Da sala da Presidência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Ceará, com vista para a Avenida Washington Soares, Erinaldo Dantas, 48, recebeu O POVO para uma conversa sobre a campanha que diz ter sido a mais baixa que participou e que lhe garantiu mais três anos à frente da instituição. Negou que Governo do Ceará e Prefeitura de Fortaleza exerceram pressão ("absolutamente zero") sobre funcionários com cargos comissionados para que votassem nele. A OAB Nacional, opinou Dantas já em outro assunto da entrevista, não pode se omitir da discussão sobre o impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Por último, questionado, assegurou que a trajetória que trilha "nunca" encontrará o caminho da política partidária. Confira os principais trechos:
O POVO - O que é que um ano eleitoral e muito provavelmente de turbulência política como 2022 reserva para a advocacia?
Erinaldo Dantas - A advocacia é composta por homens e mulheres que não são diferentes do resto da sociedade. O advogado não é um super-herói. Então, essa divisão que a gente vê na sociedade a gente enxerga também na advocacia. E acho que o papel fundamental da Ordem, nesse momento, é trazer a importância da nossa profissão como formadores de opinião, para que a gente não perca de vista a consciência de que aquilo que nos une é muito mais forte do que aquilo que nos separa. Nós estamos vendo famílias separadas. O sujeito defensor do Bolsonaro briga com quem é contra o Bolsonaro, e aquele cara que é contra o Bolsonaro não aceita alguém que o defenda. A gente acaba tendo uma cisão no nosso País. Acho, inclusive, que nesse ponto aí o presidente trabalha em pautas e enfrentamentos que são desnecessários. Eu acho que a OAB deve funcionar, usando até a advocacia, para que a gente não perca a nossa consciência de elo. Tem uma peça do Shakespeare, que é Henrique VI, em que se combina um golpe de Estado. Tem um personagem chamado Dick The Butcher, que diz o seguinte: se a gente for dar o golpe, a primeira coisa a fazer é matar todos os advogados ("let's kill all the lawyers"). Por que? Porque são os advogados que brigam pelo Estado Democrático de Direito. É fundamental que os advogados não percam essa consciência e que a gente não trabalhe nesse Fla x Flu que a gente vive na sociedade, que a gente trabalhe para apaziguar. Seja quem for o vencedor do próximo processo democrático, que a gente aceite o resultado, por mais doloroso que seja, e brigue para unificar o País. Vai ser fácil? Não. Os advogados obedecem a OAB? Não.
OP - O senhor lidera uma categoria de 32 mil advogados ativos. A advocacia tem maturidade democrática?
Dantas - Não... Eu diria que existe uma divisão em todo o País. Em todo o País. O que a gente percebe, e parecido com o que a gente vê nos resultados eleitorais, é que no Norte e Nordeste existe uma tendência mais aos movimentos progressistas. No eixo Sul, Sudeste e Centro-Oeste existe um movimento mais conservador. Mas a divisão é a mesma. Do que eu percebo nos meus contatos com os demais presidentes, de eventos que aconteceram ao longo de todo o País, é que essa divisão acontece em todo canto. O Ceará não é diferente do que acontece em Pernambuco, não é diferente do que acontece em Mato Grosso do Sul. A diferença é que os apoiadores do Bolsonaro no Mato Grosso do Sul são bem mais numerosos - não tenho pesquisa, observo no visual - do que os apoiadores do eixo Norte e Nordeste. Mas a divisão, cara, existe de forma generalizada em todo o País. Por isso que o que eu faço tem que ser feito pelo Conselho Federal, por cada seccional, de a gente 'ó, pessoal, não vamos deixar o debate político contaminar o nosso País.' A gente tem que funcionar como um bombeiro. Tem uma frase que é atribuída ao Voltaire, mas dizem que não é dele, né? 'Eu posso não concordar com o que você diz, mas vou defender eternamente o direito de defender as suas palavras.' Então, a gente tem que respeitar as opiniões diversas.
OP - Passada uma semana da vitória, como o senhor pretende unir a advocacia cearense após uma eleição tão acirrada?
Dantas - Vamos lá, hoje (sexta-feira) completa uma semana da nossa vitória, e aí eu confesso a você que não deu tempo de trabalhar em projetos futuros. Eu tirei logo depois da eleição uns dias para descansar, embora eu tenha estado na OAB todos os dias. Estive quinta, sexta, sábado, domingo e segunda. De segunda pra cá tenho tratado de assuntos de fechamento de gestão, criando o grupo que vai ser responsável pela transição, fazendo a checagem do processo administrativo, ou seja, o fechamento da gestão. Mas estamos marcando com a próxima diretoria um encontro para iniciar os trabalhos do ano que vem. A questão do acirramento. Do que eu percebi e do que as pesquisas apontavam é de que, na verdade, o acirramento não existia na base. O que houve foi um grupo que se candidatou, de oposição, que passou do ponto. Um pequeno grupo que fez uma campanha que, na minha opinião, ofendia a imagem da nossa profissão. Na base, o que eu percebo não é esse acirramento, mas precisando de mais assistência ainda do que a gente fez. A pandemia tem sido muito severa com todas as atividades, e a advocacia não é diferente. O advogado não recebe salário, ele depende do desenvolvimento econômico. Então, o que a gente teve no início da pandemia foi um aumento da quantidade de divórcios, porque as pessoas começaram a conviver mais em casa e começaram a se separar mais. Só que hoje o que gente tem é o seguinte: pessoas que não conseguem se separar porque não têm dinheiro para se separar. Estão morando na mesma casa, mas separados. Então, com essa retração econômica que o País está enfrentando, a gente acaba tendo uma redução do mercado de trabalho. O que mais me preocupo hoje não é com as fake news plantadas pela oposição, mas com o que a OAB pode fazer, mais do que a gente já faz, para amenizar o sofrimento de quem está nesse vale terrível ocasionado pela crise econômica.
OP - E o senhor tem pistas?
Dantas - Eu só encontro nesse momento duas saídas. A primeira é reduzir despesas. Ou seja, o que eu digo sempre: advogado, não monte mais escritório, porque vai gerar um custo extra pra você de aluguel, de energia, de condomínio, de internet. Use a estrutura da OAB, a gente está ampliando nossa estrutura para receber mais gente, para o advogado não ter de trabalhar de casa. Você, quando sair, pode até dar uma volta para ver o que a gente já montou nesse sentido. A gente vai ampliar muito mais. Hoje a advocacia é toda aqui no computador. Então, precisa de que? De um certificado digital para provar que ele é ele. É um custo inevitável e a OAB já absorveu. Então, o primeiro pilar é reduzir. O outro pilar é propor uma saída para quem enfrenta dificuldade. Chama-se educação. Educação continuada, porque se está difícil na área que você está atuando, vamos tentar mudar de área. Nossa escola aqui estamos turbinando a quantidade de cursos. São práticos, voltados para a advocacia. Antes eram cobrados. A nossa ideia foi permitir que quem pagasse a anuidade comprasse os cursos concretos na anuidade, foi até uma promessa que fiz na eleição de 2018. Só que a gente fez além disso, a gente passou a dar os cursos todos de graça. Para você ter uma ideia, se você fizer o curso, você pode ganhar até 50% de desconto da anuidade. Eu dou toda a estrutura para o cara trabalhar, dou a capacitação para ele encontrar meios de melhorar a vida dele e, se ele fizer isso, ele ainda paga metade da anuidade. O que eu percebi na campanha é que muita gente na advocacia não sabe que tem isso. Acho que a gente tem que melhorar a nossa comunicação, para poder chegar até a base, para ela aproveitar essa estrutura e gastar menos.
OP - Na campanha, seus adversários disseram que houve pressão da Prefeitura de Fortaleza e do Governo do Ceará sobre funcionários de cargo comissionado para que votassem no senhor, sob pena de serem demitidos. Como responde a isso?
Dantas - Pressão absolutamente zero. Até onde eu saiba o movimento político partidário estava presente na chapa do meu adversário (Sávio Aguiar, segundo colocado), inclusive com almoço com lideranças políticas e tentativa de interferência nas eleições. O que eu digo sempre é que a arena da OAB não é da política partidária, é do Estado Democrático de Direito. Eu não me envolvo em nenhuma discussão política. Se você pegar os últimos três anos, nenhum assunto que tinha cunho político a OAB se manifestou. Por exemplo, a questão da cloroquina. A OAB fez uma audiência pública técnica para discutir a cloroquina. A OAB fez uma audiência pública - eu não participei, porque eu estava em campanha - para discutir o passaporte da vacinação. Acho que houve pouca discussão sobre isso ainda. A gente tenta sempre ficar no foco jurídico. Ao longo desses três anos, eu entrei por exemplo, contra o Estado do Ceará, com várias ações contra a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). Contra servidores eu entrei com dezenas de representações disciplinares e criminais. A OAB é totalmente independente a esse respeito. Na entrevista que eu dei à Rádio O POVO CBN, o Jocélio (Leal) me perguntou. Eu disse "Jocélio, eu acabei de criticar o Estado várias vezes". O que a gente viu foi, infelizmente, os adversários com esse tipo de campanha baixa, como se a gente fosse chapa branca, o que não tem sentido. É só abrir o Instagram da OAB e ver quantas ações nós entramos contra o Poder Público, seja ela Municipal, Estadual ou Federal.
OP - Recentemente, por exemplo, a Defensoria Pública e o Ministério Público entraram forte em uma briga na Câmara Municipal contra projetos inconstitucionais que queriam proibir banheiros inclusivos em Fortaleza. A OAB não deveria ter se manifestado?
Dantas - Se você tacar aí, a OAB se posicionou no caso dos banheiros. Inclusive, meus adversários que eram apoiados por políticos conservadores, batiam muito nisso. Gravaram vídeos dizendo que na OAB os banheiros eram inclusivos, o que era um absurdo. Então, já sim se posicionou e se posiciona desde o início da gestão. Uma das agressões que eu sofri na campanha foi exatamente a OAB ter banheiros inclusivos aqui. A OAB tem uma política inclusive, pouco importa sua orientação sexual, você não pode sofrer qualquer tipo de distinção, e foi assim que a gente fez ao longo dos últimos três anos. Então, quando os adversários começaram a bater na questão de a OAB ser inclusive, na minha visão política, eles jogaram todos os militantes do movimento LGBTQIA+ para nos apoiar. Na nossa campanha, isso foi objeto de discussão, dizendo que nós éramos muito inclusivos em relação ao movimentos. E nós somos, sim.
OP - O senhor acredita que faltou um debate no Conselho Federal para fechar questão sobre o impeachment do presidente Jair Bolsonaro? Anunciou-se que essa discussão ocorreria, foi postergada e não aconteceu mais. O senhor faz uma crítica em relação a isso?
Dantas - Veja só, eu não tenho ingerência sobre o Conselho Federal e vou falar na condição de observador, de advogado. A discussão que o Conselho Federal iria travar sobre o impeachment do presidente era no meio da CPI da Pandemia. O que foi que os conselheiros federais ponderaram? Eu não estava, mas tomei ciência. Se a OAB se manifestar agora no meio da CPI, vai estar agindo do ponto de vista político-partidário. O ideal é que a gente espere o final da CPI, colha as provas e com base nelas a gente apresente um documento técnico. Porque se a gente fizer no meio do trabalho, vamos estar antecipando um resultado. Essa foi a decisão do Conselho Federal. E o fato de não ter entrado em pauta, eu presumo que foi porque os trabalhos da CPI atrasaram, e no momento atual estão acontecendo eleições em todos os estados. Trazer a pauta do impeachment seria politizar a discussão internamente. O período eleitoral da OAB se encerra dia 30 de novembro, o mandato do Conselho Federal vai até dia 31 de janeiro.
OP - Não tem tempo hábil.
Dantas - Não, não tem nada que impeça que a partir do dia 1º de dezembro essa gestão volte a enfrentar o assunto ou que a gestão que vem enfrente o assunto. No momento atual, entendo porque não foi tratado, porque seria contaminado pelas eleições da gente. Aqui no Ceará, se você bate no Bolsonaro, politicamente talvez seja melhor do que defender, mas no Rio Grande do Sul é totalmente diferente, assim como no Paraná, terra do Moro. Então, acho que por isso o Conselho Federal tenha optado por não discutir isso agora. Mas nada impede que isso comece a ser discutido a partir de 1º de dezembro. E ai o critério tem que ser técnico. A gente não pode estar trazendo as paixões para a discussão. Eu acho que não pode haver é omissão. Nesse ponto ai eu concordo com você. A OAB não pode é se omitir de se manifestar. Não poderia fazê-lo no calor da CPI, porque seria uma manifestação política.
OP - O seu colega e presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, se filiou ao PSD do Kassab. Será candidato ao Governo do Rio de Janeiro, possivelmente. O senhor pensa em explorar a vocação política na arena partidária e institucional?
Dantas - Nunca, pode colocar aí. Jamais terei filiação político-partidária.
OP - Eu vou colocar isso.
Dantas - Pode colocar. Nunca tive, não levo jeito para a política partidária. Não tenho qualquer tipo de ambição ou vocação nesse sentido. Respeito quem as tenha, respeito a decisão do Felipe de participar, só que quem está no cargo de direção da OAB tem que tomar cuidado para que a OAB não se aproxime de qualquer partido político. O foco de atuação da OAB é outro. Meu projeto é continuar servindo a advocacia exclusivamente através da OAB. Depois que se encerrar meu período aqui na OAB estadual, como é tradição, se a advocacia assim me permitir, é ir ao Conselho Federal, mas jamais para a política partidária.
BASTIDORES
A pessoas próximas, Erinaldo confidencia que o tom das críticas recebidas pela chapa adversária, de Savio Aguiar, o motivaram a ir para a campanha, o que não era o projeto inicial.
COLEGAS E AMIGOS
A chapa com que se elegeu em 2018 era repleta de indicações de Marcelo Mota, o então presidente que resolveu não disputar novo mandato àquela época. Ocorreram "rachas" logo após a posse. Dessa vez, os indicados são da inteira confiança do presidente, razão pela qual crê que o filme não se repetirá.
TERRA DO PADIM
Erinaldo Dantas tinha compromisso na noite da última quarta-feira, em que abriu a sala para O POVO. Passagem comprada para aterrissar em Juazeiro do Norte e agradecer os votos recebidos ali.