O jornalismo me levou até a rampa do Jangurussu, uma primeira vez, nos anos 2000. A imensa montanha de lixo, feita do descarte de uma Cidade, era um dos ícones de Fortaleza. E era impressionante. No lixão, desativado em 1998, persistia um primitivo trabalho de catação.
Eu lembro a mistura de pessoas - mulheres, principalmente - com urubus, disputando o ganho do dia, sob o sol, em uma poeira e um mal cheiro constantes. As crianças menores ficavam embaixo de abrigos feitos com sacos pretos, tão quentes que escaldavam a pele. A imagem de uma mulher grávida, no alto da rampa, cascavilhando a montanha de lixo com a barriga rente ao chão de chorume, me acompanha até hoje. Esse cenário apocalíptico me impressionou, como é que pode alguém existir desse jeito?
Quase 20 anos depois, volto à rampa do Jangurussu, para esta entrevista. Uma vegetação densa encobre o lixo e camufla emboscadas e execuções. Não se pode mais andar ali, recua uma moradora que foi criança no lixão; atiram do outro lado.
Pastor Simões me devolve a pergunta: por que você escolheu vir aqui? É que o jornalismo, olhando a Cidade junto com a rampa, ainda demanda esta resposta: como é que pode alguém existir desse jeito?