Logo O POVO+
Helano Matos: a defesa da segurança pública baseada em evidências
Aguanambi-282

Helano Matos: a defesa da segurança pública baseada em evidências

Titular da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp) explica como o Estado pode trabalhar para aumentar a sensação de segurança da população cearense
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 09-06-2022: Na foto, o Superintendente da Supesp, José Helano Matos Nogueira. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)
 (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 09-06-2022: Na foto, o Superintendente da Supesp, José Helano Matos Nogueira. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

Fundada em 2018, a Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp) foi criada para assessorar a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado (SSPDS) com estatísticas e análises especializadas de forma a poder contribuir com a redução da criminalidade.

Em entrevista ao O POVO, o titular da Supesp — o perito criminal da Polícia Federal aposentado Helano Matos —, apresentou as principais estratégias da segurança do Estado e falou sobre as tecnologias criadas para ajudar na área. Também abordou outros produtos criados pela Supesp — como cartilhas voltadas para prevenir crimes cibernéticos —, e, acima de tudo, ressaltou a importância da segurança pública baseada em evidências. (Colaborou André Bloc)

O POVO: Como atua a Supesp?

Helano Matos: Apesar de ser o ator principal, na segurança pública, não é só a polícia que resolve. Tem que ter vários entes ali. Tem que chegar educação, saúde, coleta de lixo, iluminação… A gente identifica, com base em estudo de dados, onde são as áreas mais vulneráveis para, por exemplo, colocar as bases do Proteger (Programa Estadual de Proteção Territorial e Gestão de Riscos). Nós tentamos dar esse olhar para os tomadores de decisão das várias vinculadas: PM, Polícia Civil, Bombeiros, seja qual for.

É um negócio que começou faz poucos anos, mas agora está começando a se consolidar e, o programa do Governo do Estado Previo (Programa Integrado de Prevenção e Redução da Violência) veio para ampliar e dar força a várias ações nesse sentido.

Dentro do Proteger, tem vários policiais treinados para essa Polícia Comunitária. Tem o Gavv (Grupo de Apoio às Vítimas de Violência), um grupo de policiais que visitam, por exemplo, onde teve violência doméstica. Tem o GSC (Grupo de Segurança Comunitária), que vai para a questão da proximidade. “O que é que você precisa?”. “Esse mato está muito alto, será que não tem condições de fazer uma intervenção com a Prefeitura?”. Ou então: “Tem alguém rondando por aqui, ameaçando alguém”. Você tem o GSE (Grupo de Segurança Escolar). As escolas também têm que ter um trabalho diferenciado. Muitas crianças e adolescentes partem para o crime por não irem à escola. Às vezes, a pessoa pode tentar ir até lá intimidar alguém, então, a Polícia chega lá para dar aquela segurança do Estado. Não é só o contêiner (as bases do Proteger). Estamos buscando uma solução na prevenção, não só na repressão.

Você vai ganhando confiança. Resumindo isso tudo: sensação de segurança. É isso que as comunidades mais carentes, onde tem as manchas criminais, precisam ter. É a chegada do Estado. Agora, claro, não se faz do dia para a noite. Mas já está dando resultado. No raio de 500 metros onde está a base do Proteger, na imensa maioria das bases, há uma redução de 100% (no número de homicídios). Outras são 80%, 70%. Na Lagoa do Urubu (no bairro Floresta), quando eu cheguei e fui conhecer a base instalada lá, havia um confronto pesado entre organizações rivais. Hoje, sabe quantos crimes têm no entorno da Lagoa do Urubu? Zero. Há mais de ano. Policiamento comunitário funciona.

OP: Como o cidadão pode consultar os indicadores criminais?

Helano: O grande carro-chefe da Supesp são as estatísticas, as análises criminais. Você quer saber como estão os homicídios? Você entra no site da Supesp. Você tem (para consultar) homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte, feminicídio, Crimes Violentos contra o Patrimônio (CVPs) — que são todos os tipos de roubos que não envolve morte — (caso enquadrados na) Lei Maria da Penha, apreensão de armas, de drogas... Eu quero ver do ano passado, mês passado, já está pronto. Qual o crime? Homicídio doloso? (É possível conferir) se foi (praticado com) arma de fogo, qual a escolaridade (da vítima), qual a idade, qual Área Integrada de Segurança onde houve esse crime. Está tudo disponível para qualquer cidadão do mundo todo. 

OP: E sobre as tecnologias desenvolvidas?

Helano: Existe um programa de Estado chamado Cientista-Chefe. Eu tenho secretarias no Governo do Estado que têm problemas para resolver. O que vocês acham, então, de buscar as mentes mais brilhantes do Estado? E onde elas estão? Nas universidades. Então, o governador deu bolsas de estudo para alunos de pós-graduação, mestrado, doutorado e para os professores via Funcap. A primeira secretaria a ter um cientista-chefe foi a SSPDS.

Então, a partir daí, nós desenvolvemos o Status, que é o programa que faz as manchas criminais. Eu quero saber onde mais tem um determinado tipo de crime, os chamados hotspots (pontos quentes). Pode-se fazer manualmente, mas vai demorar dias, semanas para fazer. O Status faz isso automaticamente.

Você tem o Spia, que lê placas de carro para saber se foi roubado. Só que é um sistema que ficou ultrapassado. Foi muito bom em seu tempo, só que a gente já evoluiu faz tempo. Nós lançamos, no início de 2021, um sistema chamado Agilis, por exemplo, que, basicamente, melhorou o Spia. Ele não vai buscar mais só a placa do carro. Se você quiser (buscar) por cor do carro, marca... Você chega em um mapa e quer saber quais carros da cor vermelha que passaram por aquela região, ele consegue dizer. Pode ser usado tanto em investigação, quanto em inteligência.

Vamos aqui para o Cerebrum, que já está em sua segunda versão. É um Big Data, que reúne informações das diversas forças vinculadas. Hoje, com o celular, através do Portal de Comando Avançado (PCA), o policial pode fazer uma consulta a 18 bases de dados. Pode fazer, por exemplo, tambem um reconhecimento facial.

OP: Todas as tecnologias com as quais vocês trabalham são de desenvolvimento próprio?

Helano: Algumas são desenvolvidos pela SSPDS, que tem a Cotic (Coordenadoria de Tecnologia da Informação e Comunicação), outros são desenvolvidos pelo programa Cientista-Chefe, em que, obrigatoriamente, os sistemas têm uma versão vitalícia e gratuita para a Secretaria — a UFC pode vender esses sistemas para outros órgãos, como ela fez com o Ministério da Justiça. E tem alguns sistemas que a gente desenvolve dentro da própria Supesp.

OP: Qual a estrutura da Supesp?

Helano: Para poder entrar na Supesp tem que ter, pelo menos, um mestrado. E tem que provar, a gente faz testes, que tem capacidade aplicada. É um corpo pequeno, são 36 pessoas contando comigo, mas é um corpo selecionado. A Supesp é nova, mas traz muito resultado. É a segurança pública baseada em evidência. Acabou o achismo, agora é ciência. Isso dá resultado? Sim. Fortaleza reduziu, no ano passado, em 28% o número de homicídios.

OP: Que outros produtos a Supesp desenvolve?

Helano: Tem também as cartilhas. Eu sou da área de crimes cibernéticos. Fui chefe dessa área na PF. Algo que me incomoda muito nesse combate aos crimes cibernéticos é você ter o usuário como uma pessoa frágil. A Supesp resolveu então lançar cartilhas. Uma com dicas gerais, desde como você faz uma senha, como se faz uma configuração em duas etapas. Se o cara rouba o seu celular, teu tablet, seja o que for, o cara vai lá e clona o aparelho. Mas, se você tiver uma configuração em duas etapas, ele não consegue, porque pede uma segunda senha. São dicas assim, básicas. Além disso, fizemos cartilhas para cada uma das redes sociais mais conhecidas: Instagram, Facebook, Twitter, Telegram, LinkedIn e Twitter. E apresenta também os canais de denúncia.

Outra pauta para a qual fizemos cartilhas são os LGBTQIAPN+. Explica sobre orientação sexual, identidade de gênero… Ainda criamos vídeos para os policiais, demos treinamento para os policiais que preenchem o sistema, incluímos essas categorias.

OP: O que está sendo feito para detalhar informações sobre perfil de vítimas e criminosos?

Helano: O sistema que cuida dos BOs (Boletins de Ocorrência), o Sistema de Informações Policiais (SIP), é usado há décadas. Nós estamos tentando criar um outro sistema, que deve ser lançado em breve. Não é a Supesp que cria, mas somos ouvidos. Nos reunimos com a Polícia Civil mostrando onde é preciso avançar. Como na questão da (identificação de) raça, da escolaridade, orientação sexual, se é motorista de aplicativo... Tem que deixar obrigatório, não opcional. Porque na hora do tumulto do crime, o policial da ponta pode achar que pode preencher depois. Quem tá lá na ponta, às vezes, não tem o entendimento do quanto aquilo é extremamente importante para quem está aqui no nível estratégico.

OP: Existe algo no horizonte pensando próximos grandes desafios?

Helano: Nós temos algumas tecnologias que estão passando por melhoramentos, temos novas que estão sendo desenvolvidas, como o Proteger Virtual. A polícia comunitária preventiva precisa mapear o que está acontecendo. O que está sendo feito hoje em papel; (com o Proteger Virtual) vai ser feito com essa tecnologia. Vai ser lançado em alguns meses.

Tem um sistema que a gente também está desenvolvendo, que é o Sistema de Operações Integradas. Dentro da SSPDS, existe a Coordenadoria Integrada de Planejamento Operacional (Copol). Ela faz operações com várias forças policiais e órgãos parceiros. Por exemplo, uma operação chamada Apostos tem 16 entidades envolvidas. Tem AMC (Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania), Detran, Enel, SAP (Secretaria da Administração Penitenciária)... A operação é feita a partir de dados da Supesp.

Estamos tentando criar um sistema que facilite a montagem dessa estratégia, que hoje fica na cabeça de um ou de outro e a partir de alguns elementos que a gente leva. O ideal é que a gente faça o levantamento das ações que são feitas. O que o Detran fez? Foram quantas apreensões, vamos supor, de motos irregulares? A AMC, quantas blitze fez? Quantas drogas achou, documentos errados e tal. A Polícia fez o quê? Tudo (vai ser) mapeado através desse sistema para que, ao final da operação, seja monitorado e avaliado o resultado.

Já fizemos esse mapeamento, sem a ferramenta. Tem local que recebe a operação que, praticamente, zera naquele dia qualquer tipo de crime e fica alguns dias mais sem nada. É claro que nossos recursos são limitados, não dá para ter operação todo dia, toda hora.

OP: O que é feito para frear a mobilidade do crime?

Helano: Hoje em dia, os crimes que ocorrem são feitos, principalmente, através de moto, que tem uma mobilidade muito maior. Então, a gente faz operações — Domus, Guarida, Cerco Fechado... — que vão ter um olhar diferenciado para aqueles motociclistas. De repente, o cara tá sem capacete, em uma região que eu sei que é mais incidente de crime. Pára esse sujeito e vamos dar uma olhada.

Agora, a mobilidade do crime com relação à mancha criminal. Quando se está com essas atuações focadas, direcionadas, você pode combater essa mancha criminal, mas ela pode migrar. Então, nós temos um estudo na Supesp, que começou no ano passado, que é sobre o deslocamento da mancha. Queremos saber se as manchas somem, se se deslocam para algum outro canto ou se ela está no mesmo canto. Se você tem uma mancha que está parada há um ano, a cada quatro, cinco meses a gente faz um estudo dela e não sai, então, nós não estamos sendo efetivos.

Lembrando que tudo isso foi feito em um só ano. Quem sabe daqui a 10 anos? Estou falando algo que se, não sei se vou estar aqui depois, outros governos derem continuidade, quem sabe, a gente reduza mais 10, 15%. No outro ano, mais 10. Chega uma hora que chegou a 50% do que tem hoje.

OP: Quando o secretário Sandro Caron assumiu, ele tinha o discurso de fazer a integração da Inteligência com a estratégia de segurança. Como é que isso vem sendo feito?

Helano: A gente está em constante conversa, principalmente, com a Coin (Coordenadoria de Inteligência) e outras diretorias de inteligência. Eles têm muitas demandas, algumas mais sensíveis, mas a gente está sempre, por exemplo, mapeando alguns pontos que eles acham que são importantes. Toda segunda-feira nós estamos reunidos. Porque se você for só ver daqui a seis meses daqui a seis meses, não vai funcionar.

OP: Está sendo trabalhado algum indicador com relação a expulsão de moradores de suas casas por facções criminosas?

Helano: Se registrar o BO, a gente tem. Mas, se não registrar — e isso pode ocorrer, por medo, etc —, em princípio, eu não teria como. Só que aí tem a outra força: a prevenção. O (major) Messias Mendes (comandante do Batalhão de Policiamento de Prevenção Especializada — Bpesp) vai nessa questão de desordem urbana, que (chega) até mesmo antes do crime. Se ele já mapeia que pode ter algum grupo querendo fazer alguma coisa, ele já pode mapear no sistema e dizer “isso aqui merece uma atenção”. E, se tiver ocorrido algo, eu posso mapear mesmo se não for registrado o BO. Hoje, ele (Bpesp) já faz isso no papel. Mas, infelizmente, não tenho como fazer um estudo mais detalhado porque ainda está no papel. Por isso, estamos migrando para esse sistema (Proteger Virtual).

OP: Há previsão para instalação de novas bases do Proteger?

Tem. Hoje só temos bases em Fortaleza, Caucaia, Maracanaú e Maranguape. Quase 90% em Fortaleza. Com o Previo, parte desses R$ 290 milhões que veio do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) vai para instalar bases do Proteger em cada um dos 10 municípios contemplados pelo programa (Caucaia, Crato, Fortaleza, Iguatu, Itapipoca, Juazeiro do Norte, Maracanaú, Maranguape, Quixadá e Sobral). Serão 17 bases novas.

OP: Qual a previsão de entrega dessas bases?

Helnao: O BID tem alguns anos para fazer o desembolso, então, acredito que, a partir do ano que vem. Agora, eles estão fazendo licitação, esse processo mais chato. E não é só base do Proteger: tem compra de equipamento para inteligência, compra de viatura para PM, tem até compra de novos computadores para a Supesp, porque o computador que a gente usa para estatística tem que processar muitos dados, ideal é um computador mais robusto. O Previo é um programa muito macro. Ele envolve segurança pública, questões sociais, penitenciárias…

OP: Como funcionou a escolha de colocar escolas de tempo integral a partir de dados da Supesp?

Helano: Teve um período, logo que a gente chegou, que o governador queria criar, se não me engano, 80 novas escolas em tempo integral. A gente vai ter que saber onde posicioná-las. Aí pega o cientista-chefe da educação, pega o cientista-chefe da segurança pública, vamos conversar com os dois, montar uma fórmula com indicadores, não só criminais — apesar de ser muito importante, quanto mais escola próximo à mancha criminal, melhor — mas tem que levar em conta também indicadores socioeconômicos. Montamos essa fórmula e (apontamos): os 80 locais são esses aqui.

É muito mais interessante usar a ciência. Você tem o respaldo da sociedade. Até evita briga. “Por que você botou nesse local e não no meu local que eu pedi?”. Tudo que é política pública, geralmente, não envolve só um órgão. Para você articular isso, não é fácil. Porque, às vezes, você tem poder no seu órgão, mas como que eu vou cobrar da Prefeitura tal? Você tem que ter argumentos para convencer ela a nos ajudar. E de onde vem o argumento? Tem que ser argumento cientifico.

OP: Hoje, a SSPDS ainda contrata consultorias para a área de segurança?

Helano: Dentro da lei da Supesp, tem lá que nós temos que dar assessoria para o Governo. Em vez de contratar uma empresa, pagar milhões para saber onde colocar um equipamento, qual a melhor forma de fazer uma determinada atuação, hoje, existe um órgão dentro do Governo do Estado cheio de cientistas lá dentro, com mestrado, com doutorado, que faz ciência aplicada.

Existiu no passado uma parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Quando eu cheguei, estava finalizando isso. Hoje, não existe mais. O que o Fórum faz é um trabalho bom, interessantíssimo, mas a gente faz também e muito melhor. Eu estive com várias pessoas do Fórum, que é gente maravilhosa, boa, mas lá tem um ou dois doutores. Aqui eu tenho uns sete. Dois em Economia, dois em políticas públicas, um em tecnologia, mais um em segurança pública, outro em geografia. Além disso, tem o programa cientista-chefe. Se eu quiser 50 doutores, eu tenho na universidade. É só fazer um projeto.

Saiba Mais:

Consulte as estatísticas criminais do Estado em: https://www.supesp.ce.gov.br/painel_dinamico/ e https://www.sspds.ce.gov.br/estatisticas-2-3/

Confira as cartilhas da Supesp para prevenção de crimes cibernéticos e com informações sobre público LGBTQIA+ em: https://www.supesp.ce.gov.br/cartilhas/

Saiba onde estão localizadas as bases do Proteger já em funcionamento em: https://www.supesp.ce.gov.br/proteger/

José Helano Matos Nogueira é policial federal aposentado, tendo ainda pós-doutorado pelo King’s College de Londres e doutorado pela Universidade de Liverpool na Inglaterra. Foi ainda o primeiro brasileiro a ser diretor mundial da Polícia Forense da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol)

 

O que você achou desse conteúdo?