Os dizeres no título deste texto que você lê foram lembrados por Fernanda Young na noite do último sábado, 24. Uma simples fotografia feita pelo celular retratando a sala da casa de campo da família, em Minas Gerais, levou a lembrança da canção O Quereres, de Caetano Veloso, na rede social Instagram, onde Fernanda postou a imagem e o trecho da música. Horas depois, a escritora carioca, conhecida por um humor provocativo, morreu. Foi na madrugada de domingo, 25, aos 49 anos, no sítio de sua família localizado na cidade de Gonçalves. Fernanda sofreu uma crise de asma seguida de parada cardíaca. A doença respiratória acompanhava a artista desde a infância.
O velório e o sepultamento, aberto ao público, ocorreram ainda no domingo, à tarde, no cemitério Congonhas, em São Paulo. Fernanda deixa o marido Alexandre Machado, com quem trabalhou junto como roteirista, e quatro filhos: duas gêmeas de 19 anos, uma menina de dez anos e um menino de nove. Mas Fernanda deixa muito mais. Deixa órfã uma legião de fãs, amantes de sua forma de ver o mundo, sem venda ou papo na língua, totalmente entregue e à flor da pele.
Autora de 14 livros, Fernanda trabalhou também como atriz, apresentadora e roteirista. Ela se foi, mas a visão poética que tinha sobre a vida permanecerá nas obras, que tocaram na alma do público de um jeito sério com cara de engraçado, sem censura, com o jeito Young de ser, que vê seriedade diante da "anormalidade" do rir e vice-versa. Fernanda era uma contadora de histórias. Entre as obras na TV estão Os Normais (2001-2003), Os Aspones (2004), Como Aproveitar o Fim do Mundo (2012), O Dentista Mascarado (2013), Odeio Segundas (2015).
A multiartista estrearia peça no próximo 12 de setembro, ao lado de Fernanda Nobre, intitulada Ainda Nada de Novo, em São Paulo. A autora do Pos-F, seu último livro publicado em vida, em 2018, se preparava para um mundo totalmente novo. Ainda Nada de Novo seria o início de um desafio. Não haverá duas Fernandas no palco. Apenas uma, Fernanda Nobre, com quem dividiu os ensaios. "Que dor, que dor!", lamentou a atriz no Instagram.
Presente na vida de tanta gente lá nos anos 2000, a série Os Normais, foi uma das obras mais populares de Fernanda, fruto da parceria profissional com o marido. O roteiro dos dois filmes também é assinado pelo casal, com exceção do primeiro, que ganha mais uma mente, a do cineasta Jorge Furtado. "Tantos lindos trabalhos e muitas conversas inspiradoras divertidas e intensas assim como sempre foi o nosso convívio", legendou Luiz Fernando Guimarães, o Rui, também no Instagram.
A cineasta Luciana Vieira, consultora de roteiros no Laboratório de Cinema do Porto Iracema das Artes, explica que a artista expressou inovação dentro da dramaturgia, principalmente no humor, devido à ousadia em "experimentações estéticas". "Em Os Normais, por exemplo, as personagens quebram a 'quarta parede' e conversam com o público", exemplifica. Outro destaque é sobre o humor "ácido e irônico" da roteirista, em que era manifestado traços de irreverência e até feminismo. "Isso era comum nos tempos atuais, mas nos anos 2000 era algo a frente", finaliza.
"Eu conheci a obra da Fernanda Young por meio de Os Normais, acho que muitas pessoas também", conta o artista cearense Eduardo Bruno. " Depois eu fui entrando em contato com os livros dela. Eu me lembro do livro O Pau, um livro que quando você olha na estante, já vê que ele vai ser provocativo, e outro que eu acho muito interessante, que é o Dores do Amor Romântico, com textos mais curtos. Mas meu acesso mesmo foi por aquele tipo de humor, cotidiano, muito bem feito em Os Normais, que me fez descobrir a obra dela. Foi algo que me pegou. Gosto desse estilo provocativo, um pouco ácido, que ela tinha na escrita", conta o artista, que chegou a decorar frases da série para usá-las no dia a dia.
Fernanda Young, sem dúvidas, tinha uma assinatura muito específica. Sua verdade era estampada em carne viva. Era sensível ao tempo que, talvez, não pertencesse. Era liberdade, alegria, força e criatividade.
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