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O jornalismo como vitrine da ciência nacional
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O jornalismo como vitrine da ciência nacional

Ana Paula Morales, cofundadora da Agência Bori, fala sobre jornalismo científico e a importância de aproximar a população da produção científica nacional
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Ana Paula Morales, co-fundadora da Agência Bori (Foto: Instituto Serrapilheira/Divulgação)
Foto: Instituto Serrapilheira/Divulgação Ana Paula Morales, co-fundadora da Agência Bori

Com mais de 2.600 cadastros, a Bori é uma agência de notícias com foco no jornalismo científico, que compila e divulga estudos e inovações no campo da ciência em diferentes áreas do conhecimento, com conteúdo voltado a veículos da imprensa nacional.

A plataforma, que divulgou antecipadamente cerca de 450 estudos científicos, também realiza cursos e treinamentos na área de comunicação com o objetivo de aproximar o jornalismo do conhecimento científico, e conta com um banco de fontes e pesquisadores disponível para jornalistas.

Fundada por Ana Paula Morales e Sabine Righetti em fevereiro de 2020 — 15 dias antes do primeiro caso de Covid-19 no Brasil —, a Agência Bori ajuda a construir um novo paradigma no jornalismo científico, em período em que informação jornalística e a ciência descobriram-se ainda mais aliadas contra o negacionismo.

Ao O POVO, Ana Paula Morales, biomédica e mestre em farmacologia, explica a sua trajetória e fala sobre a importância do jornalismo científico nos desafios da contemporaneidade.

O POVO: Por que vocês decidiram trabalhar com jornalismo científico? Essa é uma área com a qual vocês sempre se identificaram?

Ana Paula - O jornalismo científico, na minha vida, entrou quando eu decidi, eu vi, na verdade, que era necessário comunicar o que estava sendo feito de ciência no Brasil para outras pessoas que não estavam envolvidas com o fazer ciência no Brasil. Isso porque eu sou cientista de formação.

Eu sou biomédica, tenho mestrado em farmacologia, sempre gostei muito de fazer pesquisa de bancada, mas eu senti uma necessidade de falar mais sobre ciência para quem não fazia parte desse mundinho do qual eu fazia, que era muito restrito. Eu via que outras pessoas do meu rol social de amigos, familiares, que não faziam ciência, estavam longe de saber o que estava sendo feito no Brasil em instituições de pesquisa.

Foi aí que eu fui fazer uma pós-graduação em jornalismo científico no Labjor da Unicamp/SP. Eu decidi que queria trabalhar com comunicação de ciência, não sabia como começar e achei que a melhor forma seria estudando, já que eu não tinha prática e nem formação nessa área, então eu fui fazer a pós. Foi a partir dessa especialização que eu entrei no mundo do jornalismo científico e não saí desde então. Acabei mudando a minha trajetória profissional de pesquisadora para jornalista de ciência, desde então.

A Sabine, que é a outra fundadora da Bori junto comigo, é jornalista de formação. Ela sempre se interessou por ciência, então logo que terminou a graduação em jornalismo, ela também foi fazer essa pós. A gente é de turmas diferentes, mas foi por intermédio do Labjor que a gente se conheceu e ficamos amigas. A vida deu várias voltas. A gente trabalhou junto, cada uma foi para um lado e depois a gente decidiu voltar a trabalhar juntas e decidiu, logo em seguida, criar a Agência Bori.

O POVO: Qual a importância da Carolina Bori para vocês e por que ela serviu de inspiração para o nome da agência?

Ana Paula - Além de ter sido uma pesquisadora brilhante, ela também foi muito engajada, durante a sua trajetória, com questões da ciência nacional de forma geral, não só na área de atuação dela, e foi a primeira presidente mulher da SBPC, que é a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. A gente achou bastante simbólico e importante homenageá-la, na verdade, como uma homenagem a todas as pesquisadoras mulheres brasileiras, já que a Bori é uma iniciativa de duas mulheres.

O POVO: Como vocês trabalham para aproximar a pesquisa científica das pessoas, já que a linguagem às vezes é pouco acessível?

Ana Paula - A gente criou a Bori exatamente para isso, para aproximar a ciência da sociedade, só que a gente faz isso por meio da imprensa. A Agência Bori é uma plataforma voltada para jornalistas brasileiros. A gente mapeia tudo que está sendo produzido na ciência nacional antes de ser publicado e a gente seleciona alguns estudos para divulgar a partir de alguns critérios.

O POVO: Que avanços e inovações científicas estão acontecendo hoje no Brasil e a população ainda não tem conhecimento?

Ana Paula - É muito importante trazer a ciência para o cotidiano das pessoas, para além de ficar antenado no que está saindo de pesquisa de ponta especificamente de algum grupo de pesquisa. A ideia é que a ciência faça parte da vida das pessoas, que elas encontrem cotidianamente matérias, não só no caderno de ciência, mas em todos os cadernos de um jornal, com referências sobre o que é feito naquela área, ou o que pesquisadores que são especialistas naquele assunto têm para dizer e quais são as evidências científicas sobre aquele assunto. Isso vai desde saúde, meio ambiente, até economia e esporte, tudo.

Eu acho que é importante que as pessoas fiquem antenadas a alguns estudos específicos. A gente tem muitas áreas em que o Brasil faz pesquisa de ponta, saúde é uma delas, em meio ambiente a gente tem muita pesquisa de ponta e o Brasil é referência, a parte de alimentação, também. É importante as pessoas estarem ligadas a esses temas, mas também conhecerem no dia-a-dia, para ficar familiarizado sobre como é feita a ciência.

O POVO: Como a pandemia modificou a relação do jornalismo com a ciência?

Ana Paula - A pandemia certamente colocou a ciência em evidência para a população por meio do jornalismo. Do ponto de vista do jornalismo, a gente tinha muitos jornalistas que estavam cobrindo a pandemia, mas que nunca tinham se relacionado com a ciência ou com pesquisadores antes, então isso foi um ponto curioso.

A gente lançou a Bori exatamente 15 dias antes do primeiro caso de Covid no Brasil. A gente esperava, num primeiro momento, que os jornalistas que já cobriam ciência iam se cadastrar na Bori e usar o nosso material, mas a gente queria levar para outros cadernos e outros jornalistas também.

Com a pandemia, isso aconteceu muito mais rápido do que a gente esperava, exatamente porque os jornalistas que ainda não estavam acostumados a falar sobre ciência sentiram a necessidade de falar. A pandemia impôs essa necessidade de falar de ciência. Muitos jornalistas se cadastraram na Bori exatamente por isso. A gente virou uma vitrine da ciência nacional.

Um dos aspectos que se discute muito é como noticiar algo que pode ser um fator de preocupação para a população de alguma forma, e essa é uma orientação inclusive que pesquisas acadêmicas sugerem: tem que ser com a maior transparência possível.

Se você está alertando a população sobre um potencial risco, se a população está consumindo essa informação, ela se sente mais segura para enfrentar aquilo. Não é só uma questão de alarmismo, porque informação é poder, inclusive para as pessoas se sentirem mais seguras mesmo que o assunto em si seja de risco.

O POVO: Você acredita que a ciência terá uma crescente para ser mais valorizada pela população brasileira?

Ana Paula - Eu espero que sim. Espero e sou otimista em acreditar que sim, apesar de uma onda grande de negacionismo científico que a gente viu e ainda vê no Brasil, e que começou antes mesmo da pandemia, com o descrédito das instituições que fazem pesquisa, das universidades, de pesquisadores. Ao mesmo tempo, o assunto caiu no cotidiano das pessoas.

O POVO: O que lhe marcou ao trabalhar na Bori durante esses três anos de atuação?

Ana Paula - Eu posso citar alguns casos, mas, de uma forma geral, o que tem nos marcado é que diversos dos estudos que a gente antecipou para a imprensa e que ganharam visibilidade por meio da imprensa tiveram impacto direto na esfera política.

Essa informação ser usada para políticas públicas é algo muito interessante. A gente tem alguns casos. Tiveram alguns estudos sobre gestão pública e trabalho com profissionais na linha de frente durante a pandemia que a gente divulgou pela Bori e que tiveram uma alta repercussão na imprensa e acabaram embasando a CPI da Covid e também decisões de conselhos e secretarias de saúde.

Teve um outro estudo que a gente antecipou para a imprensa que era bem técnico, sobre técnicas de extração de gás. O estudo mostrou que uma técnica específica poderia ocasionar pequenos terremotos em Manaus, e isso teria um impacto financeiro e ambiental muito grande para a região. Essa pesquisa teve bastante repercussão principalmente em veículos locais na região Norte e acabou influenciando uma medida do Ministério de Minas e Energia sobre a extração de gás.

Teve um caso recente agora no final de 2022, que foi um estudo sobre biopirataria digital de abelhas. As abelhas são muito importantes para a agricultura. Esse estudo também teve repercussão e estava tendo uma discussão sobre um projeto de lei no Congresso Nacional exatamente para regularizar a comercialização de algumas espécies de abelhas nativas do Brasil.

Depois da repercussão da imprensa, esses anúncios ilegais que o estudo tinha mapeado foram banidos pelas plataformas digitais. Essas informações foram usadas também para isso.


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