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"Destruir a natureza é, também, destruir a economia"
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"Destruir a natureza é, também, destruir a economia"

Pesquisador Fábio Maia Sobral destaca que desprezar os ecossistemas tende a gerar mais malefícios que benefícios
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Professor, pesquisador e referência nos debates que atravessam economia, meio ambiente e pensamento crítico, Fábio Maia Sobral construiu uma trajetória acadêmica marcada pela profundidade e pelo rigor.

Economista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mestre pela mesma instituição e doutor em Filosofia pela Unicamp, ele transita com naturalidade entre campos que, à primeira vista, parecem distantes, mas que se revelam profundamente conectados.

Hoje, como professor associado da UFC, atua nos cursos de Economia Ecológica e Ciências Econômicas, além de integrar o mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prodema), onde orienta pesquisas que buscam compreender e transformar o presente.

Ao O POVO, ele falou sobre essas tensões e sobre como modelos que desprezam os ecossistemas tendem a gerar mais malefícios que benefícios, tanto no plano ambiental quanto no humano.

O POVO - Queria que o senhor começasse explicando a relação entre economia e meio ambiente. Por que costumamos enxergar esses dois temas como se fossem separados e, afinal, de que forma eles se conectam?

Fábio Sobral - É uma pergunta bem ampla. Eu trabalho com Economia Ecológica, que é uma abordagem mais recente da economia — "nova" desde 1971. Ela se baseia na seguinte percepção: na natureza, os sistemas estão sujeitos à lei da entropia, um princípio da termodinâmica segundo o qual, muitas vezes, um sistema sofre transformações que o tornam, digamos, inacessível.

Ao longo da história, o pensamento econômico desprezou a natureza, enxergando os recursos naturais apenas como meios para produzir mais e lucrar mais. Durante cerca de 300 anos foi assim. Civilizações antigas, no entanto, já compreendiam que não se podia desgastar a terra ou os rios sem comprometer a própria sobrevivência. Havia essa consciência ecológica. A nossa sociedade, infelizmente, ainda luta para desenvolver essa percepção.

Usamos os recursos como se fossem inesgotáveis. No início da economia moderna, acreditava-se que a Terra era imensa e que, portanto, não havia risco de esgotamento. Mas hoje sabemos que o planeta é pequeno e que seus recursos são finitos.

Durante muito tempo, os economistas ignoraram essa realidade. Só a partir de certo ponto alguns passaram a reconhecer a importância da natureza e da ecologia, percebendo que a economia não é separada do meio ambiente. (...)

Quando elementos naturais são destruídos, a natureza cobra um preço — e, inclusive do ponto de vista econômico, pode sair muito mais caro. Basta observar o que acontece, de forma recorrente, no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. Quando não se respeita a natureza, a própria economia é abalada, pois são destruídas as condições básicas de funcionamento do clima, do sistema de chuvas, da fauna, da flora e do microclima.

Se você retira uma floresta, aumenta o número de pessoas com problemas respiratórios. Os gastos do Sistema Único de Saúde crescem com internações. Pessoas morrem por poluição. Há também aumento de casos de depressão pela ausência de contato com a natureza. Aquilo que, em um primeiro momento, parece favorecer a economia porque "gera empregos", acaba custando muito mais caro a longo prazo.

As consequências incluem inundações. Muitas áreas — como aquela região da BR — eram pantanosas, cheias de riachos. Quando são aterradas, as enchentes se tornam inevitáveis. Além disso, há expansão de mosquitos transmissores de doenças como dengue, chikungunya e zika. Pessoas morrem por causa disso. Ou seja, o impacto não se limita às árvores e animais destruídos; ele é profundo e duradouro.

Isso revela dois tipos de visão: a imediatista, que enxerga a natureza como obstáculo e acredita que destruí-la é economicamente vantajoso; e a visão ecológica, que entende a natureza como parceira da vida. A primeira é atrasada e arcaica; a segunda é a única capaz de garantir o futuro.

Precisamos ser amigos da natureza. Quando ela funciona bem, não é necessário construir sistemas caros de drenagem, porque o solo e as plantas naturalmente absorvem a água. Isso reduz gastos com saneamento e saúde, melhora a qualidade de vida e torna a cidade mais bonita.

O problema é que muitas vezes adotamos a lógica do cimento e do asfalto, impulsionada por interesses do setor imobiliário — muitas vezes de pessoas que nem moram aqui, mas lucram com a destruição e, no fim de semana, vão para outras regiões "curtir a natureza".

As cidades precisam ser adaptadas à convivência com o meio ambiente. Um exemplo disso é o conceito de "cidade esponja", criado por um arquiteto chinês que faleceu recentemente em um acidente de avião no Brasil. Ele defendia que as cidades deveriam ter áreas verdes suficientes para absorver a água, ser "amigas" da água, das plantas e dos animais.

Esse é o conceito mais avançado. O que aplicamos, infelizmente, é o mais atrasado: o da destruição, do aterramento, da falta de preocupação com o clima e com o aquecimento global.

Se nada mudar, a elevação das temperaturas pode tornar a vida no Nordeste — e especialmente no Ceará — muito difícil, em alguns lugares até insuportável. E, em vez de proteger a natureza, ainda defendemos que é preciso destruí-la para criar empregos. Isso é um erro grave e um desrespeito à própria lei da vida.

OP - De que maneira a degradação ambiental afeta o equilíbrio climático e sanitário de uma região a longo prazo?

Fábio Sobral - Às vezes, os impactos aparecem até no curto e médio prazo. No curto prazo, pode haver uma elevação da temperatura na área e uma expansão do número de organismos e patógenos que causam doenças.

Ao mesmo tempo, essas alterações podem provocar, também a curto e médio prazo, inundações no local e aumento de casos de doenças respiratórias.

Já a longo prazo, a consequência pode ser ainda mais grave: a área passa a contribuir para o aquecimento local, tornando o Ceará uma região ameaçada de se tornar insustentável do ponto de vista climático, em razão do aumento contínuo da temperatura.

OP - Quando olhamos para essa relação entre economia, meio ambiente e desigualdade, é possível dizer que os efeitos desse tipo de empreendimento recaem de forma desproporcional sobre a população mais pobre da cidade?

Fábio Sobral - Sem dúvida. Ao redor do aeroporto (de Fortaleza), a temperatura média tende a subir, e essas pessoas vão gastar mais com energia elétrica. São justamente elas que vivem, em geral, nas áreas mais sujeitas a inundações, com sistemas de saneamento básico precários e maior exposição a mosquitos e às doenças que eles transmitem.

Essas populações também perdem o contato com o verde, passando a viver em meio apenas ao cimento. São elas que sofrem diretamente as consequências da degradação ambiental.

Isso é o que se chama de Justiça Ambiental — ou, neste caso, injustiça ambiental. É um conceito que surgiu nos Estados Unidos e descreve exatamente essa situação: os mais pobres acabam arcando com as violências cometidas contra a natureza e sofrendo essas violências em sua própria pele.

OP - Há uma forma de mudar essa lógica que estamos vivendo?

Fábio Sobral - Acho que o Ministério Público do Ceará deveria cumprir a lei e, além de embargar a obra, obrigar a empresa a restaurar a floresta. Restaurar também os riachos aterrados — veja que crime ambiental — e recuperar a lagoa, que foi profundamente afetada pelo desmatamento.

Além disso, a empresa precisa realizar o que chamamos de refaunação, isto é, reintroduzir as espécies de animais que originalmente habitavam aquela área.

Também deveria ser responsável por financiar programas de educação ambiental, voltados tanto para escolas públicas quanto particulares. Esses programas poderiam incluir visitas guiadas à floresta, com biólogos, biólogas e professores, mostrando à população a importância da preservação e da convivência com aquele ecossistema.

É fundamental, inclusive, abrir a recuperação da floresta à sociedade. A cidade não pode viver isolada dela. Fortaleza precisa perceber a importância dessa área verde e abraçá-la como parte essencial da sua identidade.

Fortaleza já teve florestas lindíssimas no passado, que foram todas devastadas. Está na hora de criarmos programas de recuperação, ainda que parcial, desses espaços. É uma forma de reconectar a cidade com sua história e com a natureza.

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