Dezenove policiais militares e o vice-prefeito de Milagres, o médico Abraão Sampaio de Lacerda, foram denunciados pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) pela tragédia ocorrida em Milagres. O caso, uma tentativa de assalto ao Bradesco e ao Banco do Brasil (BB) ocorrida na madrugada de 7 de dezembro do ano passado, terminou com 14 mortes. Entre as vítimas, seis reféns.
Quinze dos 19 PMs responderão por homicídios qualificados. Uns responsabilizados pelos assassinatos de cinco reféns da mesma família e outros pela execução de fugitivos já rendidos "pelos agentes, quando deveriam ter sido presos e conduzidos para a Delegacia de Polícia", segundo o texto da denúncia.
Quatro policiais, entre eles, o coronel Cícero Henrique Beserra Lopes (então comandante do Batalhão de Choque), o tenente Joaquim Tavares de Medeiros Neto, o sargento Antônio Natanael Vasconcelos Braga, o tenente Georges Aubert dos Santos Freiras (secretário da Segurança de Milagres) e o civil Abraão Sampaio de Lacerda (vice-prefeito) foram denunciados por "fraude processual". Segundo os dez promotores que assinaram a peça de acusação, o grupo alterou a cena do crime.
De acordo com o MPCE, minutos depois da matança de cinco reféns da mesma família por PMs do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate), o vice-prefeito "estacionou seu veículo próximo às agências bancárias e, com o objetivo de alterar a cena do crime e induzir em erro a conclusão da perícia forense, passaram os três, com a ajuda de outros policiais não identificados, a retirar os corpos das vítimas João Batista Campos de Magalhães, Gustavo Tenório dos Santos, Cícero Tenório dos Santos, Claudineide Campos de Souza e Vinícius de Souza Magalhães (da mesma família), alvejados e mortos ao lado do Banco Bradesco", escreveram os promotores.
A família pernambucana, que vinha de São Paulo e atravessava o Cariri cearense para passar as festas de final de ano em Serra Talhada, foi executada com 30 tiros de fuzis por três policiais do Gate (veja quadro na página 14).
Embora o Ministério Público tenha denunciado 20 pessoas pela tragédia em Milagres, O POVO apurou que a denúncia não agradou a comissão de delegados da Polícia Civil que investigou o caso. Uma fonte avaliou que o MPCE teria "aliviado" para os PMs que executaram seis inocentes e oito "bandidos". Além de ter deixado fora da acusação outras personagens que contribuíram para o que aconteceu no Cariri cearense.
A comissão de delegados, de acordo com apuração do O POVO, acertou com os promotores que seriam pedidas as prisões dos PMs. No entanto, o MPCE solicitou à Justiça apenas o afastamento dos envolvidos na carnificina. Demanda que foi negada pelo juiz da comarca de Milagres.
Outro ponto de discórdia entre delegados e promotores recai sobre a morte da refém Edneide da Cruz Santos. Os PMs responsáveis pela morte dela, segundo a denúncia, agiram em legítima defesa.
Contactado pelo O POVO, o secretário da Segurança Pública do Ceará, André Costa, e comandante da PM, coronel Alexandre Ávila, não quiseram comentar sobre o teor da denúncia do MPCE.
O POVO solicitou autorização para conversar com os PMs denunciados. O coronel Ávila afirmou "que entrevistas são de cunho pessoal e não são sujeitas a permissões, entretanto é vedada a manifestação em nome da instituição".
Leia mais na página 14
Morte de sexta refém ocorreu em legítima defesa, diz MP
A morte da refém Francisca Edneide da Cruz Santos, 49, foi entendida como resultado de disparos efetuados por um policial militar em legítima defesa. De acordo com a denúncia do Ministério Público Estadual (MPCE), o PM atirou ao se deparar com a aproximação de um veículo utilizado pelos assaltantes.
Na ação, também morreu Cássio José Gerônimo da Silva, um dos criminosos. Francisca Edneide havia sido tomada como refém no momento em que ia do aeroporto de Juazeiro do Norte para Brejo Santo. Ela havia acabado de desembarcar de São Paulo e tinha sido buscada pela mãe, o pai e o irmão.
Os quatro foram divididos em duplas; Edineide ficou junto com a mãe em um Celta, onde morreu. "Em nenhum momento houve uma abordagem policial com cautela, haja vista que os militares foram logo atirando", consta no termo de reinquirição da sobrevivente, que ainda acrescentou que não foi usada como escudo humano e que os assaltantes não dispararam contra os PMs.
O pai e o irmão de Edineide foram postos pelos assaltantes sentados na calçada.Em depoimento à Polícia, o pai de Edineide disse que não houve verbalização por parte dos PMs, que chegaram atirando. "Diversos tiros foram dados em direção ao mesmo e em direção ao seu filho, não tendo sido atingidos por sorte", consta em seu termo de reinquirição.