Logo O POVO+
Combate ao trabalho infantil e a discriminação de mulheres e raça são foco do TST
Aguanambi-282

Combate ao trabalho infantil e a discriminação de mulheres e raça são foco do TST

Kátia Arruda, ministra do Tribunal Superior do Trabalho fala sobre como a pandemia alterou as relações de trabalho e como isso influenciou na realidade do trabalho infantil no país
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Ministra do Tribunal Superior do Trabalho Kátia Arruda (Foto: João Filho Tavares)
Foto: João Filho Tavares Ministra do Tribunal Superior do Trabalho Kátia Arruda

A justiça do trabalho brasileira possui diversas frentes, sempre buscando o equilíbrio entre os direitos de trabalhadores e empresários. Além disso, temas como a erradicação do trabalho infantil e as práticas de segurança e saúde são tratados em programas permanentes que visam o bem-estar da sociedade e do trabalhador.

Neste contexto, a cearense Kátia Arruda, ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), tem papel destacado, principalmente na proteção das crianças, quando foi até setembro deste ano, coordenadora do Programa de Combate ao trabalho Infantil. Por sua representatividade, ela foi convidada há poucos dias, para coordenar o novo Programa Nacional Mulher, Discriminação e Raça, que é uma iniciativa do presidente do TST, ministro Lelio Bentes Corrêa, e deve ocorrer no próximo mês.

Em visita ao Estado para participar do Fórum Saúde e Segurança no Trabalho, realizado pelo Grupo de Comunicação O POVO e o Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (TRT-7), ela conversou com O POVO sobre os reflexos da pandemia no ambiente do trabalho, o combate e erradicação do trabalho infantil e seus desafios no novo programa que terá a discriminação como mote central.


O POVO - Como a senhora avalia as repercussões psicossociais do trabalho neste período em que ainda vivemos sob efeito da pandemia da Covid-19?

Kátia Arruda - O índice de adoecimento mental cresceu muito, principalmente no período da pandemia. Alguns dizem que estas pessoas já tinham problemas e eles se revelaram, outros dizem que são novos problemas. Eu acho que tem as duas coisas. O fato é que a pandemia aumentou o adoecimento do trabalhador, e claro, do não trabalhador. Mas dentro da nossa perspectiva é necessário se fazer algumas medidas que envolvam conscientização sobre o tema e que envolvam a prevenção para que outros problemas maiores não se desenvolvam. Aqui, tem um ponto que é importante destacar, o adoecimento do trabalhador não é ruim só para o trabalhador, é ruim para a empresa, é ruim pra todo o sistema de saúde do país, é ruim porque afeta o sistema do INSS. Então, o problema de saúde do trabalhador é um problema do Brasil, como um todo. Por isso é que precisa ser enfrentado.

OP - Na sua opinião, quais são os efeitos físicos e mentais que podem continuar ocorrendo e até progredindo para o trabalhador diante do teletrabalho?

Kátia - Olha, o teletrabalho produz algumas mazelas como o isolamento e a diminuição de contatos sensíveis. Então, ele tanto pode adoecer por se sentir isolado, ele não consegue partilhar com os colegas os acontecimentos, ele não consegue narrar ou diminuir dificuldades, porque ele está sozinho e cria uma falsa autonomia. Aquela questão de que ele pode resolver tudo. Quando, na verdade, todo trabalho é partilhado. Ele é uma partilha. O que eu percebo é que muitos que hoje defendem o teletrabalho, que é importante, essencial e ajuda muito em outras situações, não estão atentos para as consequências que isso pode causar. Essa consequência de não partilha, de isolamento, às vezes a consequência de não acompanhar a evolução dos acontecimentos. Porque, quando você está na empresa, você acompanha essa evolução. No teletrabalho você é sozinho. Assim, eu acho engraçado que muitos, até colegas juízes do trabalho, hoje, dizem “eu quero tanto teletrabalho”. Eu acho que eles não vão aguentar mais dois anos.

OP - E como você acha que a empresa brasileira está preparada para continuar a introduzir essas novas técnicas ou novas posturas de trabalho e cuidado com o trabalhador?

Kátia - Ela ainda não está preparada, mas ela precisa se preparar, através de seminários, eventos, acompanhamento da própria mídia de como é que funciona, entre outras formas. Eu acho que ela está se preparando, mas, como disse Fernando Pessoa, “o caminho se faz ao andar”. Então, é no percurso que nós vamos ver quais as melhores técnicas para empreender e desenvolver bem, que não traga prejuízo nem para a empresa, nem para o trabalhador, porque esse é sempre o objetivo, encontrar o equilíbrio.

OP - Todas estas novas demandas que envolvem a saúde do trabalhador podem gerar a necessidade da empresa ter um setor de saúde? Isso pode entrar na legislação trabalhista?

Kátia - Sim, inclusive nas comissões internas de prevenção de acidentes (Cipas). Pode-se aproveitar as Cipas para que elas também estimulem a saúde. Com isso, você já consegue pegar uma estrutura que já existe e só amplia essa percepção e função.

OP - Sabemos da sua trajetória na busca pela erradicação do trabalho infantil. Assim, como está o panorama no Brasil, e ainda se for possível, gostaria que a senhora fizesse um recorte da região Nordeste.

Kátia - Em relação ao trabalho infantil, se imaginarmos em número, o maior seria São Paulo. Mas, quando nós imaginamos em percentual, o Nordeste tem um índice muito alto de casos de trabalho infantil. Com a pandemia, alguns pais ficaram desempregados e isso aumentou o trabalho infantil, porque se começou a utilizar essas crianças ou para pedir esmolas nas ruas ou pra vender balas. Assim que a pandemia abriu o comércio, as crianças começaram a voltar para as ruas, e isso é muito sério. Hoje, elas já não vão ter, muitas vezes, o amparo social que tinham antes, os pais estão desempregados e elas estão passando fome. Então, quando o quadro é tão alarmante assim, aí entram as políticas públicas mais do que qualquer outra medida. É necessário fazer o recorte entre diminuir o trabalho infantil, tentar aumentar a política de emprego e buscar com outros meios como existe o Bolsa Família outras formas de mudança deste quadro.


OP - Você poderia dar exemplos de ações que podem minimizar o trabalho infantil, exacerbado durante a pandemia?

Kátia - Tem várias propostas que funcionaram em outras partes do mundo. Uma delas é a questão da educação integral, onde em um período a criança estaria na educação formal e no contraturno ela teria ações de cultura, esporte e tecnologia. É importante dizer que a criança não estaria oito horas estudando. Ela estudaria as horas normais de cada escola, e nas outras praticaria esporte, desenvolveria aspectos culturais e ampliaria conhecimento na área tecnológica. Foi assim na Inglaterra, berço do trabalho infantil na revolução industrial. Eles só alteraram a percepção, a partir da educação integral. Em outros países, como a Finlândia, há um mecanismo similar, mas às vezes, as ações não ocorrem todas no mesmo ambiente. Em vez de ficar só na escola, eles fazem parcerias que envolvam outros pontos da comunidade, como centros cívicos, centros acadêmicos e aí a criança vai para essas instituições parceiras. Então, a criança ficaria sempre em um processo de aprendizagem, seja formal, com matemática, português, inglês, seja informal, com contatos com a comunidade, com aspectos culturais, com teatro, com música, com esporte, e conseguiria se desenvolver melhor. Ao mesmo tempo, ela estaria alimentada. Porque isso é um ponto importante. Não adianta você jogar a criança, oito horas em um lugar, se ela não vai ter o que comer. Por isso, eu coloquei que o combate ao trabalho infantil tem que ser uma política que trabalhe em conjunto com outras políticas públicas. É a política de educação, de alimentação, de moradia próxima das escolas. Se conseguirmos efetivar boas políticas de combate ao trabalho infantil, avançamos toda a sociedade.


OP - O trabalho em casa, na pandemia, aumentou o uso da criança em algum tipo de trabalho?

Kátia - Aumentou por alguns motivos. Veja bem, antes ainda existia, mesmo que precariamente, uma creche. Então, a mãe poderia ir pro trabalho e deixar a criança lá. Com o fechamento de tudo, a criança teve que ficar em casa. Se os pais têm que sair, essa criança passa a cuidar da outra criança menor. Mas, eu queria alertar uma coisa, a criança auxiliar a família, dentro de uma normalidade, que ela não saia da educação, isso não é trabalho infantil. Por quê? Porque ela pode auxiliar os pais nas atividades normais. Isso é cooperação familiar. Vamos afastar a cooperação familiar do que é a exploração do trabalho infantil. Se o que eu faço é pegar o meu filho e mandar ele cuidar dos meus filhos e dos filhos da vizinha e com isso ganhar um trocado, isso é trabalho infantil. Mas, se há colaboração para a própria família sem que isso implique no afastamento da escola e sem que isso o torne um escravo daquela circunstância é colaboração familiar.

OP - Aqueles pais que expõem as crianças ao trabalho infantil, pode ser responsabilizado?

Kátia - Esse é um tema dificílimo, porque na maioria das vezes, salva uma situação patológica, na maioria das vezes os pais também são vítimas de uma circunstância social. É claro, que eles poderiam ter a compreensão de que não deveriam reproduzir a pobreza. Não é porque ele era pobre, foi trabalhador infantil, que eu faço meu filho ser a mesma coisa. Assim, ele está reproduzindo a pobreza, ao invés de incentivar para sair da pobreza, por meio de alguma perspectiva. Agora, o melhor seria que tivéssemos uma política que dê segurança e trabalho para todos. Com isso, aquele pai que está utilizando dessa criança para trabalhar, vai ter o próprio trabalho dele e não vai precisar repetir essa realidade de trabalho infantil. Agora, eu sempre digo assim, se essa criança tivesse acesso a educação na sua escola, com alimentação, isso já seria um bom sinal pra que ele deixasse a criança na escola e não utilizasse essa criança para alguma atividade ilícita ou de trabalho infantil.


OP - Como acha que os novos governos que iniciam no próximo mês vão trabalhar estes temas?

Kátia - Estamos no período de transição de governos estaduais e federais e é necessário incluir nas políticas dos novos governantes as ações de trabalho. Se você me perguntar se está, eu não saberia responder. Porém, é necessário manter o auxílio financeiro dado pelo estado, seja que nome receber, porque neste momento é essencial. Mas não é isso que vai solucionar. Estamos vivendo um momento de agravamento de pobreza, desigualdade e exclusão. Então, a política financeira emergencial é fundamental para não agravarmos a situação da fome. É necessário que os estados e a União passem a ter políticas de trabalho, para os pais e de educação para os filhos. Pelo menos essas duas vertentes vão precisar de desenvolvimento.

OP - Há pouco tempo, você deixou a coordenação do Programa Nacional de Combate ao Trabalho Infantil e foi convidada a assumir um novo programa, que será criado daqui um mês, que é Programa Nacional de Mulher, Discriminação e Raça. Quais desafios acredita que vai enfrentar?

Kátia - Normalmente, os programas trabalham muito, dentro do próprio TST. A gente não consegue fazer uma ampliação maior do que isto. Mas, o que já se nota é que ainda existe discriminação no emprego. A questão da mulher negra, inclusive, é muito grave no trabalho. Já há discriminação contra a mulher, mas quando é a mulher negra, a discriminação aumenta ainda mais. Para se ter uma outra ideia, vimos algumas denúncias de discriminação, principalmente no sul do país, contra mulheres nordestinas, também. Olha que coisa estranha, você imaginar a discriminação pela região. Então, o tema discriminação é um tema difícil porque ele tem que trabalhar culturalmente. Ele tem que trabalhar o tema da cultura dentro da gente. Para isso, estamos fazendo uma série de pesquisas sobre o tema para ver como será possível a atuação. (Colaborou Lêda Maria)

  

Mais notícias de Economia

O que você achou desse conteúdo?