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"O carro-pipa, pra mim, é uma tristeza"
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"O carro-pipa, pra mim, é uma tristeza"

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Quem enfrentou a seca não se acostuma com a fartura. Feito fantasmas do estio, alguns elementos que se tornaram comuns no Sertão e ainda assombram os viventes que por lá se mantiveram. Uma simbologia por vezes dolorida, por vezes prazerosa para cearenses que lutaram uma vida inteira sem arredar pé do chão esturricado.

"O carro-pipa, pra mim, é uma tristeza. Até hoje, quando ele passa em frente à janela lá de casa, eu fico triste, porque carro-pipa é seca", revela Maria Dilma. "Mas a chuva. A chuva pra mim é uma alegria".

Da rotina que viveu até o ano passado, a tesoureira carrega algumas recordações. Como quando voltava o assentamento depois de passar poucos dias nas casas dos filhos, na sede de Russas, onde já havia água encanada. "Eu lembro que, quando voltava pra casa, ia lavar as louças e ficava passando a mão nos azulejos da pia, procurando a torneira. Mas aqui, a água era na bacia", se encabula.

Casada, mãe de três filhos e moradora da comunidade há 22 anos, Dilma apura cerca de R$ 70 por mês com o percentual do sistema de dessalinização que lhe cabe. Para completar a renda, vende cosméticos e perfumes. Mas diz ser feliz com aquilo tem. "Ainda bem que água num falta", comemora.

Vizinha e agricultora, Jocélia Mara da Silva, 52, pouco se recorda da vida antes do sistema de dessalinização. "Sei que a gente ia pegar água lá na outra comunidade da Lagoa Grande. Isso há 23 anos. Tinha um dessalinizador por lá e as filas enormes", relembra.

Sobre o carro-pipa, tem visão diferente de Dilma. "Nos serviu muito durante a seca. Ainda bem. Mas, hoje, temos água encanada, na cisterna, no dessalinizador, nos açudes, nos baldes, nos tambores. É água de todo jeito. Agora, pra faltar, com o Canal da Integração, só se o Castanhão secar. Mas não quero nem pensar nisso".

Da fartura, Jocélia não apenas se envaidece, como demonstra. No quintal da casa onde vive com o marido e uma neta de 15 anos, planta e colhe muito do que põe à mesa. Laranja, ata, graviola, banana, manga, uva, urucum, tangerina, acerola, limão, cebolinha, mamão e pepino. "Num tenho coentro porque a semente acabou. Mas vou comprar amanhã", avisa.

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