (de Itataia), principalmente no que se refere ao tratamento das questões hídricas e energéticas, não se insere no necessário contexto de sustentabilidade ambiental”. Para que não se repitam tragédias no Ceará a exemplo das ocorridas nos municípios mineiros de Mariana e Brumadinho.
O que diz a Adece sobre a mina de Itataia
- Para Eduardo Neves, presidente da Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece), com funcionamento da mina de urânio de Itataia, o mercado interno cearense deixará de importar fosfato.
- De acordo com Neves, a produção de 1,05 mil toneladas/ano de fertilizantes abasteceria o Norte/Nordeste.
- O minério extraído da jazida produziria também um composto utilizado para a nutrição animal. Além de yellow cake (urânio beneficiado), usado na fabricação de combustível gerador de energia nas usinas nucleares.
- Há ainda o calcário, que serve de matéria-prima para corretivo de solo, indústrias químicas e de cimento.
- A Adece não possui nenhum projeto de atração de investidores do mercado de energia solar para Santa Quitéria.
- Em parceria com a Fiec e Sebrae, a Adece está elaborando um atlas eólico e solarimétrico que irá mapear as regiões do Ceará com potencialidades para a atividade
Os 12 pontos do parecer do Ibama sobre a usina de urânio
1.Hidrogeologia. Os eiosclarecimentos não foram suficientes. Há déficit hídrico na região e é importante avaliar os impactos, particularmente, o comprometimento de áreas de recarga. Além do potencial de contaminação por causa da mineração, notadamente, legada à cava, às pilhas de estéril e de fosfogesso e à barragem de rejeito.
2.Ajustes no projeto da Pilha de Fosfogesso. Há limitações de natureza técnica para promover ajustes. As informações foram entendidas como pertinentes, porém, não descartaram a preocupação do Ibama em relação aos possíveis efeitos negativos dessa estrutura sobre as redes de drenagem.
3.Pilha de Estéril. Informações apresentadas não suprimiram as dúvidas do Ibama referentes à necessidade de proteção do açude Morrinhos e das redes de drenagem que o abastece.
4.Matriz energética. As informações sobre a que será utilizada nos processos de secagem de produtos fertilizantes foram genéricas. O projeto não incorpora alternativas para o fornecimento de energia ao empreendimento, persistem incertezas em relação à matriz energética e às consequências sobre o meio ambiente.
5.ESPELEOLOGIA. Foram identificados potenciais impactos efetivos e irreversíveis em áreas de influência em cavidades (cavernas) de alta relevância e em cavidades que não foram devidamente estudadas. Não foram apresentados planos de mitigação e compensação dos possíveis impactos.
6.ESPELEOLOGIA II. Deveria ter sido apresentado um mapa com informações detalhadas a respeito da vegetação do entorno das cavidades (cavernas). O tipo e condição da vegetação têm uma grande importância para definição do raio de influência na área do projeto.
7.BIOESPELEOLOGIA. As divergências de informações e falta de dados no estudo impossibilitaram a confirmação da relevância de cada cavidade pelo Ibama.
8.FAUNA. Terrestre e aquática. Não atendeu às solicitações feitas. Particularmente, na concepção de monitoramento e mitigação de impactos. Há pendências quanto ao sacrifício de animais e seus tombamentos, em descumprimento às Autorizações de Captura, Coleta e Transporte de Material Biológico.
9.DISPONIBILIDADE HÍDRICA. Apesar de terem sido apresentados estudos, documentos e informações relacionadas à responsabilidade do Governo do Estado, é preocupante o fato de a INB dissociar, do corpo do próprio projeto minero-industrial, as obras e serviços relacionados à infraestrutura hídrica.
10. COMPONENTE SOCIOAMBIENTAL. Não foram apresentadas medidas de mitigação de possíveis impactos por contaminação por radionuclídeos das comunidades mais próximas ao empreendimento, ainda que em nível conceitual.
11.RADIAÇÃO. Em relação à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), não consta nos autos, até o presente momento, nenhuma manifestação conclusiva quanto ao Licenciamento Nuclear do empreendimento.
12.IPHAN. Não consta, até o presente momento, nenhuma manifestação conclusiva sobre o empreendimento.
Fonte: Parecer 02001.003419/2016-12 COMOC/IBAMA
ITATAIA. PROJETO EM NÚMEROS
NÚMEROS
900
milhões de reais é o investimento estimado do projeto da mina de urânio de Itataia
90
metros é a altura da barragem de rejeitos de urânio de Santa Quitéria
70
metros é altura da barragem de rejeito de fosfato
12
Milhões de metros cúbicos de rejeito de minério desceram com o arrombamento da barragem Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG).
15
metros de profundidade, aproximadamente, era a fundura de vários locais atingidos pelo vazamento da mina da Vale do Rio Doce.
Fonte: Relatório do Ibama
OS RISCOS DO PROJETO DA MINA DE URÂNIO DE ITATAIA
A Jazida de Itataia, localizada no município de Santa Quitéria, no Sertão Central do Ceará, é a maior reserva de urânio do Brasil. Um estudo realizado pelo Núcleo (Tramas) revela que, caso seja licenciado, o projeto representa uma série de riscos, entre os quais:
Contaminar com rejeitos radioativos
3 bacias hidrográficas
156 comunidades
60 municípios
Consumo de água previsto
1.100.000 litros de água/hora é o consumi de água previsto, o equivalente a 125 carros-pipa/hora. O abastecimento viria do açude Edson Queiroz, que teria a demanda de uso aumentada em 400%
Fonte: Levantamento do Núcleo Trabalho, Meio Ambiente e Saúde (Tramas/Universidade Federal do Ceará-UFC)