Logo O POVO+
O guardião das nossas memórias de guerra
Aguanambi-282

O guardião das nossas memórias de guerra

Administrador de Monumento na Itália reclama mais reconhecimento à história das forças da FEB
Edição Impressa
Tipo Notícia
FORTALEZA ,CE, BRASIL 12-03-2019: Mario Pereira Veterano de Guerra(Gustavo Simão/ Especial para O POVO) (Foto: Gustavo Simão   12/03/2019)
Foto: Gustavo Simão 12/03/2019 FORTALEZA ,CE, BRASIL 12-03-2019: Mario Pereira Veterano de Guerra(Gustavo Simão/ Especial para O POVO)

Mário Pereira é filho de um gaúcho que integrava o grupo que,representando a Força Expedicionária Brasileira (FEB), foi à Itália para participação nos combates da II Guerra Mundial. No total, mais de 24 mil homens, 465 dos quais acabaram morrendo em meio aos combates e tiveram os corpos enterrados no cemitério de Pistóia, onde se ergueu um monumento em memória deles que hoje é administrado pelo próprio Mário, que substitui ao pai, o então sargento Miguel Pereira, como guardião e gestor do lugar desde 2003. Nem sempre com o apoio necessário do governo, conforme relata na entrevista abaixo.

Ítalo-brasileiro, Mário Pereira até comemora o fato de o Monumento Votivo Militar Brasileiro apresentar um procura crescente, mas, ao mesmo tempo, diz que o feito das tropas da FEB deveria merecer uma maior atenção do País. Uma visita recente do vice-presidente Hamilton Mourão ao local criou otimismo com o futuro.

Na sua última vinda ao Brasil, em março, Mário Pereira esteve em Fortaleza, para uma série de palestras e debates organizados pela prefeitura, e conversou com O POVO. Confira os trechos principais:

O POVO: O brasileiro, em geral, dá o reconhecimento merecido à participação da Força Expedicionária Brasileira, a chamada FEB, na II Guerra?

Mário Pereira: Infelizmente, não. A maioria dos brasileiros não conhece essa história e, por isso, nem sequer pode valorizá-la. O que há é um grupo razoavelmente grande de apaixonados pela história que, sim, tenta valorizá-la, atua pela divulgação, tem grupos de encenadores, da rendição no Farol, por exemplo, mas é tudo ainda restrito a poucas pessoas.

OP - Na avaliação do senhor, isso se deve a quê? Seria o caso de mudanças na forma como o ensino formal trata o assunto, é uma questão de governo....

Mário Pereira - Falei hoje, aqui em Fortaleza, com uma professora de 50 anos que admitiu que não sabia nada sobre essa história. Então, se os professores não conhecem, como é que as crianças vão aprender? Por que, pergunto ao senhor, ao longo de 75 anos essa história não foi valorizada?

OP - O senhor consegue alguma explicação?

Mário Pereira - Não (risos).

OP - Da parte do governo brasileiro, pelo menos, existe compreensão sobre a relevância histórica do fato?

Mário Pereira - Bom, já falei com alguns ministros da Defesa ao longo da minha atuação, com assessores, e, a certo ponto, resolvemos pensar em incluir uma parte consistente de um texto sobre a Força Expedicionária Brasileira nos livros de história, porque, hoje em dia, os poucos que eu cheguei a ler apresentam duas ou três linhas. Isso nunca pode despertar a fantasia de um jovem para estudar o assunto. Acontece que, infelizmente, os governos vão passando, os ministros vão mudando e não se tem nada de feito.

OP - Qual foi a grande contribuição brasileira a esse processo histórico, no entendimento do senhor? Qual característica própria nossas tropas levaram para o front?

Mário Pereira - Vamos dividir a questão em duas partes. Na parte propriamente militar, o brasileiro chegou na Itália desprevenido, mas conseguiu ultrapassar todos os limites e os problemas que se depararam, chegando até o reconhecimento do próprio inimigo. A outra parte, que é a mais importante, diz respeito à humanidade que o brasileiro conseguiu levar ao cenário dramático da guerra. Este é um aspecto que se destaca diante de todas as outras nações que participaram da II Guerra Mundial.

OP - Qual é a frequência de brasileiros ao monumento lá na Itália? O senhor recebe muitos?

Mário Pereira - Recebo muitos brasileiros, a frequência aumentou muito a partir de quando comecei a atuar lá sozinho, após o falecimento do meu pai. No momento em decidi largar meu trabalho e levar adiante a missão do meu pai, chegava ali um casal, dois casais por mês. Ali por volta de 2013 e, hoje, recebemos brasileiros diariamente.

OP - Há alguma ação oficial do governo brasileiro, no sentido de apoiar, ajudar a manter o monumento etc?

Mário Pereira - Nenhuma, incentivo nenhum. Nada.

OP - Como é, por exemplo, que as pessoas tomam conhecmento de que há esse equipamento na Itália para preservar a memória dos brasileiros que foram lutar na II Guerra?

Mário Pereira - Um pouco na base do boca-a-boca, através das mídias sociais, Instagram, Facebook essas coisas. Faço tudo sozinho, na verdade, eu sou sozinho no esforço de manter essa história lá na Itália.

OP - Como o monumento é mantido? Quem banca as despesas dele?

Mário Pereira - É mantido pelo Itamaraty, mas, da forma mais rala possível. Ou seja, o suficiente para que o monumento fique em pé, atualmente está escuro, precisa de muitas reformas, uma situação que venho denunciando há muito tempo, mas a embaixada faz corpo mole. Isso tudo gera um custo para os reparos maior do que aquele que poderia ter sido normalmente, cinco anos, dez anos atrás. Também, um empenho financeiro muito grande hoje em dia.

OP - O que chama mais atenção, no equipamento, daquelas pessoas que o visitam? O que se destaca mais?

Mário Pereira - Primeiramente, o brasileiro nem sabia da existência daquele monumento, em geral, e por isso fica boquiaberto quando se depara com ele. Ao descobrir aquela área ali, ainda hoje bonita, preservada da melhor forma possível. Depois, quem conhece um pouco do percurso e quem ouve a história geralmente sai de lá com orgulho de ser brasileiro, sentimento que não se costuma apresentar na chegada. Por quê? Porque conhece uma história que é bonita, o Brasil tem pouco mais de 50 monumentos na Itália, quase a totalidade deles oferecidos pela população como reconhecimento ao esforço daquele pessoal. Isso quer dizer que os brasileiros fizeram algo mais, a despeito de se saber que outros povos tiveram muito mais perdas, os americanos, os ingleses etc, mas os brasileiros são homenageados, são reconhecidos como verdadeiros libertadores.

OP - E estrangeiros, os não brasileiros, também visitam o monumento?

Mário Pereira - Tem, vão alguns americanos, ingleses, alemães, japoneses, mas a maioria das pessoas que atendo são, mesmo, brasileiros.

OP - O senhor tem encontrado sensibilidade do público para que o brasileiro mude um pouco a visão que tem sobre esse momento histórico e a participação do País?

Mário Pereira - Sim, sim. O que falta é divulgação e vontade do governo. Vim agora ao Brasil com despesas pagas pela prefeitura de Fortaleza, mas muitas das viagens que faço eu pago do próprio bolso. Por que a embaixada não me ajuda nisso? Até dois anos atrás tinha que pagar a passagem e ainda descontava das férias, mas hoje, graças à intervenção do adido do Exército junto à embaixada na Itália, neste momento houve uma mudança. Por exemplo, não precisei descontar as minhas férias para vir ao Ceará, agora.

OP - Do ponto de vista de quem enxerga as coisas à distância, sente alguma mudança na imagem que o mundo construiu do Brasil?

Mário Pereira - Por enquanto, sinceramente, não vejo grande mudança. Espero que aconteça, até. Espero que o governo atual valorize mais essa história da participação brasileira na guerra do que aconteceu nesses últimos 20 e poucos anos. Mas, repito, ao longo dos últimos 75 anos todos os governos que passaram...

OP - Não é problema de um governo ou outro.

Mário Pereira - Exatamente. Não é problema de um governo, é que são 75 anos sem ninguém preocupado em contar essa história. Por quê? De onde vem essa vontade de equiparar a história da FEB com o regime militar que se deu no Brasil entre 1964 e 1985? Coisa que não tem nenhuma relação, inclusive pelo fato de muitos dos veteranos terem lutado contra uma ditadura. Imagine se eles iriam querer uma ditadura no Brasil?

 

O que você achou desse conteúdo?