Na reportagem exibida no dia 13 de agosto pelo programa Fantástico, da TV Globo, a atriz e cantora Larissa Manoela, de 22 anos, revelou detalhes sobre o rompimento com os pais em março deste ano. Essa era apenas uma explicação pública de uma história que já se desenrolava a meses.
Larissa narrou à repórter Renata Capucci que, mesmo após sua maioridade, não tinha controle sobre seus rendimentos. Após procurar advogados para entender melhor suas finanças e analisar os contratos das três empresas que tinha em sociedade com os pais, a atriz descobriu que tinha, por exemplo, o menor percentual de cotas na maior empresa que cuidava de seu patrimônio, apenas 2% frente a 98% a favor dos pais.
A matéria também expôs que a artista não tinha liberdade para movimentar seu dinheiro plenamente e recebia mesada de Silvana e Gilberto - os pais. Para realizar outros gatos que excedessem o limite, era necessário pedir autorização deles. Em uma gravação de uma conversa com a mãe, esta parece irritada pelos questionamentos da filha e afirma que não abriria mão de cuidar do dinheiro dela.
O relato da artista sobre a relação e o rompimento repercutiu nas redes sociais entre os internautas. A atriz Giovanna Chaves, que trabalhou com Larissa Manoela quando criança no canal SBT, se pronunciou no X (antigo Twitter), afirmando que regras deveriam ser colocadas “ no direito da criança ao patrimônio quando realiza trabalho infantil”.
O Código Civil do Brasil já conta com algumas sobre o assunto. Segundo a legislação, enquanto os filhos forem menores de idade, os pais são responsáveis pela administração dos bens e gestão dos valores. Entretanto, critérios da lei devem ser respeitados por esses gestores.
Em conversa com O POVO, a advogada Mabel Portela - especialista em direito de família e das sucessões, e presidente da associação com nome homônimo a sua especialização, a ADFAS CE - detalhou como funciona essa legislação e como ela pode ser aplicada.
O POVO: Atualmente, existe algum amparo na legislação brasileira específico para artistas menores de idade e a administração de seus bens pelos responsáveis que possa ser utilizado em casos como o da Larissa Manoela ou similares?
Mabel Portela: A lei não faz distinção de áreas de atuação dessas crianças, desses menores de idade. O Código Civil, a partir do seu artigo 1.690, trata, de uma maneira geral, do patrimônio dos filhos.
Por uma questão de prudência, a lei traz vários critérios até onde essa administração pode ir. Por exemplo, os administradores - os pais - têm sim o direito de usufruir dos frutos desse patrimônio. É o que chamamos de usufruto parental. Não é uma questão de dispor daquele patrimônio, é o usufruto dos bens, justamente dos frutos que aquele patrimônio gera.
Se existe um imóvel no valor de 5 milhões que pertence àquela criança e ele será alugado, os pais têm direito de usufruir dos rendimentos - como a lei falou -, mas não do patrimônio em si. Esse imóvel, não pode ser alienado pelos pais, não pode ser vendido, não pode ser dado em garantia. Nenhum tipo de gravame, como nós chamamos.
OP: Os pais de Larissa continuaram cuidando do patrimônio de Larissa mesmo após a maioridade dela e a mãe afirmou em áudio que não abriria mão disso. Perante a lei, como essa situação é tratada?
Mabel: A incapacidade civil total é até os 16 anos. Entre os 16 e os 18 anos, os menores já são assistidos pelos pais, ou seja, podemos dizer que é como se houvesse um direito de uma gestão conjunta entre pais e os filhos entre os 16 e 18 anos.
Após os 18 anos, com a maioridade total, aquele menor, hoje adulto, tem amplo direito de cuidar de todo o seu patrimônio, de gerir absolutamente tudo. Agora, o que muitas vezes vemos - seja um artista, seja um atleta -, é que existe uma falta de tempo, digamos assim, para a gestão desse patrimônio ,uma vez que eles precisam estar focados na carreira, e muitas vezes os pais continuam sendo administradores.
A afirmação da mãe de Larissa Manoela de que não abriria mão de cuidar do patrimônio da filha é totalmente descabida, com a questão apenas administradora. No caso dela, as empresas em que a percentual é uma sociedade, é diferente da questão dela ser administradora apenas porque era mãe representante legal da filha.
Existe uma diferença entre a mãe da Larissa, que estava representando-a enquanto ela era menor de idade ou assistindo-a, e existe a mãe que é sócia em empresas ou administradora nomeada mesmo após a maioridade da filha. Então, no caso da mãe no papel que ela desempenhava de representar e de assistir a filha porque era menor de idade, não existe essa questão de abrir mão ou não dessa função.
OP: Então existe alguma idade mínima antes da maioridade que o artista pode solicitar o acompanhamento de seus bens?
Mabel: A questão da idade, a plena capacidade a partir dos 18 anos, mas entre os 16 e 18 anos já existe sim uma capacidade relativa, que o menor não é mais representado pelos pais e sim assistido. A partir daí ele pode solicitar o acompanhamento e uma coparticipação.
OP: Sem uma procuração legal, eles poderiam deter controle sobre as contas dela mesmo sendo de maior?
Mabel: Com a maioridade, a artista é totalmente dona da sua carreira, das suas contas, do seu dinheiro e de todo patrimônio dela. Continuando ainda havendo esse controle, certamente ele precisa ter se dado ou que os pais fossem administradores ou sócios. Então, precisaria haver uma anuência da artista para que a situação continuasse dessa forma mesmo com a maioridade dela.
Ela poderia, inclusive, ingressar com a ação de retirada dessa sociedade, não havendo nenhuma disposição específica no contrato social. Incidiria o percentual das cotas que estão no contrato - de 985 ou 2% - mas caberia a ela, uma vez que ela disse que há provas, de que o valor das cotas não era esse, era de 33%. Então realizar uma apuração de haveres de acordo com as cotas, com ela provando no valor dos 33%, que foi o que ela disse. Tudo isso nos moldes do artigo 1.029 e 1.031 do Código Civil
OP: Ela afirmou não ter lido o contrato antes de assiná-lo. Poderia ser afirmado que foi usado pelos pais algum tipo de influência?
Mabel: Existem alguns casos que podem ser alegados pela pessoa que assina um contrato para que esse contato seja anulado, considerado nulo. É a pessoa afirmar e provar que assinou sobre erro dolo ou coação.
Pode ser que a Larissa, caso deseje, provasse que teria assinado esse contrato mediante uma dessas circunstâncias: erro dolo ou algum tipo de coação. Me parece que ela poderia ser levada nas duas primeiras opções, mas precisa de prova judicial e com relação ao percentual da mesma forma. Tudo são casos que chamamos de nulidade de contrato.
OP: Ela pode entrar com diferentes processos contra os pais?
Mabel: A Larissa, caso deseje, pode sim se sentir lesada, entrar com ações de indenização de reparação de dano contra os pais e pode sim ingressar com a ação de prestação de contas. Vemos que o que falta muito nessa situação dela dos pais é a transparência, nessa administração. Faltando a transparência, essa ação de prestação de contas pode sim ser ingressada judicialmente.
OP: Ela poderia reaver o patrimônio passado para o nome dos pais quando eles ainda eram responsáveis por ela?
Mabel: Todas as ações que envolvem os menores de idade não prescrevem. Começa a contar prazos de prescrição a partir da maioridade. Então, ela pode sim voltar e rever todos os atos que foram feitos quando ela era menor de idade. Mas ela precisa mostrar que foi induzida a erro, que houve erro dolo ou coação.
Ela precisa fazer essa prova para anular atos e coisas que foram feitas no passado. Geralmente é difícil essa prova, mas por outro lado, é difícil também achar que uma pessoa assina sem estar sendo induzida a erro uma alteração de contrato, onde passa a ter apenas 2% de uma sociedade.