Alterações climáticas sentidas literalmente na pele, com altas temperaturas ou as chuvas intensas que destroem comunidades e cidades mostradas pela internet e pelos meios de comunicação.
Além da chegada das novas tecnologias que mexem com as empresas e toda a cadeia produtiva, com o mercado de trabalho, novas profissões e, consequentemente, com a educação. Como conectar a sustentabilidade, a agenda ESG e o antirracismo a tudo isso?
Para saber um pouco mais sobre as atuais transições que a sociedade está passando e novos comportamentos sociais relacionado especialmente à educação, O POVO conversou com o economista e superintendente do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, durante o Seminário do Instituto Unibanco em São Paulo.
O POVO - Atualmente o mundo dos negócios só fala em descarbonização. Muitas empresas estão investindo e trabalhando para encontrar um caminho para economia verde, para uma nova economia. Como associar tudo isso com a Educação?
Ricardo Henriques - Caminhar para a economia verde, a economia de baixo carbono, tem um pilar para a agenda global que é: qual será a possibilidade de a gente ter pessoas com capacidade de entender tudo que está em jogo na economia de baixo carbono e produzir soluções, sobretudo soluções climáticas que sejam adequadas para isso?
Então, a formação desde as crianças, da primeira infância até a universidade, passa a ter que ser referenciada naquilo que a gente está demandando e solicitando por essa ousadia de fazer uma mudança tão intensa no sistema capitalista como um todo e na economia como um todo.
Para a gente realmente ir para a direção do baixo carbono, porque a gente está vivendo duas coisas ao mesmo tempo, que elas estão marcando essa fase de transição.
É a emergência climática e a mudança do papel da tecnologia com a inteligência artificial, generativa, sobretudo, que não são mais só uma inteligência artificial de programação, pois é também de probabilística.
O POVO - Seria um campo desconhecido?
Ricardo - O campo do desconhecido é gigantesco. Para um campo de desconhecimento tão grande e de incerteza tão grande, eu preciso ter pessoas com muita qualidade na formação, muito qualificadas para poder serem criativas, para poderem inovar. Assim, o mercado de trabalho vai ter posições novas, profissões novas, algumas antecipáveis hoje e várias desconhecidas.
E todo o mercado de trabalho vai precisar das competências gerais, das competências que têm a ver com a capacidade analítica, com a capacidade de entender e resolver problemas, da capacidade de inovar e, sobretudo, a capacidade de se adaptar, que solicita uma formação desde a formação básica até pós-graduação, que tenha essas competências na sua origem.
A gente precisa de tudo que tem a ver com as competências associadas à cognição, mas não mais a cognição básica, a avançada, mas além da competência cognitiva, todas as outras competências gerais que permitem me adaptar e inovar.
O POVO - Antigamente a pergunta era: vai seguir o ramo acadêmico ou do mercado empresarial. Tinha essa distância entre esses dois mundos de formação. Hoje, a gente tem que unir?
Ricardo - É verdade. Não tem mais essas fronteiras, não tem nem a fronteira das profissões, provavelmente todos os futuros adultos, que são jovens, vão ter várias profissões ao longo da sua vida e precisam, para isso, ter uma formação ampla que hoje seria mais intersetorial para poder se adaptar.
A ideia da adaptabilidade ao mundo do trabalho vai ser fundamental para a gente poder dar conta de tudo que está se configurando num futuro não antecipável e eu preciso ter pessoas muito mais densas do ponto de vista analítico, inclusive. Não há mais essa distinção entre o acadêmico e o mundo do trabalho.
Para eu poder ter uma inserção muito potente no mundo do trabalho eu vou ter que ter densidade do ponto de vista analítico, do ponto de vista interpretativo, do ponto de vista da minha formação tanto em linguagens como em matemática. Entender que os códigos são linguagens novas.
O jovem, o futuro adulto, vai ter que entender códigos não para ser programador, mas para poder construir uma visão de futuro que o processamento humano não dá mais conta. Eu preciso ter competência técnica instalada para poder lidar e interpretar e não só programar.
O POVO - Saiu um novo relatório do Observatório de Metrópoles que diz que a desigualdade ainda está crescendo bastante. Como isso afeta a educação, o mercado de trabalho, o racismo e questões de gêneros?
Ricardo - A desigualdade é o nosso maior desafio como sociedade, o racismo organiza e estrutura a desigualdade brasileira. A gente precisa ter, na escola pública e privada, desde a primeira infância, estratégias que reconheçam o traço do racismo, reconheçam a desigualdade e sejam ativas na direção de superá-los.
Eu preciso ter uma estratégia de desenvolvimento pleno dos estudantes, cognitivo e socioemocional, que seja organizada a partir de uma visão antirracista. Porque só quando eu mudar a atitude das pessoas como um todo eu vou poder dar saltos, efetivamente, para uma sociedade mais democrática. Mais inclusiva.
E ao ser mais democrática e mais inclusiva, se eu tiver qualidade de educação para todos, ela vai ser mais dinâmica, ela vai ser mais potente. Hoje é fundamental a gente entender que a diversidade, que virou desigualdade no Brasil, pode ser a mesma diversidade potência para transformar essa sociedade numa sociedade não só mais inclusiva, mas mais dinâmica por ser mais inclusiva.
O POVO - Isso também está ligado à questão do mercado de trabalho. Que vemos menos oportunidades de carteira assinada e mais empreendedorismo, o que acaba sendo um facilitador e uma saída para quem precisa ter oportunidades. De que forma a Educação também está diretamente ligada a isso?
Ricardo - Tanto para o empreendedorismo como para novas formas de organização do trabalho. Sobretudo pensando que a população está envelhecendo, que vai ter cada vez menos jovens, vai ter cada vez mais pessoas com mais idade, quem estará no mercado de trabalho e como estará no mercado de trabalho vai precisar também de ter uma educação.
Que nos permita, novamente, adaptação e flexibilidade para a gente poder navegar nesse mundo desconhecido. As pessoas vão estar ativas com 60, 70, 80 anos de idade daqui a pouco e, obviamente, não estarão fazendo o mesmo ofício.
Estarão se movendo em direção a posições distintas que o mercado de trabalho, claro que a sua experiência vai contar, as suas competências vão contar, mas vão estar convivendo desde jovens até pessoas que hoje são entendidas como terceira idade, absolutamente produtivas.
O POVO - Isso impactará no modelo atual de aposentadoria de que forma?
Ricardo - A gente não vai conseguir viver com um sistema previdenciário só atuarial, que só as pessoas que estão trabalhando contribuem para um fundo que vai ser distribuído depois.
Nessa conta nunca mais fechará, daqui a pouco não fechará, a gente vai ter que reconfigurar os modos de pensar o compromisso da sociedade com a vida muito mais duradoura e longeva de todos.
O POVO - O senhor fala em cinco transições que a educação tem que passar. O que são?
Ricardo - A gente tem várias transições no mundo, mas há hoje uma conjunção de algumas transições com muita intensidade. A transição que tem a ver com o planeta, a possibilidade do planeta existir, que é a transição associada à emergência climática.
A transição que tem a ver com o conhecimento, com a forma de produção de saberes que está associada à mudança tecnológica e ao papel da inteligência artificial.
A transição geracional que tem a ver com a mudança demográfica, uma população com menor naturalidade e com mais pessoas vivendo, com vidas mais longas.
A transição social que no Brasil tem configuração muito densa, muito desagradável em relação ao enfrentamento do racismo e seus elementos estruturais que dificultam e desorganizam a sociedade mais potente, por ser desigual.
E a transição que tem a ver, muito mais recente dos últimos 30 anos, com a política no sentido amplo da palavra que tem a ver com o modo que o populismo reacionário se organizou.
E ela é tão desafiadora porque está associada à crise da democracia. Estamos vivendo nas décadas recentes uma ameaça por dentro da democracia a sua estruturação.
Hoje temos caminhos pelo populismo reacionário tanto de direita como de esquerda de a partir dos instrumentos democráticos violar os princípios da democracia e, portanto, impedir aquilo que é fundamental uma sociedade aberta e plural.
O POVO - No campo de sustentabilidade e meio ambiente, o Ceará tem muitas matrizes da energia limpa, a questão do H2V, além de ser referência nacional em Educação. Como o senhor acha pode-se somar as duas coisas?
Ricardo - O Ceará e o Nordeste estão demonstrando que estão na fronteira da agenda política e social brasileira. O Ceará tem conectividade, conectividade de Fortaleza, de cabeamento do hub é absolutamente fantástica.
Está na fronteira de busca de fontes alternativas de energia, renováveis nas suas mais várias frentes, chegando ao hidrogênio verde, passando pela eólica, passando pela solar e, portanto, está em sintonia com aquilo que é desejado das mudanças futuras a partir das transições do que a gente está vivendo.
Evidentemente, conseguiu um ciclo bastante virtuoso, das últimas décadas, de ser uma das referências mais importantes do Brasil no que se refere à educação. Esses mundos tendem a convergir.
Uma educação de qualidade com uma responsabilidade social pública com o planeta e, ao mesmo tempo, opções econômicas consistentes para uma visão contemporânea da economia.