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"Faça o que faça, as crianças crescem e se vão", diz Carlos González
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"Faça o que faça, as crianças crescem e se vão", diz Carlos González

Para o pediatra, é muito triste ver tantos pais desperdiçando os melhores anos de suas vidas preocupados com besteiras
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Carlos González, um dos maiores ícones da atualidade em defesa da amamentação e da criação com apego (Foto: Adailma Mendes)
Foto: Adailma Mendes Carlos González, um dos maiores ícones da atualidade em defesa da amamentação e da criação com apego

Em sua primeira passagem pelo Nordeste e por Fortaleza, o pediatra catalão de renome internacional Carlos González conversou com O POVO sobre sua forma de encarar a criação das crianças. O médico é categórico em defender que pais aproveitem mais a infância de seus filhos e passem a não perder tanto tempo com preocupações tolas.

Em novembro, quando palestrou na Capital cearense sobre o tema "As necessidades afetivas da criança - sono, choro, contato físico", González conseguiu lotar um dos auditórios do Hotel Sonata com profissionais da saúde e com pais, alguns até com bebês de colo.

Para o pediatra, carinho e aconchego nunca são demais na hora de cuidar de uma criança, que requer apego como requer comida e sono.

O POVO - O que é uma criação com apego?

Carlos González - É um vínculo afetivo que é forte, persistente e significativo. O apego é uma necessidade fundamental básica da maioria, não sei se de todos, dos mamíferos e de muitas aves também. É uma necessidade básica tão necessária como comer ou respirar. Todas as crianças estabelecem uma primeira relação de apego e quase sempre é com sua mãe. A partir dessa primeira relação, vão estabelecer ao longo de suas vidas as relações de apego com seu pai, irmãos, avós, algum amigo de alma, sua esposa, seu marido, seus próprios filhos quando tiver filhos.

OP - O que não sabemos dos primeiros meses dos bebês? Existe hora certa para colocar para dormir ou para amamentar?

Carlos González - Não existem regras nem para os primeiros meses nem para nenhum outro mês. Todo mundo come e dorme quando quer. Só faltaria que justo os bebês tivessem alguma regra. O diretor do jornal em que trabalha não te pergunta a que horas você dormiu ou que hora comeu. Você faz o que quer.

OP - E o que dizer a mães que se culpam por achar que têm que estabelecer horário para amamentar? Até onde deve ir essa preocupação?

Carlos González - Provavelmente (a preocupação) se deve por conta de uma época em que nós médicos demos conselhos ridículos, absurdos e sem qualquer fundamento científico. Porque evidentemente existem crianças muito antes dos relógios e existem crianças humanas há mais de 250 mil anos.

OP - Existe uma idade indicada para até quando amamentar?

Carlos González - Até quando queira cada um. A maioria das crianças mama, se lhes deixam, entre dois anos e meio e quatro anos. Algumas crianças mamam seis, sete anos e já soube de uma criança que mamou oito anos. E existem também crianças que mamam menos de um ano.

OP - As mulheres estão mais presentes no mercado de trabalho. Logo, mais fora de casa. Essa realidade é prejudicial para a criação de apego?

Carlos González - O apego se cria sempre. Mesmo as crianças mal-tratadas têm apego. A separação é ruim para a criança e para sua mãe. Eu que também tenho apego com a minha esposa, gosto de estar com ela. E quando não estou com ela, sinto a falta dela. E não estou bem. Muito mais um bebê pequeno que não tem, que não entende nenhuma coisa, não pensa em outra coisa. Seguro que uma mãe sofre por ter que se separar de seu filho de três, quatro meses, por ter que ir trabalhar. Mas ela pensa e sabe que tem que fazer assim porque é o melhor para a família, porque assim ganho dinheiro para comprar comida. O bebê não pode pensar tudo isso. O único que pode pensar o bebê é que a mamãe não está. E disso ele não gosta.

OP - Existe uma forma de tentar amenizar esse sentimento?

Carlos González - Nos países avançados, o que se tem é mais de um ano de licença maternidade, como na Suécia, Noruega. Na Espanha só temos quatro meses. Aqui também. Pois que culpa têm nossos filhos de não terem nascido na Suécia? Nossos filhos necessitam tanto de suas mães como os bebês suecos, mas nossos governos não levaram isso em conta.

OP - Os pais hoje estariam com mais culpas quanto à criação dos filhos?

Carlos González - As mães têm uma tremenda tendência em se sentirem culpadas por tudo. Pelo que fazem mal e pelo que fazem bem também. Umas se sentem culpadas por não terem dado suficientes frutas às crianças, e outras porque não colocaram na creche que ensina inglês e chinês e inglês e motricidade. "Ele desperta pela noite e sei que é por minha culpa, fiz algo mal" (dizem as mães ao médico). Pois "Não é sua culpa, senhora, as crianças são assim".

OP - Como é então aproveitar os momentos com os filhos?

Carlos González - Se tem que aproveitar, pois faça o que faça, as crianças crescem e se vão. É muito triste ver tantos pais desperdiçando os melhores anos de suas vidas preocupados com besteiras.

OP - Que besteiras?

Carlos González - Todo tipo de besteira. Nas consultas a pediatras, a maioria das crianças não têm nada importante. Uma criança com leucemia, eu vejo uma vez ao ano. Um pai dizer que traz o filho porque tem febre, tem diarreia, é a minoria. A maioria que faz fila no consultório do pediatra é: "(Meu filho) não quer verdura", "Não come bem as frutas", "Desperta muito pela noite", "Puxa muito a orelha", "Anda de ponta de pé", "Ainda não se senta". Besteiras que cinco anos depois serão piadas e trinta anos depois serão as melhores recordações de suas vidas. E essas melhores recordações de sua vida, no lugar de as desfrutar, quando estão ocorrendo, (os pais) estão preocupados pensando se aquilo está bem ou se está mal. Se fizeram bem ou se fizeram mal. Por favor, coloque o seu filho nos braços, lhe dê beijos e brinque com ele. E é isso.

OP - Qual a diferença entre uma criação com apego e superproteção?

Carlos González - Há gente que diz que cria as crianças com apego, mas na realidade esse é um conceito errôneo. Pois é como dizer que se cria criança com alimentação. Sem alimentação se morre de fome. Todas as crianças têm alimentação e têm apego. E a superproteção, como evitá-la? Eu vou levar meus filhos em um carro sem cinto de segurança? Dizer que escove todos os dias os dentes é superproteção? Minha obrigação é proteger meus filhos. Mas insistem em usar a palavra superproteção contra mães e pais para insultá-los. Para um pai que na verdade protege muito os seus filhos ninguém deveria dizer que ele está os superprotegendo, mas sim felicitá-lo. Dizem que os estão superprotegendo quando os coloca nos braços, quando os trata com carinho. Então para quê ter filhos? Eu penso que quando decidimos ter um filho, estamos pensando em colocá-lo no braço, lhe contar histórias, lhe fazer cosquinhas, lhe levar ao parque. Como temos filhos para isso (tudo) e logo depois esquecemos dos objetivos e nos dedicamos a brigar com eles, a castigá-los, a gritar com eles. É um absurdo. Não estamos desfrutando dos nossos filhos.

OP - O senhor vê mudanças no comportamento dos homens na criação dos filhos? Como está o papel masculino nesse processo?

Carlos González - Eu creio que os homens sempre estiveram presentes. Existem muitas espécies animais que o macho vai e desaparece, como no filme Bambi. Ao final aparece o pai, ali longe, quando não aparecia por todo o filme. Assim são os cerdos. O ser humano é uma das poucas espécies que normalmente o macho fica com a fêmea e com as crias. Mas qual é o papel concreto segundo as épocas, as culturas e as famílias? E está bem que em algumas famílias, alguns pais optem por ficar com o bebê, lhe dê banho e troque sua fralda. Mas não creio que possamos desprezar outras famílias que optaram por outras maneiras de participar, como pode ser o pai trabalhar muitas horas para ganhar suficiente dinheiro para a mãe poder ficar com seu filho e desfrutar. Isso também é uma forma de colaborar. O que não colabora é o que abandona sua família. Mesmo nas épocas mais machistas da história, um homem que abandona sua mulher e seus filhos não é admirado pelos outros homens, é um sem vergonha. Um bom homem, no século XIX, XV ou VIII, sempre foi o homem que mantém sua família, que os alimenta, que os cuida e que os defende.

Vinda ao Nordeste

O médico espanhol Carlos González é um dos pediatras mais famosos do mundo e esteve pela primeira vez em Fortaleza no dia 17 de novembro de 2019. Foi a segunda vinda do autor ao Brasil e a primeira ao Nordeste.

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