As professoras Gabriela Belmont e Giovanna Guedes lideram o Grupo de Pesquisa Competência e Mediação em Ambientes de Informação (CMAI), vinculado ao Departamento de Ciências da Informação da Universidade Federal do Ceará (UFC). O grupo foi convidado a integrar o Programa de Combate à Desinformação, do Supremo Tribunal Federal (STF). Diante dos males das notícias fraudulentas, o diagnóstico das duas é de que as soluções passam pela educação crítica e digital das pessoas. Confira os principais trechos da conversa.
O POVO - Como é que o diálogo entre as instituições democráticas e a academia pode ser eficaz no combate à desinformação?
Gabriela Belmont - Nesse projeto que o STF está à frente, as universidades têm a expertise de chegar mais próximo da sociedade, e o STF ainda é uma instituição que, querendo ou não, está distante da sociedade. Até mesmo pelo próprio papel institucional que ele tem, no qual só age quando há uma demanda, quando há uma solicitação. Acredito que quando foi pensado chamar as instituições de Ensino Superior, isso aconteceu pelo trabalho voltado para a sociedade. Se a gente for ver, o grupo aqui da UFC são de pesquisadores voltados para a área de Ciências Humanas dentro de um arcabouço muito mais voltado para o comportamento informacional, para as práticas informacionais e tem outros grupos dentro do programa de Medicina, Direito, de Tecnologia da Informação, então eu percebo que a estratégia está em trazer um pouco mais o STF para a sociedade e as instituições de Ensino Superior entram nessa mediação de aproximar mais o STF com a sociedade.
Giovanna Guedes - O STF precisa realmente abrir as portas para a comunidade, para dialogar. A gente vê o distanciamento das instituições públicas de forma geral. A gente sempre vê a sociedade muito afastada. Isso acontece com a universidade. Se você for observar, a comunidade em geral não vai à universidade. Às vezes a gente chama as pessoas para entrarem, eu participei de um evento com alunos no Cuca do Mondubim - eu não sou daqui, eu não sabia onde era o Cuca, enfim. Mas fui para o Cuca com os alunos, lá tem a comunidade, eles fazem diversas ações. Então, para eles que fazem ali o EJA (Escolas e Jovens e Adultos), é uma realidade muito distante, eles não acreditavam que aqueles alunos eram da UFC. Então, existe esse distanciamento muito grande. Vocês vão para a universidade sabendo o que está acontecendo lá? Participam de alguma coisa? Ou só quando são alunos? Só quando são provocados? Ou quando você vai fazer uma matéria? O conhecimento científico precisa chegar à sociedade de um jeito que a sociedade compreenda.
O POVO - As fake news são, geralmente, mais atraentes do que a informação precisa e verificada. Como tornar a informação confiável, também, atraente?
Gabriela Belmont - Através da sensibilização e educação. O que a gente precisa ter sempre em mente é: enquanto nós não focarmos numa formação crítica, a informação pode estar limpa, correta, mas se quem está consumindo a informação não tiver esse empoderamento crítico, também vai dizer que não é verdade aquilo. É o que a gente vive hoje, numa polaridade tão grande que muitas vezes a mentira se torna verdade e a verdade, mentira. Mas, por quê? Porque as pessoas não estão sendo educadas a refletir e a pensar a origem. E também a gente reflete sobre neutralidade. Não existe neutralidade na informação. Porque você pode usar ela de uma forma para se beneficiar e eu posso usar a mesma informação de uma outra forma para me beneficiar. É nesse sentido que pelo menos para as correntes que lidam com a educação midiática, o desenvolvimento e as habilidades informacionais, a base está em fazer uma prática mais crítica e, não somente isso, contextualizar aquela informação. Porque muitas vezes aquela informação está correta, mas não está bem contextualizada. Tenho um amigo do Rio que diz: 'Tu acha que Satanás vem horrível? Não vem, vem lindo, maravilhoso e sedutor'. A mesma coisa é a informação falsa, que vem linda e sedutora.
Giovanna Guedes - Solução mágica não existe. Os meios de comunicação e os jornalistas contribuem muito tornando essa informação verdadeira. Então, analisando, de que forma eu posso disseminar essa informação de maneira atrativa? Porque já que existe um apelo emocional das fake news, por que não existir um apelo emocional para as informações verdadeiras? O que a gente pode fazer? Tentar agora, mas, realmente para mudar tem que ser com as gerações mais novas. Começar realmente a trabalhar com educação científica, com a competência crítica nas escolas, para um dia mudar o que a gente está vivendo hoje.
O POVO - A imprensa aprendeu com episódios recentes, como a eleição norte-americana de 2016 e a brasileira, de 2018?
Giovanna Guedes - Eu não observo que tenha aprendido, sinceramente.
Gabriela Belmont - Eu acho que ela está mais cautelosa. Mas ainda falta um contra-ataque, não sei se esse seria o termo correto de mais inteligência do que esses mundos que produzem desinformação, fake news. Está faltando ainda essa reviravolta no sentido de conquistar do público, realmente, a credibilidade que se tinha antes. Até porque a gente vive dentro da própria família. Se a gente for perceber, a geração dos nossos pais, muitos estão em outro polo hoje. Se a gente fosse ver um tempo atrás, estava na mesma linha de pensamento. O que faz eles estarem em outro polo? Por mais que você vá educadamente mostrar 'olha, mas isso não é coerente por causa disso, disso', parece que a cegueira está tão grande que você pode vir com todas as ferramentas, sejam elas científicas, metodologicamente testadas, eles vão negar. Então, o que eu vejo é que a imprensa em si está mais cautelosa, entretanto ainda não vi algo que realmente intimidasse esses grupos que produzem fake news, desinformação, de uma forma que realmente eles pensem: 'pera aí, agora vou dar um freio'. O que a gente espera para agora? Que é um ano bem crítico, vamos dizer, para nós, pelo que estamos passando e pela eleição.
O POVO - Que resultados vocês esperam que o projeto atinja?
Gabriela Belmont - Nós acreditamos, sim, que o objetivo desse projeto vai ser alcançado, que é o das pessoas entenderem o papel do STF para a sociedade e não só isso. Acho que todos os grupos de pesquisa vão ganhar, porque é o momento de eles mostrarem para a sociedade a sua existência.
Giovanna Guedes - Nossa perspectiva é de poder dar um retorno para a sociedade do que a gente faz, porque a universidade pública é financiada pela sociedade. É um trabalho, obviamente, que é longo. A gente vai começar agora, mas a conscientização não vem num passo de mágica.
Site
Checagens de boatos sobre o Supremo e seus ministros podem ser encontradas aqui pelo site: https://portal.stf.jus.br/desinformacao/
Grupo
Também representa o grupo no STF Tadeu Feitosa, coordenador do programa de pós-graduação em Ciência da Informação
STF
Feitosa esteve em Brasília no último dia, 19, na sede da Suprema Corte, para lançamento do PCD. Posou ao lado de Moraes e Fux, ministro e presidente da Corte, respectivamente.