Em sua terceira passagem pelo Floresta, o técnico Leston Júnior pode alcançar a maior glória da história da jovem equipe cearense. Responsável pelo acesso do Lobo da Manoel Sátiro para a Série C em 2020, o treinador pode colocar a equipe na Série B nacional pela primeira vez na história.
Em 2022, o treinador foi responsável por tirar a equipe da zona de rebaixamento e evitar um descenso para a quarta divisão. No fim de semana passado, o time bateu o São Bernardo-SP no estádio Domingão, em Horizonte, e ficou entre os oito melhores da primeira fase da Terceirona, conquistando vaga em um dos dois quadrangulares decisivos para o acesso.
Neste domingo, 7, o Lobo recebe o Caxias, às 16h30min, pelo primeiro jogo do quadrangular de acesso. O time vai enfrentar ainda, em jogos de ida e volta, Londrina-PR e São Bernardo. Os dois melhores da chave jogam a Segundona em 2026.
Ao O POVO, Leston Júnior conversou sobre a carreira, sobre o momento atual da equipe e sobre as perspectivas sobre o futebol moderno.
O POVO - Você está na sua terceira passagem pelo Floresta. Na primeira, você conseguiu o acesso à Série C. Na segunda, você evitou que o time sofresse um rebaixamento e agora você está na condição de brigar pelo acesso para a Série B. Como você enxergou a evolução do Floresta?
Leston Júnior - Obviamente que o clube demonstra um crescimento institucional acompanhando o crescimento esportivo. Como você bem disse, na minha primeira passagem cheguei logo após o descenso do Floresta no Campeonato Estadual. Era um momento muito difícil, porque o clube tinha acabado de ser rebaixado no Estadual e eu cheguei para fazer a Série D.
Era muito importante conseguir o acesso naquele ano para não atrasar o projeto do clube. Caso contrário, o Floresta só voltaria a jogar uma competição nacional em 2023, porque teria que disputar a segunda divisão estadual em 2021, depois a primeira divisão em 2022 e só então conquistar a vaga para 2023. Tivemos a felicidade de conseguir o acesso naquela oportunidade.
Nessa mesma passagem, eu disputei a Série C de 2021. Então, na verdade, a minha primeira vinda ao clube durou dois anos. Depois, saí do clube e retornei em 2022, já no meio da Série C. O clube vinha de uma sequência muito ruim, com seis derrotas seguidas, e estava entrando na zona de rebaixamento.
Ali eu já encontrei um clube um pouco melhor em alguns aspectos, mas ainda vivendo o processo e os efeitos do pós-acesso. É muito comum quando um clube sobe de divisão — é outro cenário, outra competição. Às vezes, o clube demora dois ou três anos para entender o contexto dessa nova realidade. Então encontrei o clube um pouco perdido nesse sentido. Mas conseguimos, juntamente com todos que estavam aqui, evitar o rebaixamento.
Hoje, vejo o clube em um patamar superior em alguns aspectos, mas ainda com muita margem de crescimento. O Floresta é um clube que pode ser considerado emergente no futebol profissional. É um clube muito jovem ainda e isso, por si só, o coloca em uma condição de melhora contínua.
Então, nesta terceira passagem, quando conseguimos o feito de disputar o quadrangular do acesso, é com um clube melhor do que era em 2020, mas que ainda tem potencial de crescimento — o que é natural, repito, tratando-se de um clube emergente.
O POVO - Quando você subiu, enfrentou na final da Série D o Mirassol, que hoje está na Série A e vive um ótimo momento. Qual sua avaliação do crescimento do Mirassol?
Leston - Esses clubes organizados vão ocupar mais espaço porque não carregam o passivo que a maioria dos clubes centenários traz consigo. Esses clubes tradicionais, na mesma proporção em que têm história, conquistas e tradição, carregam também muitos problemas estruturais, políticos e financeiros acumulados por décadas.
Isso faz com que os clubes novos tenham a oportunidade de iniciar o processo sem carregar essa "herança maldita", digamos assim. O Mirassol é um exemplo, mas também é preciso analisar o contexto: é um clube situado em um polo comercial e financeiro do país, então existe uma disparidade muito grande de investimento em relação aos demais estados.
Mesmo quando jogava a Série D, em 2020, o Mirassol já era um clube com investimento muito acima da média. Ele conseguiu passar pelas etapas, ficou dois anos na Série C, depois teve o acesso à Série B e hoje está em uma condição favorável na Série A. É um modelo de gestão e de organização que outros clubes devem seguir.
Quando digo que o Floresta ainda tem uma linha de crescimento, penso exatamente nisso: ele pode crescer muito institucionalmente para, quem sabe, se aproximar cada vez mais dos principais clubes do país.
O POVO - Na Série B deste ano, temos Athletic-MG, Volta Redonda-RJ e Ferroviária-SP, que são clubes que não costumam ocupar tanto esse espaço entre os 40 principais times do futebol brasileiro. Você enxerga essas instituições emergentes como um bom espelho para o trabalho que o Floresta pode conduzir ao longo dos próximos anos?
Leston - Esses clubes, não somente administrativamente, mas também estruturalmente, entenderam que quanto melhor for o clube, melhor o time por consequência. Ao longo dos anos, esses clubes mais tradicionais, esses clubes centenários, se preocupavam muito com o time de futebol e canalizavam todo o investimento nas contratações de jogadores, treinadores etc.
Já os clubes emergentes vieram com outra mentalidade: uma linha de investimento estrutural e administrativa, buscando ter saúde financeira, um clube organizado e que fornecesse boas condições de trabalho aos profissionais. Isso lhes permitiu dar um salto muito grande.
Na minha concepção, esse é o caminho a ser seguido — o caminho da melhoria institucional do clube. Os profissionais vão passar por aqui e por outros clubes, mas a instituição precisa condicionar sua rotina a uma rotina profissional, onde as coisas aconteçam independentemente dos profissionais que porventura passem. A estrutura tem que se sustentar por si só. E acredito que esses clubes emergentes trazem muito desse conceito na sua condução.
O POVO - Você passou por duas equipes muito tradicionais do futebol nordestino — Santa Cruz e América de Natal — que estão em divisões muito menores do que a história delas sugere. Como a falta de planejamento nas questões fora de campo atrapalha o desempenho da equipe?
Leston - Tudo o que acontece no entorno do campo tem, por consequência, reflexo dentro de campo. Essas brigas políticas que esses clubes carregam há décadas, essa disputa pelo poder, a vaidade, o egoísmo do dirigente estatutário — que muitas vezes se diz apaixonado, mas essa paixão é de conveniência: "sou apaixonado se eu estiver no poder, se for através de uma diretriz dada por mim". Isso causou um atraso muito grande e causa, até hoje, um atraso muito grande nesses clubes.
Esses clubes têm um ativo extraordinário, que é a sua torcida — o maior patrimônio que um clube centenário pode ter. Mas a torcida é muito castigada em função dessas brigas pelo poder, dessas disputas movidas pela vaidade de dirigentes estatutários.
Isso faz com que esses clubes tenham as dificuldades que vemos debaixo dos nossos olhos. É muito triste ver clubes da dimensão do América e do Santa Cruz, pela sua representatividade, nessa situação. Tivemos o ABC, recentemente rebaixado para a Série D, e o CSA passando por uma segunda renúncia de presidente em função de briga com o conselho deliberativo.
Essas divisões políticas são um grande impeditivo para que esses clubes consigam entregar, esportivamente, aquilo que verdadeiramente representam. Eu particularmente lamento, até por ter vivido experiências em clubes com essa característica, e torço para que haja transformação nesse sentido. Que esses clubes possam representar verdadeiramente os seus estados e as suas torcidas de forma proporcional ao que o torcedor faz por essas agremiações.
O POVO - Em 2018, você teve uma passagem pelo Botafogo-PB, onde foi campeão paraibano. O Belo é uma equipe que a gente se acostumou a ver na Série C, brigando por acesso, mas que nunca conseguiu, de fato, consumar a subida para a Série B. Que lições você tirou desse trabalho?
Leston - Acredito que o Botafogo entra nesse pacote desses clubes. É um clube cercado de política, de vaidades. Subiu em 2013, desde 2014 são 11 anos na Série C sem conseguir o acesso. E acredito que isso acontece muito em função dessas questões extracampo.
É um clube que está sempre brigando, sempre em condição de disputa, mas falta alguma coisa. Algo acontece e o clube acaba não atingindo o objetivo. Eu lamento, porque é um clube único dentro de uma capital — e isso não é comum. Apesar de ter Treze e Campinense como rivais, ambos são de outra cidade.
João Pessoa (PB) só tem o Botafogo. O clube tem potencial para estar na Série B há alguns anos, mas infelizmente perde para si mesmo ao longo do processo, muito por conta dessas questões políticas.
O POVO - Em 2015, você estava no Tupi e conseguiu o acesso numa Série C de outro formato — mata-mata logo na segunda fase, com menos jogos na primeira. Como você avalia essa mudança de fórmula?
Leston - Acredito que a fórmula de disputa de hoje é um pouco mais justa. Em 2014, perdi o acesso para o CRB estando no G-4 praticamente toda a competição. Na época, a segunda fase era mata-mata direto, e acabamos eliminados.
Em 2015, tivemos a felicidade de conseguir o acesso. O formato atual é mais justo porque permite uma margem de erro — você tem seis jogos no quadrangular e pode se recuperar. Ainda assim, acho que está aquém do ideal. A Série C já deveria ter o mesmo formato da Série A e B: turno e returno, todos contra todos.
De qualquer forma, é uma competição mais equilibrada e justa do que era até 2021. Em termos de experiência, entendi que a competição cobra estabilidade e constância — algo que tivemos este ano na primeira fase —, mas também cobra poder de decisão.
Antes, por ser mata-mata, essa decisão era concentrada em dois jogos. Hoje, é distribuída, porque 50% dos clubes têm chance de acesso. É preciso encarar cada jogo como mata-mata para aumentar as possibilidades de conquista.
O POVO - Na reta final da primeira fase, vimos alguns jogos em que o Floresta tomou gols nos acréscimos ou desperdiçou chances e acabou perdendo pontos importantes que poderiam ter classificado o time com antecedência. Existiu uma conversa com os jogadores, após o jogo contra o São Bernardo, para corrigir isso?
Leston - Acho que isso foi a tônica da competição para todos. Praticamente os 20 clubes tiveram momentos de dificuldade. Isso faz parte do jogo, especialmente numa competição tão equilibrada quanto a Série C.
Temos consciência dos erros cometidos e seguimos em busca de evolução. Essa melhoria é contínua, não começou agora. O futebol é tão complexo que, ao corrigir um aspecto, surgem novos problemas — é preciso estar em constante transformação, se reinventando a cada momento.
Estamos conversando bastante sobre a necessidade de reduzir erros. No futebol equilibrado de hoje, os times que cometem menos erros grotescos são os que chegam às grandes conquistas. Estamos trabalhando para ser uma equipe com baixa margem de erro nessa segunda fase.
OP - No início da sua carreira, você passou por clubes menores de bairros de Belo Horizonte (MG), do Rio de Janeiro (RJ) e do interior de Minas, e depois trabalhou em clubes de grandes capitais — como Santa Cruz, em Recife, e América, em Natal. Quais as diferenças entre trabalhar em um clube que tem maior pressão de torcida e visibilidade da mídia, e em clubes menores e mais periféricos, como o Madureira, que você treinou?
Leston - São contextos diferentes. Quando você trabalha em clubes como Remo, Botafogo-PB, América de Natal ou Santa Cruz, existe uma exigência externa muito grande — torcida, mídia, redes sociais. Isso, em alguns momentos, atrapalha porque a pressão é exagerada. Mas, nos bons momentos, vira apoio e se transforma em um grande aliado.
Nos clubes de menor visibilidade, você tem mais tranquilidade para trabalhar e conduzir processos, mas precisa ser muito assertivo no dia a dia, porque não existe cobrança externa. É necessário que a exigência interna seja alta para manter um nível competitivo forte. O profissional de futebol precisa estar preparado para lidar com essas diferenças de perfil entre clubes e tomar decisões de acordo com o ambiente em que está.
OP - No início da sua carreira, você também passou pelas categorias de base do Cruzeiro, no sub-20, em uma época vencedora do time. Teve algum jogador que você identificou como promessa e que realmente virou no profissional?
Leston - Tive a felicidade de trabalhar em três grandes clubes de base durante nove anos. Comecei no América-MG, depois fui para o Cruzeiro e depois para o Bahia. Trabalhei nas categorias sub-15, sub-17 e sub-20.
Essa formação foi fundamental para meu crescimento profissional: convivi com grandes profissionais e atletas. Trabalhei com Danilo (lateral do Flamengo e da seleção brasileira), Lucas Silva, Talisca, Helton Leite, entre outros.
É mais comum, quando se trabalha muito tempo em base, ver grandes potenciais que não vingam do que o contrário. Existe uma estatística muito triste: apenas cerca de 3% dos atletas que passam pelas categorias de base de grandes clubes jogam em alto nível no profissional.
Isso nos ensina a lidar com frustrações de jovens que sonham — muitas vezes junto com suas famílias — com uma vida melhor através do futebol. Essa vivência proporciona crescimento pessoal tão importante quanto o profissional. Sou muito grato pelos nove anos que trabalhei em categorias de base.
OP - No futebol moderno, existe a tendência de dividir treinadores por “escolas”. Quem trabalha com mais posse de bola é associado ao de Pep Guardiola; os mais defensivos costumam ser associados ao José Mourinho. Quando você estudava e trabalhava nas categorias de base, quem era o treinador que você tinha como referência?
Leston - Olha, eu sou alguém extremamente contrário a rótulos. Acho que vivemos em uma sociedade que rotula tudo e eu sou terminantemente contra isso. Vejo o futebol de uma forma mais abrangente. Não consigo enxergar uma equipe campeã que tenha apenas um modelo de jogo propositivo como referência, nem uma equipe campeã que tenha apenas o jogo reativo como predominante.
Acho que uma boa equipe precisa saber transitar entre as fases do jogo, de acordo com o que o jogo pede, com o que a competição pede e com o momento que a equipe vive. Particularmente, gosto muito mais do equilíbrio. Acredito que uma boa equipe precisa ser reativa quando o jogo exige e precisa ser propositiva quando o jogo exige.
Isso faz com que você esteja sempre se ajustando ao jogo, às demandas do momento. Sobre referências, eu diria que tenho várias, cada qual em um aspecto. Tenho referências táticas — sempre gostei muito do Tite, no que diz respeito à interpretação do jogo. Gosto muito da condução de Muricy Ramalho, que sempre se destacou pela forma de gerenciar o dia a dia.
Tenho grande identificação com a metodologia de treinamentos do Dorival Júnior, que eu pude acompanhar quando estava na base do Cruzeiro, e do próprio Adilson Batista, cujos treinamentos eram muito próximos daquilo que eu pensava sobre preparação desportiva.
Acredito que é uma soma de referências. Mas é importante entender que são apenas referências: você precisa trazê-las para sua personalidade, para aquilo que você acredita e domina, para transformar em algo aplicável.
Caso contrário, você apenas replica o que outros fazem, e inevitavelmente os contextos são diferentes — e isso acaba não trazendo bons frutos. A condução do processo, o dia a dia, a característica dos jogadores que você tem nas mãos precisam ser moldadas de acordo com a realidade do clube.
OP - Caso o Floresta consiga o acesso para a Série B, você terá conquistado os dois acessos da história do clube. Acabou o sexto jogo do quadrangular, o Floresta subiu... Você olha para trás e diz: "Eu sou o maior nome da história do Floresta, estou no panteão de grandes ídolos do clube"?
Leston - Não, não tenho nenhum tipo de pretensão de me achar capaz ou especial a esse ponto na história de qualquer clube. O futebol é a soma de esforços. É muita gente trabalhando. Acredito que existe uma mentira repetida muitas vezes que acaba virando verdade: de que o treinador tem um impacto gigantesco sozinho.
O treinador não é o responsável direto e único pelo sucesso de nenhuma equipe — assim como também não é o único responsável pelo insucesso. Por acreditar nisso — e por ver essa cultura no futebol brasileiro — é que vemos tantas trocas de treinadores e tantos trabalhos interrompidos.
Quando há conquistas, os louros são atribuídos quase exclusivamente ao treinador. Quando há insucessos, ele é o primeiro a assumir a culpa e acaba sendo responsabilizado sozinho. Eu não acredito nisso. Prefiro pensar que, caso tenhamos a felicidade de conquistar mais um acesso com o Floresta, eu seja apenas mais uma pessoa importante que passou pelo clube, que deixou um legado e algo de bom para que os próximos que vierem deem sequência ao crescimento institucional do Floresta.