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Destaque na Europa, Bruno Taffy celebra chance na seleção brasileira de futsal: "Maior sonho"
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Destaque na Europa, Bruno Taffy celebra chance na seleção brasileira de futsal: "Maior sonho"

Revelado pelo Fortaleza no futebol, atleta cearense escolheu seguir carreira nas quadras. Pivô jogou com Falcão no Santos-SP, deixou Brasil ainda cedo rumo à Espanha e agora atua na Rússia. Convocado pela seleção, disputará a Copa América de 2022
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Bruno Taffy é uma das novidades da seleção de futsal para a Copa América (Foto: Thais Magalhães/CBF)
Foto: Thais Magalhães/CBF Bruno Taffy é uma das novidades da seleção de futsal para a Copa América

A história do cearense Bruno Taffy vai na contramão de muitos atletas que sonham em se tornar um jogador de futebol. Apesar de ter em mãos um contrato com o Fortaleza, clube pelo qual atuou entre os 11 e 19 anos, optou por abandonar o “glamour” do campo para seguir carreira nas quadras. Convicto da decisão, deixou o Brasil em 2012, após passagem pelo Santos-SP, no qual jogou ao lado de Falcão, para atuar na Liga espanhola, onde permaneceu por sete anos e se consolidou com dois títulos da Champions League pelo Movistar Intel, além do status de melhor jogador do país na temporada 2015/2016.

A paixão de Bruno Taffy pelo esporte foi fomentada pelo pai, ex-atleta do Sumov, tradicional equipe cearense de futsal, que contava a ele sobre os tempos de glória. Inserido nessa realidade, a infância foi construída em volta do futebol. Quando não estava nas arquibancadas assistindo, estava dentro das quadras jogando.

Atualmente com 31 anos, Bruno trocou a Espanha pela Rússia há três temporadas para assinar com o Tyumen, clube com sede na cidade de Tiumen, cuja temperatura média é de -12 ºC, bem diferente de Fortaleza, cidade que o pivô considera a “melhor do mundo”. Os bons desempenhos recentes o fizeram ser convocado pela seleção brasileira para a disputa da Copa América de 2022. Será a primeira vez que o cearense — que também possui nacionalidade espanhola - disputará um torneio oficial defendendo as cores do país em que nasceu.

O POVO - Como foi o seu período de infância no Brasil e quando despertou essa paixão pelo futebol?

Bruno Taffy - Minha infância foi bola, não tinha como não ser. Cresci assistindo meu pai jogar, ele jogava futsal no Sumov, na época. Então eu cresci com meu pai me levando a ginásios, a jogos. Eu escutava as histórias que ele contava, de que o Sumov na época era referência no Brasil inteiro, muitos jogadores cearenses eram convocados para a seleção brasileira. Eu cresci nessa realidade. Comecei a praticar bem cedo, disputei campeonatos fora do Estado, e meus pais identificaram esse talento para jogar bola. Até então, no começo, era algo que eu gostava de fazer, um hobby, mas eles (pais) viam que talvez eu tivesse um futuro, então me apoiaram bastante. Eu só queria saber de jogar bola, era o dia inteiro jogando: treinava na escola, depois no clube, também entrei no futebol (de campo), sempre foi minha paixão. Até chegar nos 16, 17 anos, que foi uma fase de tomar decisões, se realmente era isso que eu tentaria mesmo como profissão. E foi quando eu resolvi tentar, mas ainda era no futebol, o futsal eu praticava paralelamente, como um hobby, algo que eu adorava jogar, mas via como futuro mais no futebol, até mesmo por todo o glamour que o futebol tem, a gente vê na TV muito mais futebol, eu tinha essa vontade mais por isso. De paixão mesmo, de onde eu desfrutava e me soltava, era muito mais no futsal, mas tinha esse negócio do futebol na minha cabeça, que acabou depois, já com 19 anos, com contrato profissional e tudo, foi quando eu saí de vez e fui apostar no futsal.

OP - Com qual clube você assinou um contrato profissional no futebol de campo? Como foi essa experiência?

Taffy - Foi no Fortaleza. Eu fiz minha base inteira lá, entrei com 11 para 12 anos, joguei até os 19, disputei três Copas São Paulo pelo Fortaleza. Depois da minha terceira foi quando assinei o contrato profissional. Hoje em dia os "moleques" já vão com contratos, mas na minha época não. Na minha época tinham muitas sondagens, então o Fortaleza perdeu muitos jogadores por isso, por não terem contratos profissionais. Já no meu último ano, todos que viajaram (para a Copinha) foram com contratos profissionais. Quando eu voltei, era uma época que o Fortaleza vivia um momento difícil, tinham 50 ou até mais jogadores profissionais, o clube não soube controlar isso. Com isso, começaram a emprestar muitos jogadores, foi quando eu joguei a segunda divisão do Campeonato Cearense pelo Aracati. Vi que o negócio não estava andando, talvez não fosse algo que eu queria, então resolvi sair. Com 20 anos, surgiu uma possibilidade de um treinador meu, que era do futsal e me conhecia há bastante tempo, que tinha uns contatos em Minas Gerais, e me perguntou se eu não queria apostar no futsal como profissão. Até então, eu nunca tinha pensado sobre isso. Perguntei a ele como era, já que nunca tinha visto o futsal como profissão. Ele disse que eu tinha tudo para me destacar e viver disso, que eu me daria bem. Então resolvi apostar a partir disso, dos meus 20 anos, quando eu fui para o meu último ano de juvenil no Minas Tênis Clube. No ano seguinte, fui para o Santos, a equipe do Falcão, onde fomos campeões nacionais, mas eu atuava muito pouco, era o mais jovem do time na época, todo mundo de seleção brasileira. Aprendi demais com aquele time, mas não cheguei a ficar o ano inteiro, fiquei chateado porque não jogava e pedi para voltar para casa. No outro ano eu já fui para a Espanha, os caras me acharam e resolveram apostar em mim. Estou fora do país desde 2012, será minha 11ª temporada.

OP - Normalmente as crianças começam no futsal e fazem essa transição para o futebol, mas você, já um pouco mais velho, fez o caminho inverso. Como foi para você encarar essa nova realidade, de apostar no futsal como carreira?

Taffy - Quando resolvi tomar essa decisão, primeiramente eu pesquisei, comecei a ir atrás a fundo da história do futsal em si e vi que poderia existir um futuro realmente bom para mim. Acho que o mais importante dessa decisão foi quando eu parei, pensei e vi que o futsal era onde eu me sentia bem, feliz, onde eu conseguia executar tudo que imaginava na minha cabeça, coisa que às vezes no futebol eu não conseguia. No futsal eu me sentia muito à vontade, era uma alegria estar dentro de quadra. Pensei: 'Por que não alinhar isso a uma profissão? Vai ser mais fácil, porque eu vou estar no meu habitat, um lugar que me sinto bem'. É aí que está a chave de tudo. Não pensei em dinheiro, em glamour, pensei no que me faria bem, e todo o resto viria junto com o meu trabalho: dinheiro, fama... Enfim, se fosse para acontecer, aconteceria. O mais importante é que eu estaria me sentindo bem, em um lugar que eu estaria feliz.

OP - Você fez sua carreira toda na Espanha, com títulos importantes e temporadas como artilheiro. Por ter dupla nacionalidade, houve sondagem para defender a seleção espanhola?

Taffy - Existiam muitos comentários, algumas pessoas da imprensa falavam. Mas nunca tive nada concreto, de chegar alguém da federação, ou treinador, para me convidar. Eu, sinceramente, quando fiz o passaporte e dei entrada, porque demora um pouco o processo, não fiz pensando nisso, em atuar pela Espanha, e sim pelas facilidades que eu teria para o futuro, para a minha vida pós-carreira, é algo que eu conquistei que será muito bom para mim, para os meus filhos, toda uma geração que vai vir de trás. Na época, se acontecesse, não veria nenhum problema. Construí toda minha carreira lá, tinha uma identificação muito grande com o país, as pessoas, muitos amigos, era minha segunda casa realmente. Mas meu sonho sempre foi o Brasil. A gente cresce, quando é criança, assistindo à seleção brasileira, seja no futsal ou no campo, queremos representar o nosso país, local onde nascemos, temos esse lado muito forte, o amor ao país, apesar de todas dificuldades que temos aqui. O Brasil sempre foi o maior sonho. Eu já havia sido convocado antes, para jogar dois amistosos, mas está sendo diferente por ser uma competição internacional e poder representar será bom demais, estou muito feliz.

OP - No Santos você teve a oportunidade de atuar ao lado do Falcão, na Espanha com o Ricardinho, grandes atletas do cenário mundial. Qual foi a importância para a sua carreira em conviver com esses jogadores?

Taffy - Aprendi muita coisa. Foram momentos diferentes. No Santos eu era muito jovem, principalmente na profissão, já que tinha praticamente um ano que eu estava levando a sério. Sempre fui um cara observador, mais calado, de falar menos, mas de escutar muito mais. Eu queria entender por que eles eram tão vitoriosos, por que eles estavam onde estavam. Aprendi muito sobre isso, o quão importante é você se autoconhecer, ter sua confiança, sabendo das suas limitações e do que você tem de bom, do seu potencial. Eu vi muito isso na equipe do Santos, era um time com a mentalidade muito vencedora. Encontrei isso também no Movistar Inter, que foi onde consegui ganhar muitos títulos, era uma equipe muito parecida nesse quesito com o Santos. Então você vai vendo que não existe uma receita, mas existem coincidências, algo parecido nesses caras, nessa galera que é vencedora, e eu sempre quis ter isso comigo. Até hoje eu tento aprender, observar, para levar isso comigo. Quero ser vencedor, sem passar por cima de ninguém, encerrar minha carreira sabendo que eu fui um vencedor naquilo que eu me propus.

OP - Você disse que era um grande sonho defender a seleção brasileira e terá essa oportunidade na Copa América de 2022, torneio no qual o Brasil tem sido dominante nas últimas edições. Como está a expectativa?

Taffy - Está muito alta. O Brasil sempre entra como favorito, em qualquer campeonato que disputa. Mas temos que ser sinceros e reconhecer que o momento é da Argentina. Nos últimos dois confrontos, eles saíram vencedores. Além desse desafio de ser campeão da Copa América, de continuar sendo o grande vencedor, tem esse lado de tabu com a Argentina, que é uma seleção que cresceu muito nos últimos anos, vem de duas finais de Mundial, sempre nas finais da Copa América. Espero fazer um grande campeonato, acredito que está todo mundo bem fisicamente, todos vindo de competição, está no meio da temporada europeia, e foram convocados apenas jogadores que atuam na Europa, então acho que vamos chegar bem. Temos uma grande seleção e queremos muito ser campeões.

OP - Você tem se destacado na Europa há muitas temporadas e a seleção está passando por um processo de renovação. Esperava que ser convocado e como recebeu a notícia?

Taffy - Estamos vivendo um momento de mudanças, graças a Deus para melhor. Acredito que, com a entrada da CBF, agora na frente do futsal masculino e feminino, está tendo um crescimento, mais investimento. Estamos tentando nos reorganizar, colocar o país no lugar que merece. A gente sempre trabalha com a vontade de estar na seleção, mas me pegou de surpresa. Eu tirei alguns dias de férias em Fortaleza, já que tinha parado o campeonato na Rússia, e recebi a notícia alguns dias antes do anúncio oficial. Foi uma sensação incrível, eu estava com minha esposa na hora, a gente até chorou, se emocionou, porque é o ápice chegar a representar o seu país em uma competição. Espero poder fazer um bom trabalho para sentir essa sensação muitas vezes. É um prazer enorme poder representar o país.

OP - Você costuma quando está de férias vir para Fortaleza, para manter as raízes, ver a família, ou prefere ficar pela Europa?

Taffy - Não tem quem faça eu não vir para cá (Fortaleza). Muita gente brinca perguntando o que eu venho fazer aqui. Para mim, Fortaleza ainda é o melhor lugar do mundo. Eu sou apaixonado pela cidade, o clima, as pessoas. Todos que eu amo vivem aqui. Não tem como eu ficar sem vir para cá. As férias de fim de ano não são comuns, eu costumo vir no fim da temporada, que é em julho. Quando teve essa possibilidade agora de eu vir, eu vim, para passar 10, 15 dias. Sempre estou querendo vir porque sou apaixonado pela cidade.

OP - Você costuma acompanhar a liga brasileira de futsal? Pensa em atuar novamente no país?

Taffy - Acompanho sempre que o horário permite. Estamos com oito horas a mais em Tyumen, então, quando tem jogos de dia no Brasil, eu assisto, às vezes a gente até se reúne, os atletas brasileiros, para assistir aos jogos. Tento sempre acompanhar. O Campeonato Cearense eu também assisto, tenho muitos amigos que jogam o torneio, então sempre assisto quando posso. Eu tenho vontade, sim, de atuar no Brasil, mas vejo como algo ainda distante. Gosto muito do que conquistei na Europa e quero utilizar essa possibilidade para explorar talvez outros lugares por lá também. Mas não seria problema vir atuar no Brasil, pelo contrário. O Brasil, se não for, está entre as ligas mais fortes, com certeza.

OP - Por ter saído muito cedo no Brasil e ter construído a carreira praticamente inteira na Europa, essa convocação para a seleção pode ser uma chance para ficar mais conhecido no país?

Taffy - Com certeza. É uma possibilidade de aparecer, de me conhecerem. Lembro que, na minha primeira convocação, muitas pessoas perguntavam de onde eu apareci, de onde tinha surgido. Saí muito cedo, praticamente não joguei a Liga daqui, então pouca gente me conhecia. Espero mostrar todo meu trabalho nesse campeonato para que as pessoas me conheçam e me acompanhem. Já tem muita gente que chegou nas minhas redes sociais e espero que eles gostem do meu trabalho e continuem me apoiando nessa caminhada.

OP - Em questão de nível, como a Liga brasileira está em relação às Ligas de Espanha e Rússia?

Taffy - Todo mundo fala, não é algo que eu estou falando, que o top-3 é Brasil, Espanha e Rússia. São as três ligas mais fortes. A diferença vai estar, talvez, no estilo de jogo, mas todas com as suas dificuldades. A liga brasileira, acredito, com mais técnica, um jogo individual, com aquele lance do drible. Na Espanha é mais tático, de bola parada, onde os jogos se decidem muito nisso. O da Rússia também é outro estilo, mais físico, de contra-ataque. São diferentes, mas cada um com suas dificuldades de maneiras diferentes. Todas possuem um nível de exigência altíssimo.

OP - Você jogou e treinou com o Falcão, então deve ter visto ele fazer muita coisa impressionante. Você lembra de algo que ele fez com a bola no pé, seja em treino ou jogo, que te chamou a atenção?

Taffy - Tiveram várias situações, são muitas. Ele é um cara fora do comum. Teve uma situação de treino, minha mãe até tinha ido me visitar, estava na arquibancada. Em certo momento eu estava marcando o Falcão, com medo de dar o bote, de chegar perto. O pessoal de trás pedindo para eu apertar a marcação, fui e tomei uma caneta. Já fiquei receoso, com vergonha. O pessoal continuou pedindo para eu dar o bote, tomei outra caneta. Na terceira vez eu virei pra trás e disse: ‘Vem você que eu já tomei duas canetas e não vou tomar mais uma não’ (risos). Foi bem engraçado. Parecia que eu ia conseguir roubar a bola, mas não conseguia. É um cara fora da curva total, tanto que é considerado o maior da história.

OP - Por ter morado em países com idiomas e culturas diferentes, você lembra de algum momento inusitado vivendo nesses locais, seja pela dificuldade de se comunicar ou por aspectos culturais?

Taffy - Enquanto eu não sabia falar, eu ficava na minha, não inventava (risos). Mas aprendi muitas coisas na Espanha, eles são muito disciplinados. Existem muitas regras de grupo, tem que estar sempre todo mundo juntos, comer todos na mesma hora e só sair da mesa quando todos terminarem. Aprendi muito em relação à disciplina. Na Rússia já é algo mais sério, mas também existe a brincadeira, a galera que gosta da resenha. Eles gostam de aprender algumas palavras em português, então a gente ensina logo ‘aquelas palavras’ pros caras, e aí vira uma brincadeira no vestiário. Por isso também eu quis ir pra Rússia, para aprender outro idioma, outra cultura. Minha carreira me possibilitou conhecer outros países e idiomas. Está sendo muito legal para mim, agora estou aprendendo o Russo, já peguei o Espanhol, ter essa possibilidade, já pensando no pós-carreira, é algo que eu quero levar comigo.

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