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Somatic Experiencing: método para lidar com traumas
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Somatic Experiencing: método para lidar com traumas

Psicólogo fala sobre como surgiu e qual é o diferencial do método. Na próxima semana, serão realizados dois eventos sobre o tema em Fortaleza
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Sérgio Oliveira é psicólogo clínico com especialização em Fenomenologia Existencial e formação em Gestalt-Terapia. Ele é presidente da Associação Brasileira do Trauma (ABT) (Foto: DIVULGAÇÃO)
Foto: DIVULGAÇÃO Sérgio Oliveira é psicólogo clínico com especialização em Fenomenologia Existencial e formação em Gestalt-Terapia. Ele é presidente da Associação Brasileira do Trauma (ABT)

Quando alguma situação é vivida de forma muito intensa, muito rapidamente, sem que a pessoa consiga lidar adequadamente com ela, podem surgir dores, ansiedade, insônia ou outros sinais de que algo não está bem. Para o método Somatic Experiencing (SE), a instalação de sintomas causados por uma carga que não foi liberada na hora do evento é uma forma de definir o que é um trauma.

Criado por Peter A. Levine, o Somatic Experiencing é um método que visa trabalhar a consciência sobre as sensações corporais para liberar, de forma gradual e segura, as energias presas após o evento traumático. Psicólogo clínico com especialização em Fenomenologia Existencial e formação em Gestalt-Terapia, Sérgio Oliveira estará em Fortaleza para promover dois eventos voltados a quem tiver interesse em conhecer e vivenciar o método. Ele é presidente da Associação Brasileira do Trauma (ABT).

"O nosso maior recurso está em nós mesmos", destaca Sérgio. Em situações limites, claro, muitas vezes é necessário buscar recursos externos, mas o trabalho é conseguir encontrar o caminho para entrar em contato com "o poder que tem dentro da gente". "Não é nada místico, é um poder do nosso sistema nervoso mesmo, que tem todo um aparato, toda uma organização interna que tira a carga que gera os sintomas", explica.

O POVO - Como surgiu o Somatic Experiencing?

Sérgio Oliveira - Podemos dizer que o Somatic Experiencing, como método, foi sendo desenvolvido. O “mentor” do processo de desenvolvimento foi Peter Levine, que é PhD em Física Médica, biólogo e fez doutorado em Psicologia. Ele, atualmente, faz vários workshops pelo mundo. Ele desenvolveu este trabalho e depois outras pessoas foram aperfeiçoando juntamente com ele. E isso já vem lá da década de 1970, com várias observações do Peter Levine em relação à percepção do corpo na relação com a gravidade. Como o nosso corpo ele se organiza na relação com a gravidade, que permite que ele encontre um lugar de mais presença, mais relaxamento. Aliado a isso, ele foi também estudando o comportamento dos animais. Como os animais, no seu habitat, raramente ficam traumatizados, porque eles entram em um ciclo de ativação, mas também entram na possibilidade da descarga e da desativação. É uma onda que cresce e tem o tempo de ser liberada. E o ser humano, muitas vezes ativa, vivencia o estado de ansiedade, de tensão muito grande, mas não dá tempo de soltar essa energia, de liberar através da ação ou de apenas parar e observar a liberação acontecer. Ele (Peter Levine) foi estudando o comportamento dos animais e os estudos relacionados ao sistema nervoso e foi desenvolvendo esse método, que foi ganhando um espaço cada vez maior no Brasil no fim da década de 1990. Hoje temos a Associação Brasileira do Trauma (ABT), da qual atualmente eu sou presidente, e temos o objetivo de divulgar este método e, ao mesmo tempo, organizar as formações para terapeutas.

O POVO - Qual o diferencial do Somatic Experiencing para lidar com questões de estresse pós-traumático?

Sérgio Oliveira - Um dos princípios desse método é que o trauma não está no evento, naquilo que gerou uma ativação. O trauma está na própria fisiologia, no próprio corpo. O que aconteceu já aconteceu. Precisamos olhar para o que está acontecendo aqui e agora no corpo. Então, esse é o princípio máximo. À medida que a gente observa essa fisiologia e acompanha as respostas dela, é lógico que vai vir memória do que aconteceu, mas no aqui e agora, quando você tem mais capacidade de auto-observação e de buscar recursos para lidar com isso que foi desencadeado lá atrás, você tem a condição de levar ao que chamamos de resolução do trauma, uma liberação daquela carga que ficou presa no sistema.

O POVO - Como é que é a formação de quem vai atuar com o método?

Sérgio Oliveira - A formação é feita de uma forma que permite que a pessoa trabalhe o próprio processo dela, os próprios traumas. E são esses próprios traumas que vão ser a maior fonte de aprendizado. O que vemos acontecer na formação é que as pessoas entram em um de processo de contato com suas próprias questões e isso permite que, além de liberar, elas aprendam o método, que ajudem as pessoas a fazerem a mesma coisa. Basicamente, no primeiro ano da formação as pessoas vão aprendendo a se auto-observar, acompanhar suas sensações, a perceber como, no dia a dia, elas ficam naquele estado de ativação. E como, ao observar isso, elas podem descarregar. Trazemos algumas teorias que falam exatamente dos comportamentos dos animais, informações sobre o comportamento do sistema nervoso autônomo e uma possibilidade de ter uma perspectiva de linguagem que permite à pessoa entrar em contato com a experiência somática, uma experiência que está acontecendo no aqui e agora, no corpo, enquanto fenômeno de vida. No segundo ano, vamos trabalhar com traumas específicos. Por exemplo, cirurgias são eventos que podem gerar trauma; acidentes de carro, quedas e muitas coisas que acontecem no nascimento podem ser geradores de trauma. Isso que estamos vivendo agora (a pandemia de Covid-19), com certeza é algo que está gerando trauma, e o SE tem ferramentas para ajudar as pessoas a olharem para isso. O terceiro ano é um nível mais avançado, em que se trabalha com um pequeno toque no corpo, ajudar as pessoas a ganhar mais presença. É uma formação muito completa. É um curso aberto para pessoas da área da Educação, da Saúde — inclui psicólogos, fisioterapeutas, médicos — e de áreas afins. Hoje, na ABT, também temos a rede de Ação Social, que são terapeutas de Somatic Experiencing formados que fazem parte de uma equipe de atendimento emergencial. Pessoas que estão vivendo situações de medo e de perda podem gratuitamente fazer contato com o nosso site e fazer inscrição para serem atendidas por eles. São cinco sessões gratuitas, online, com supervisão dos professores.

O POVO - Como se define um trauma e o que ocorre, fisiologicamente, no organismo de quem sofre com ele?

Sérgio Oliveira - O que a gente chama de TEPT, o Transtorno de Estresse Pós-Traumático, é quando já se instalou um sintoma. A pessoa já começa a ter um grau maior de ansiedade, começa a ter insônia, enxaqueca, dores generalizadas, problemas de relacionamento. E, quando vamos investigar e trabalhar junto com a pessoa, vamos perceber que em algum momento ela viveu algo que foi muito intenso, muito rápido e não teve como lidar com aquilo. Então, isso é que muitas vezes desencadeia um mecanismo que pode levar ao trauma. Então, toda a carga de energia relacionada com aquilo, que não foi canalizada e não foi liberada, começa a circular no nosso corpo, e ela é regida pelo nosso sistema nervoso autônomo, pelo nosso sistema imunológico, nosso sistema muscular. Nós temos vários sistemas que regulam a nossa relação com o ambiente e conosco, então tem uma carga ali que não foi liberada, fica circulando e gerando sintoma. O trauma é exatamente a instalação desses sintomas causados por uma carga que não foi liberada na hora do evento. Essa poderia ser uma definição. Usamos também outra definição que é assim: o trauma é uma resposta biológica incompleta em estado de ativação e congelamento.

O POVO - De que formas o trauma pode se manifestar?

Sérgio Oliveira - Algumas vezes, a pessoa vive uma situação e, mais na frente, repete de novo uma situação muito parecida com a que viveu. Depois, mais lá na frente ela repete outra vez. Isso já está mostrando que é um trauma, a pessoa já está instalada dentro de um contexto de repetição. Às vezes, é comum ver uma pessoa ter (mais de um) acidente de carro no mesmo lugar, ser assaltada no mesmo lugar ou vivenciar um relacionamento muito parecido com o que teve antes. Em outros casos, a pessoa começa a se isolar de tudo que se relaciona com aquilo que ela viveu. Ela começa a perder contato com a vida. As pessoas vão ficando cada vez mais isoladas, não conseguem fazer contato com as outras pessoas e não conseguem ir atrás daquilo que poderia ser recurso para elas. Tem pessoas que às vezes gostavam de ir à praia, mas tiveram um trauma e não vão mais. Ela deixa de viver aquilo, por exemplo.

O POVO - Como o senhor avalia o atual momento da pandemia de Covid-19?

Sérgio Oliveira - Se a gente for ver os elementos da pandemia, os aspectos que ela levanta, os comportamentos, o que ela gera... De cara, a gente pode falar que gera medo. As pessoas têm medo de morrer, de serem contaminadas. Esse medo gera também um estado de alerta, uma certa apreensão. Esse estado de alerta e apreensão é natural de acontecer, porque ele nos coloca diante de uma possibilidade de nos orientarmos no espaço. Se é perigo, a gente ou faz alguma coisa para se distanciar daquilo, ou então luta. É luta ou fuga. Então o nosso estado de alerta e apreensão faz parte da nossa fisiologia e do nosso comportamento. O problema é quando este estado se instala e fica o tempo todo assim, a pessoa está alerta e apreensiva o tempo todo. E ainda tem um medo. Imagina um organismo assim. É uma energia muito intensa que fica ali presente, colocando a pessoa nesse estado, e isso vai gerar uma série de consequências. Cansaço, dificuldade de dormir, muitas vezes vai deprimir ou desorientar as pessoas. Então, esse quadro em que a gente vive é um quadro que realmente coloca as pessoas nesse estado de apreensão crônico, vamos dizer assim. E esse estado crônico gera um estresse acumulativo, que também vai gerar sintomas do TEPT. Ou seja, não precisa ser alguma coisa de choque, o gerador de traumas. Pode ser também essa situação que mantém a gente em estado de alerta constante. Fora as perdas que as pessoas vivem, que aí acabam tocando no lugar do luto, da tristeza e do desamparo, a que muitas vezes a gente está sujeito. Também estamos vivendo um momento político difícil, em que as pessoas se sentem inseguras. Então, junta tudo isso e é o quadro perfeito para instalação de TEPT.

O POVO - Conhecimentos sobre o SE podem ajudar nesse contexto?

Sérgio Oliveira - O que o SE vai fazer é exatamente ajudar a pessoa a olhar para si mesma e perceber esses efeitos. Dar-se conta de que a própria atenção na experiência interna e somática permite a ela sair desse estado de alerta, desse estado de apreensão e desse estado de luta e fuga. Permite que ela (pare e pense): “Aqui, eu preciso estar em estado de alerta? Não, aqui eu posso ficar seguro”. Quando ela toma consciência dessa segurança, o organismo dela fala: “Não, aqui não tem perigo, posso relaxar”. E aí tem uma liberação. Toda aquela energia que estava guardada, ela libera, descarrega. Traz a pessoa para outro estado. Então, o SE pode ajudar muito as pessoas a saírem desse estado de alerta, de apreensão, paro o estado que a gente chama de “orientação exploratória”, em que ela consegue viver um lugar onde ela pode ter mais opções de escolha, e aí ela buscar recursos que ela muitas vezes não podia antes.

O POVO - Qual será o diferencial entre os dois eventos que o senhor virá realizar em Fortaleza?
Sérgio Oliveira - As duas atividades vão ter uma explanação, eu vou falar um pouco mais sobre isso que estou falando para você, vou passar alguns vídeos, mas vou convidar as pessoas a vivenciarem alguma experiências e vou trabalhar de forma que ajude as pessoas a perceberem essas liberações que vão acontecendo. A segunda será um pouco mais focada nos princípios e nos fundamentos da própria abordagem. Ela vai ter alguns momentos vivenciais, mas vou apresentar e falar um pouco mais dos princípios e conceitos do método e da abordagem. Sou psicólogo clínico, tenho formação em Gestalt e Fenomenologia, então já tenho um caminho já andado dentro dessas abordagens e vou trazer também o que torna este método uma abordagem que leva em consideração sobretudo a consciência. A consciência do que está acontecendo no aqui e agora e nos fenômenos que acontecem quando a gente se auto-observa e permite que o corpo se autorregule. Então, eu falar desses fenômenos da experiência somática, que envolve emoção, memória, comportamento, significado. O trabalho é verbal, mas envolve o contato com as sensações, então vou falar desses princípios. Basicamente são cinco: comportamento, sensação, imagem — que seria a memória —, emoções e significados. Como esses cinco elementos formam uma gestalt, uma configuração que revela um padrão traumático. E, quando a gente reconhece esse padrão traumático a partir do trabalho com a experiência somática, a gente permite que essa configuração ganhe uma outra forma. E aí, tira a pessoa, às vezes, do estado crônico de tensão e leva ela a um lugar de mais mobilidade e mais liberação, onde a emoção pode se expandir.



SERVIÇO

Vivência – Grupo presencial. Somatic Experiencing - SE – Prevenção e resolução de estresse pós-traumático
Onde: Mundo Akar (Rua Felipe Ney, 1000 — Patriolino Ribeiro)
Quando: 28/09, às 18h30min
Quanto: R$ 40,00
Inscrições: mundoakar.com.br/eventos

Somatic Experiencing - SE - Uma abordagem gestáltica de prevenção e resolução do estresse pós-traumático
Onde: Espaço Grão (Rua Silva Paulet, 3087 — Aldeota)
Quando: dia 1/10 , às 19 horas
Quanto: Gratuito, sujeito à capacidade do espaço (30 vagas)

SERVIÇO

Associação Brasileira do Trauma
Endereço: Rua Haddock Lobo, 131, Cj. 701, São Paulo – SP
Site: https://www.traumatemcura.com.br/
E-mail: contato@traumatemcura.com.br
Telefone: (11) 3873 6795

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