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Jade Beatriz: "Consegui reverter o que a sociedade desenha pra gente que é jovem, negra e da periferia"
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Jade Beatriz: "Consegui reverter o que a sociedade desenha pra gente que é jovem, negra e da periferia"

Estudante cearense foi eleita presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) durante os próximos dois anos
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Cearense Jade Beatriz, 20, eleita presidenta da Ubes (Foto: Karla Boughoff)
Foto: Karla Boughoff Cearense Jade Beatriz, 20, eleita presidenta da Ubes

Não aceitar o cenário que é desenhado sistematicamente pela sociedade para jovens negros e da periferia é uma das lutas da estudante cearense Jade Beatriz, de 20 anos. Moradora do bairro Ellery, em Fortaleza, Jade foi eleita presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) durante o 44º Congresso da organização, que ocorreu no último domingo, 15 de maio. Aluna de um cursinho de pré-vestibular popular, ela presidirá a entidade durante os próximos dois anos.

Em entrevista ao O POVO, a jovem cearense conta o principal objetivo da gestão dela: a defesa da escola como instrumento e meio para a transformação social. Jade também explica como a própria vivência a influenciou até o ingresso na Ubes e quais conquistas pretende alcançar a partir da presidência da entidade. Para ela, uma mulher cearense presidir a Ubes reflete na mudança do cenário que a sociedade pinta para jovens que vivem na periferia, e que é possível mudar a curva desse estigma.

O POVO - Como foi sua infância na região em que você nasceu? Isso influenciou a sua chegada na Ubes?

Jade Beatriz - A minha infância não foi tão difícil. Não me faltava carinho e amor, mas a minha família é pobre e mora na periferia de Fortaleza, no bairro Ellery. Então, muitas das coisas que eu queria na minha infância, eu não pude ter. Isso vai de brinquedos até escolas que os meus pais queriam que eu estudasse. Das vivências da minha infância até a minha chegada na escola técnica, [isso] influenciou muito para que eu chegasse à presidência da Ubes. Meus primeiros contatos com liderança foram por meio da igreja e do teatro. Eu comecei no grupo de dança da minha igreja quando eu era mais nova, onde eu liderava o grupo. Esse foi o primeiro contato com liderança e organização para fazer alguma coisa. Depois ingressei no teatro, no coletivo "Polarizar", feito por mulheres da periferia de Fortaleza. A gente fazia peças sobre abuso sexual.

OP - De que forma a sua vivência influência no engajamento nas causas relacionadas aos direitos educacionais?

Jade - Hoje, a gente tem uma luta na Ubes que é a garantia da permanência das crianças dentro das escolas para o combate à fome, a insegurança alimentar, mas, anos atrás, quando eu era criança, não tinha esse debate da escola como ferramenta de combate à insegurança alimentar. Também não tinha o debate da garantia que as crianças continuem aprendendo a ler com a idade ideal, que é entre 5 e 6 anos. Tudo que eu vivenciei na minha infância influenciou para que eu conseguisse chegar até a Ubes e pautar assuntos que na minha época não eram debatidos. Eu não falo só da insegurança alimentar, mas também da educação sexual, por exemplo. É importante que jovens entrem no ensino médio e possam identificar o que é um assédio. Isso faz com que a gente avance bastante nos nossos debates.

OP - Qual a importância dos movimentos estudantis?

Jade - É por meio do movimento estudantil que a gente inicia nossas vivências políticas. O primeiro contato que a gente tem na vida com a sociedade é dentro da escola, quando a gente vai para escola e encontra o movimento falando sobre assuntos que a gente está vivendo agora e que precisa ser mudado é uma coisa extraordinária. O movimento estudantil é o caminho que vai ser trilhado até o próximo passo que vamos dar. O movimento também é um dos principais pilares dos movimentos sociais no Brasil. Quando a gente tem qualquer movimentação no País do que vem acontecendo sobre retrocesso, são a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a Ubes as primeiras a darem respostas. A gente tem essa responsabilidade de ser um dos principais pilares dos movimentos sociais brasileiros.

OP - Como você diferencia o movimento estudantil de antes para o de agora? 

Jade - Tem muitas mudanças, não só no movimento estudantil, mas no Brasil. Essas mudanças vão chegando a partir de novas gerações. O movimento estudantil de dez anos atrás estava falando sobre o que queríamos para educação pública e uma escola de qualidade. E a nossa geração de agora está lutando para que a nossa escola não feche. A gente tem uma mudança muito brusca, pois antes a gente estava falando o que queria dentro da escola, e hoje a gente está falando que queremos pelo menos ter uma escola. Não só as mudanças das pautas que estão sendo colocadas no País, mas também as gerações estão mudando. Hoje em dia temos jovens de 12, 13 e 14 anos já organizados em lideranças, como na Ubes, e com a língua afiada para dizer o que queremos com educação brasileira. Durante esta gestão, a meta é garantir que esses jovens consigam, na sua escola e na sua comunidade, ser linha de frente em defesa da educação e do que a gente quer. A partir disso, vamos ter a transformação social que o Brasil precisa.

OP - Qual a importância de ser eleita presidenta da Ubes?

Jade - Dizem que eu sou um ponto fora da curva e que eu tinha tudo para dar errado. Não só em relação à minha vida, mas sobre a minha trajetória. Porque cresci na periferia de Fortaleza e sempre estudei em escola pública, e eu sempre tive o tráfico de drogas muito próximo a mim; vi muitos dos meus amigos sendo presos e morrerem. Então, ter conseguido mudar o caminho que eu estava fazendo foi uma coisa muito importante. Foi graças ao movimento estudantil que tudo isso aconteceu. Eu me matriculei em uma escola técnica, lá eu conheci a Ubes e, a partir disso, eu consegui mudar o caminho que seria desenhado por mim desde o início. Ter sido eleita presidenta da Ubes significa que a gente conseguiu não ser presa, não engravidar na adolescência, não ser vítima do tráfico de drogas. Para mim, isso significa que eu consegui reverter o que a sociedade desenha pra gente que é jovem, negra e da periferia.

OP - O que você pretende conquistar durante a gestão?

Jade - A gente tem muitos desafios este ano, principalmente em relação à lei de cotas, que tem caráter mais emergente. Temos também a questão da luta contra o assédio, LGBTfobia, racismo dentro das escolas em campanhas com as secretarias de educação estaduais e municipais, financiamento da educação, a realização de um novo Plano Nacional de Educação (PNE), debater como está sendo a reforma do novo ensino médio que não está sendo debatido com a gente e a derrota do Bolsonaro, que consideramos inimigo número um da educação.

OP - O que você pretende alcançar no futuro a partir da presidência da Ubes?

Jade - Pretendo conseguir entrar na universidade. A gente fala tanto do acesso à educação e de conseguir chegar nesses lugares. Penso em fazer jornalismo. Eu acho que a maior conquista para mim, seria entregar a gestão da Ubes e passar o bastão para a próxima pessoa que vai conduzir. O que eu quero é entregar a gestão estando dentro da universidade sabendo que eu fiz, que eu cumpri minha tarefa e que agora eu vou conseguir dar o próximo passo para a minha vida estudantil.

O que é a Ubes

A União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) é uma entidade que congrega e representa estudantes de instituições de ensino fundamental, ensino médio, ensino técnico e ensino pré-vestibular do Brasil há 67 anos. É responsável por organizar e mobilizar frentes na luta por educação básica e técnica e pela expansão dos direitos para os estudantes.

Congresso
No último domingo, 15, ocorreu o 44º Congresso da Ubes com o lema “Pra fazer do Brasil uma sala de aula”. Mais de sete mil estudantes estiveram reunidos no encontro, em Brasília. Durante o evento, também foi realizada a eleição para nova diretoria da entidade, que irá presidir a Ubes pelos próximos dois anos.

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