Diariamente, por volta das 19 horas, se ainda não divulgou o vídeo diário, as cobranças já enchem o celular. Elias Leite lava o rosto e, independentemente do cansaço, dá boa noite aos internautas e explica por cerca de quatro minutos a situação da pandemia de Covid-19 na rede Unimed Fortaleza, da qual é presidente.
No decorrer de um ano, essa comunicação via Instagram (@eliasbezerraleite), rapidamente espalhada também por Whatsapp, fez com que alcançasse quase 50 mil seguidores na rede social, milhares de visualizações em seus vídeos e até comparações hospitalares de dados da rede pública e outras redes particulares de saúde.
A expectativa de melhora nos índices da pandemia vem acompanhada de uma frase sempre citada ao final da publicação: “Vai dar certo!” E diariamente Elias acredita no bordão. “Esse movimento foi algo inspirador e eu nunca imaginei na vida receber tanta força como todos nós recebemos. E não só na Unimed Fortaleza, mas em outras operadoras de saúde e dos profissionais da saúde no serviço público que estão lutando contra a Covid-19”, considera.
A campanha que surgiu nas redes se espalhou pela Cidade. Seja pelos bairros ou nos letreiros de ônibus de Fortaleza, a sensação de que, no fim, vai dar certo é o sentimento de uma luz no fim do túnel: mesmo que pareça distante, seguimos caminhando pois é o que nos resta fazer. É o direito de afirmar esperança por estamos fazendo o possível, considera o gestor sobre um “otimismo feito de forma responsável”.
O intuito, conta o médico, é promover a lembrança de que tudo será resolvido. Enquanto a guerra contra o vírus persiste, os cuidados e tratamentos também - todos divulgados de forma transparente nas postagens de seu perfil. Muitos consideram uma forma estratégica de reconhecimento da empresa ou de possíveis investidas políticas futuras, o que o presidente nega. “Se eu estivesse com pensamentos políticos, eu não teria conseguido enfrentar tudo da forma como estamos conseguindo”, diz ao O POVO.
Mas, é inegável que o serviço vem dando resultados: formado em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Elias ganhou reconhecimento da Academia Cearense de Medicina e homenagem no Troféu Empreender 2020 devido ao trabalho de divulgação.
Aos 40 anos, seguir o rumo de gestão da Unimed Fortaleza após doze anos de atendimento na otorrinolaringologia em clínicas públicas e privadas vem trazendo estímulo. Elias brinca consigo mesmo ao se chamar de “médico de organizações”, uma forma de se firmar como líder e ser um reflexo da sua própria história em meio ao que considera como carência de líderes pelo Brasil.
Com a segunda onda, os vídeos voltaram a ser diários. A situação da rede na última semana, conta Elias, foi de platô, definido como altas e quedas de atendimentos dentro de uma média. “Sempre disse que estamos há um mês de Manaus, mas é óbvio que nada impede que não tenhamos uma terceira onda”, alerta. “Se todo mundo fizer sua parte, com certeza vai dar certo.”
O POVO - Sua forma de comunicação é um posicionamento diferente para uma pessoa no cargo de gestão de uma grande empresa. Como é estar na linha de frente de comunicação em meio a uma pandemia?
Elias Leite - Na verdade, o que nós estamos fazendo para a população era o que eu fazia já antes de gestor. Aqui na Unimed Fortaleza há um tipo de gestão em que acredito que a comunicação transparente é fundamental para que as pessoas entendam o caminho que você quer seguir. Eu já tinha aqui na empresa o que eu chamava de Minuto com Elias: toda segunda-feira eu enviada um vídeo para os colaboradores e cooperados com um tema sobre liderança e desenvolvimento pessoal. Mas, quando a pandemia começou, eu troquei esses temas, pois senti que as pessoas estavam com muito medo e não sabiam o que estava acontecendo. Daí passei a informar sobre os números, o que nós estávamos fazendo com aquela subida dos índices e, no final, citava um otimismo responsável dizendo que vai dar certo. Em um momento como esse, as pessoas não estão adoecendo apenas de Covid, mas também da mente, espírito e alma. O momento por si só já está difícil mas, poxa, se estamos fazendo tudo o que podemos fazer, tenho duas formas de comunicar isso: de forma séria, triste ou pessimista; ou posso comunicar a mesma informação de uma forma mais leve, tentando não tratar apenas a Covid, mas tentando tratar a mente das pessoas. Vimos muitas pessoas caírem no ponto de vista psicológico e não precisamos apenas dar apoio na questão dos leitos e respiradores, mas também um apoio de "calma, vamos vencer". E nós só temos o direito de dizer que vai dar certo porque nós estamos fazendo o que podemos.
OP - Seus vídeos trazem atualizações quase diárias sobre a situação da rede Unimed Fortaleza na luta contra a Covid-19 e chegam a ter mais de 20 mil visualizações. Como vem sendo o ritmo de produção em meio a pandemia?
Elias - O primeiro vídeo eu postei em março (de 2020), no começo não era todo dia. Aí depois da segunda semana de abril, eu passei a postar vídeos todo dia até fim de julho. Quando abaixaram os índices, passei a postar os vídeos por três, quatro vezes por semana. No começo foi difícil porque as pessoas reclamavam, viu? Mas ainda hoje, quando costuma dar 19 horas e eu ainda não tive tempo para mandar um vídeo, meu WhatsApp começa a encher de mensagens de pessoas pedindo o vídeo. Por muitas vezes também já aconteceu de eu não querer gravar por estar exausto ou resolvendo outro problema… mas eu levanto, lavo o rosto, boto a camisa da Unimed e vou gravar. Entendo que devo isso à sociedade, eu não faço isso para mim, mas pelas pessoas. Então, independentemente de como eu esteja, eu tenho de manter o vídeo. Na linha, a transparência - porque isso é uma maneira de ajudar as pessoas e a sociedade. Agora com a segunda onda, eu voltei a publicar os vídeos diariamente. E enquanto não começarmos a descer os índices de forma considerável, eu vou continuar a enviá-los todo dia.
OP - Esses vídeos funcionam como um certo reforço tanto da transparência dos dados da rede como na própria cobertura jornalística, somando-se ao acompanhamento de outros índices da rede pública e privada. Por que a opção de divulgação dessa forma?
Elias - Eu sempre falo dos números do sistema Unimed, que são os que eu tenho gestão. Em nenhum momento a gente fala por outro serviço, mas não significa que não possamos ajudar. Se isso auxilia outras instituições privadas, eu fico feliz porque, na verdade, nunca houve competição com os nossos concorrentes diretos. Não há momento para isso. Eu acho que todo mundo tem de se ajudar. É deixar as ideologias políticas e as disputas por mercado de lado. Quando tudo isso passar, a gente volta à rivalidade. Se as pessoas estão usando esses números como forma de repensar algumas decisões, isso me deixa feliz porque a Unimed Fortaleza está fazendo uma contribuição maior para a sociedade. E fico feliz que isso está ajudando outras instituições.
OP - Ainda sobre os vídeos, eles promoveram tanto o trabalho da Unimed Fortaleza quanto o seu: um exemplo foi a homenagem com o Troféu Empreender 2020. O senhor esperava esse reconhecimento?
Elias - Tem uma frase do Rubem Alves que ele diz “só cheguei onde cheguei porque tudo que eu planejei deu errado”. Em nenhum momento eu pensei em ter essa repercussão toda ou até essas homenagens. Para quem me conhece pessoalmente, eu sou um pouco encabulado com isso e não chego a divulgar prêmios que ganhei em minhas redes sociais. Porque eu acho que, para mim, o que me deixa feliz é ver as pessoas sendo ajudadas. E eu não faço isso sozinho, eu faço isso com todas as pessoas que fazem a Unimed Fortaleza. As homenagens são para todos, na verdade, eu só sou um representante dessas pessoas. Eu digo que minha principal função da Unimed é cuidar das pessoas certas nas unidades certas: e são essas pessoas que são os verdadeiros heróis dessas histórias. Claro que eu fico honrado, afinal, nunca na minha vida pensei em receber uma homenagem, por exemplo, da Academia Cearense de Medicina ou receber o Troféu Empreender 2020 pelo O POVO. Eu nunca experienciei isso e fico feliz, mas também tenho de ter muito cuidado para que isso não seja maior que o grande objetivo de acabar com o vírus. As vezes recebemos críticas e as pessoas ficam: "Você tem que rebater!" Mas eu digo que não é o objetivo. Primeiramente temos de respeitar a opinião de todo mundo. Segundo que, se o objetivo é tirar o foco de tratar e cuidar das pessoas do sistema Unimed, eu perco a força para continuar fazendo o que estamos fazendo.
OP - Em meio ao reconhecimento dos vídeos, sua frase final afirmando “Vai dar certo” também se espalhou pela cidade. O que seria esse movimento e acredita que, talvez, ela possa ter influenciado o combate à pandemia na Capital?
Elias - É algo fantástico que me deu muita força. Nosso pico, até agora em 2021, de atendimentos foi no dia 17 de março, data em que tivemos mais pacientes internados e foi quando começou essa mobilização que se espalhou pela cidade. Primeiramente, grandes empresas aderiram em suas fachadas. Depois se espalhou por pessoas físicas. Me ligaram da Unimed São Paulo e perguntaram se poderiam usar a frase. Eu respondi que esse movimento não era meu, mas de qualquer pessoa de bem. “Claro que pode, é de quem quiser esse otimismo responsável”, disse. Eu fico muito feliz e grato à sociedade em estarmos dando esse apoio aos profissionais da linha de frente, porque não é fácil. Esse movimento foi algo inspirador e eu nunca imaginei na vida receber tanta força como todos nós recebemos. E não só na Unimed Fortaleza, mas em outras operadoras de saúde e dos profissionais da saúde no serviço público que estão lutando contra a Covid-19. Fazemos nossa parte e temos o direito de sermos otimistas de forma responsável. Temos de olhar tudo o que está sendo feito, não apenas o que está sendo perdido. Se fazemos tudo o que podemos, temos o direito de dizer que vai dar tudo certo. Não existiu nenhuma crise na humanidade que não foi vencida e esta não será diferente. Nós estamos em uma guerra, nós vamos vencer e é importante que todo mundo dizer que “vai dar certo”. Se todo mundo fizer sua parte, com certeza vai dar certo.
OP - Em um ano de pandemia e diante dessas atualizações diárias, há como mensurar o que mudou no senhor, como profissional e no aspecto pessoal, durante a gestão da Unimed Fortaleza?
Elias - Uma coisa que tenho de citar é o apoio irrestrito que eu recebo da minha esposa. Fiz um ano de casado no meio da pandemia, no dia 13 de maio - um dia, inclusive muito difícil, com muitos gargalos no hospital, embora não tenha sido o dia com mais pacientes internados. E ela é um suporte incrível e fantástico para mim. Também acho que cada vez mais eu percebo a importância de você tentar descobrir seu proposito de vida. Em muitos dias, se não tivesse muito claro para mim qual o nosso objetivo na Unimed, eu não teria força para rebater críticas, aguentar o cansaço ou superar a perda de alguém querido. É fundamental descobrir quais são os seus valores e qual a sua missão de vida. Quando você descobre e começa a viver isso, você supera qualquer dificuldade. Hoje eu me sinto carente de um líder, ao nível do Brasil, para que o país possa ter a esperança de um lugar melhor. Por isso o vai dar certo é importante, é uma responsável de manter aquilo que as pessoas tanto precisam em um momento difícil. Como líder, sempre defendi que você tem de trazer as pessoas com você e mostrar para elas o propósito daquilo tudo que você está vivendo. Se elas comprarem e entenderem, elas estão do teu lado. Felizmente, aqui, as pessoas entenderam. Hoje não tem ninguém trabalhando apenas por dinheiro, porque quem trabalha só por dinheiro não aguenta ficar mais de um ano nessa guerra que estamos vivendo.
OP - Qual foi o momento em que o senhor percebeu esse propósito?
Elias- Hoje eu tenho 46 anos e só depois dos 45, no ano passado, foi quando eu consegui viver da forma mais intensa meu propósito de vida que é mais que salvar vidas, é divulgar o modelo de gestão que acredito, chamado de cortesia do resultado. Quem está salvando as vidas são as pessoas que fazem a Unimed Fortaleza e elas estão vivendo isso fortemente. Tratar bem as pessoas em um lugar certo traz um resultado, mais do que isso, e a pandemia foi uma grande oportunidade de provarmos isso. Há mais de um ano eu uso praticamente a mesma roupa: uma calça jeans e a camisa da Unimed. E estou muito bem dessa forma. Temos mais do que precisamos e é tão importante percebermos que temos coisas a que antes não dávamos tanto valor e nada disso se consegue sozinho. Juntos conseguimos coisas inacreditáveis. Se não tivéssemos pessoas tão competentes junto à estrutura que temos, não teríamos conseguido. E quando olho para tudo que criamos, mesmo com tantas dificuldades e perdas, vemos como vale a pena estar ao lado de pessoas tão boas. Isso traz um grande valor ao mundo.
OP - Diante dessas ações, você se considera como um "médico de organizações". O que é ser esse gestor para o senhor?
Elias - Aos 40 anos, eu tomei a decisão de pedir demissão do Hospital das Clínicas no Serviço de Otorrinolaringologia na Universidade Federal do Ceará e parar com a medicina de consultório. Decidi porque vi, naquele momento, que o consultório remunerava muito bem meu bolso, mas não remunerava mais minha alma. Eu digo que a minha vida é uma busca pela sobrevivência não financeira, mas pela do fazer valer à pena. De olhar para trás e pensar: "Poxa, como essa semana foi boa, como valeu a pena estar vivo e trabalhando." Me encontrei na gestão de uma grande empresa e vi que poderia impactar muito mais vidas se eu pudesse difundir essa cortesia. Por isso digo que deixei de ser apenas médico de ouvidos, nariz, garganta e laringe e passar a ser também médico de pessoas e organizações. Acho que a principal carência do nosso país hoje seja de lideres que defendam valores, que opinem, que sirvam de referência e que deem esperança para outras pessoas.
OP - Nos últimos dias, vem um relato de esperança nos seus vídeos: o platô dos índices atendidos pela Unimed Fortaleza da doença. Como segue a situação da Covid-19 na rede Unimed?
Elias - Estamos há duas semanas neste platô. O que caracteriza um platô é que os números sobem e descem, mas dentro de uma faixa. Nossa grande esperança é que nos próximos dias, esses índices comecem a diminuir. Óbvio que é uma esperança, não temos uma certeza disso. Mas é muito parecido com o que está acontecendo em Manaus. Sempre disse que estamos há um mês de Manaus, mas é óbvio que nada impede que não tenhamos uma terceira onda. Não podemos baixar a guarda e as pessoas não podem deixar os cuidados de lado. O que acredito hoje é em uma redução dos números, junto a questões técnicas e projeções.
OP - Com a visibilidade dos vídeos, muitos cogitam uma possível candidatura sua a algum cargo político em 2022. É um objetivo?
Elias - No momento, meu único foco é ficar na gestão da Unimed Fortaleza até fevereiro de 2022 e fazer o melhor possível enquanto estamos aqui, tanto em gestão quanto, principalmente, em vencer a pandemia. Nesse momento eu não tenho cabeça para muita coisa, principalmente para a política. Se eu estivesse com pensamentos políticos, eu não teria conseguido enfrentar tudo da forma como estamos conseguindo. Não sou filiado a nenhum partido, nunca tive a intenção de me candidatar e isso não passa na minha cabeça no momento. É incrível porque, quando você começa a aparecer de alguma forma, as pessoas sempre acham que há interesse ou intenções. Mas nesse momento eu só tenho o interesse de vencer essa pandemia sob a gestão da Unimed Fortaleza quanto antes e da melhor forma possível.