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Homicídios cometidos por suposto grupo de extermínio são investigados
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Homicídios cometidos por suposto grupo de extermínio são investigados

Investigação vê ligação entre três crimes de morte, sendo um triplo homicídio. PM está preso por um deles
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As investigações de três crimes de morte, ocorridos entre 31 de janeiro e 3 de fevereiro últimos, apontam, conforme o Ministério Público Estadual (MPCE), para a "possível existência de um grupo de extermínio". A expressão é usada em um parecer do MPCE de 26 de setembro último e tem como base as investigações da Polícia Civil. A peça-chave do suposto esquema é o soldado Luis Mardônio Moraes da Silva, preso acusado de cometer um dos homicídio, ocorrido no bairro Planalto Ayrton Senna. Ele ainda foi indiciado por um outro crime, ocorrido em 31 de janeiro, no bairro Barra do Ceará. Este crime, conforme inquérito policial, ao qual O POVO teve acesso, possui características semelhantes a um triplo homicídio no bairro Jacarecanga, ocorrido em um espaço curto de tempo em relação ao da Barra do Ceará.

O crime pelo qual Luis Mardônio foi preso ocorreu em 3 de fevereiro e vitimou Samuel Peixoto de Morais. Ele foi morto após ser abordado por três homens que se identificaram como policiais civis. O veículo usado pelos criminosos, modelo Chevrolet Classic LS, foi encontrado com Luis Mardônio um dia depois. O PM foi preso em flagrante. Conforme a investigação, o carro havia sido apreendido em 2017, sendo recolhido ao pátio de um batalhão da PM localizado em Pacatuba, de onde sumiu sem registros. Em depoimento, o soldado afirmou ter comprado o carro na Feira da Parangaba, depois do crime que vitimou Samuel.

Na denúncia, o MPCE rebate a tese, afirmando que, consultando-se o Sistema Indicativo de Abordagem (Spia), "observou-se não haver registro de nenhum indicativo de que o veículo encontrado na posse de Luis Mardônio Moraes da Silva tenha realizado deslocamento do Bairro Parangaba para o Município de Caucaia-CE, a partir das 17 horas do dia 3 de fevereiro de 2019, conforme afirmara em depoimento". Além disso, cita o MP, fotossensor registrou diversas passagens do carro nas proximidades do local onde mora Mardônio.

No momento da prisão do soldado, foi apreendida uma uma pistola calibre .40. Exame de comparação balística feito na arma apontou que a pistola é compatível com projétil encontrado no corpo de Adenilton Gadelha dos Santos, de 22 anos, morto na Barra do Ceará. Apesar de Mardônio ter sido indiciado pelo crime, o MPCE pediu mais diligências e ainda não apresentou denúncia.

Minutos após o crime que vitimou Adenilton, três pessoas foram mortas dentro de uma casa do bairro Jacarecanga. A Polícia Civil suspeita que os crimes tenham relação entre si. As vítimas desse crime eram pai, mãe e filho: respectivamente, Francisco Adriano do Nascimento Gregório, Janaína Carneiro da Silva e Anderson Mendes do Nascimento. "De acordo com o modus operandi e as características do veículo, existe a probabilidade do crime ocorrido no bairro Planalto Ayrton Senna ter sido praticado pelo mesmo grupo de infratores dos homicídios ocorridos no dia 31/01/2019, nos bairros Barra do Ceará e Jacarecanga", conclui relatório final no inquérito que apura a morte de Samuel.

Acusado rebate acusações e nega pertencer a grupo de extermínio

Em depoimentos à Polícia Civil, o policial militar Luis Mardônio Moraes da Silva negou pertencer a um grupo de extermínio. Também negou envolvimento nos crimes atribuídos a ele. O PM disse ainda que a sua arma não foi usada em nenhum crime, assim como não a emprestou a ninguém. Apesar de réu pelo crime no Planalto Ayrton Senna e indiciado pela Polícia no caso da Barra do Ceará, não existe acusação formal contra Mardônio — e contra mais ninguém — pelo triplo homicídio na Jacarecanga.

O advogado Paulo Dias, que representa o soldado, destaca que a Perícia Forense já atestou não haver como precisar se o carro usado no assassinato de Samuel Peixoto de Morais é o mesmo usado no crime que vitimou Adenilton Gadelha dos Santos. Neste último crime, as placas dos veículos não foram identificadas.

O defensor ainda rebate outra das provas elencadas na investigação, a compatibilidade entre a arma apreendida com Mardônio e os projéteis encontrados na cena do crime da Barra do Ceará. Segundo ele, há uma "falha grave" no exame, que é questionada, inclusive, pela própria Polícia Civil. "Os projéteis que teriam saído da arma do Mardônio são completamente diferentes do padrão da arma dele. A arma é uma .40 e o milímetro e a massa dos projéteis são diferentes. Então, qualquer pessoa que entenda de Perícia vai saber ou partiu de uma arma semelhante, mas não tem condições daquele projétil sair daquela arma".

Sobre não haver registro do trajeto do veículo de Parangaba a Caucaia, como relatado pelo soldado ao dizer que comprou o carro na Feira da Parangaba, Dias afirma que a Polícia Civil não foi "atrás do trajeto". Foi o MPCE que fez essa ilação, ele afirma. Na denúncia, ainda é citado que Mardônio teria sido reconhecido por uma das vítimas, mesmo usando balaclava. O advogado, porém, rebate dizendo que a testemunha confirmou, em juízo, que foi coagida na delegacia a chegar a essa conclusão.

Conforme o promotor Francisco de Assis Barbosa, a única pendência para o julgamento do caso do Planalto Ayrton Senna é uma perícia no carro apreendido, exame solicitado pela defesa do acusado. Neste caso, ele é julgado por latrocínio. (Lucas Barbosa)

Linha cronológica dos crimes citados

31 de janeiro. 5:00

Bairro Barra do Ceará

Adenilton Gadelha dos Santos é assassinado a tiros dentro de casa. Conforme inquérito da Polícia Civil, testemunhas contaram que os criminosos ocupavam três carros. Cinco homens entraram na casa afirmando serem policiais civis. Um deles teria dito a Adenilton: "tu responde a homicídio". Em seguida, passou a atirar. A vítima foi morta na frente da mãe e dos irmãos, de 10, 12 e 16 anos. Após cometer o crime, o grupo gritou o nome da facção criminosa Comando Vermelho. Outra testemunha ouvida no inquérito disse que os homens haviam entrado, momento antes, na casa dela, onde fizeram buscas. Câmeras da torre de vigilância da Guarda Municipal no bairro registraram um comboio de quatro veículos circulando na região — inclusive, dois Corsas Classic.

31 de janeiro. 5:20

Bairro Jacarecanga

Francisco Adriano do Nascimento Gregório, Janaína Carneiro da Silva e Anderson Mendes do Nascimento são mortos a tiros dentro de casa. Duas crianças que estavam no local foram trancadas em um quarto pelos assassinos. Os relatos colhidos pela Polícia Civil apontam que os assassinos usavam balaclavas e coletes balísticos e que estavam em vários carros. Exame de comparação balística não encontrou relação entre a pistola apreendida com Mardônio e os projéteis encontrados no local do crime. Adriano tinha saído da prisão há um mês e usava tornozeleira eletrônica. As outras vítimas não tinham passagem pela Polícia. No local do crime, foram pichadas mensagens em alusão à facção Guardiões do Estado. Outra pichação dizia "Vai te mais" (SIC).

3 de fevereiro. 5:00

Bairro Planalto Ayrton Senna

Samuel Peixoto de Morais é morto a tiros em frente a um motel. Conforme denúncia do MPCE, a vítima estava com outras quatro pessoas em um carro de aplicativo, quando o veículo foi parado por três homens que usavam balaclava. Eles se identificaram como policiais civis e passaram a revistar os ocupantes do carro. Também perguntaram se alguém do grupo tinha antecedentes criminais. Samuel disse que respondia a uma receptação e uma tentativa de assalto, "mas que já tinha acertado com a Justiça", conforme disse uma das testemunhas. Segundo a fonte, terminada a abordagem, os supostos policiais pegaram pertences das vítimas, incluindo o celular de Samuel. Quando a vítima exigiu o aparelho de volta, um dos supostos policiais empurrou-o e atirou. Além de Samuel, um outro homem foi baleado, mas resistiu. O promotor Francisco de Assis Barbosa conta que as duas vítimas eram as únicas ocupantes do carro a terem antecedentes criminais.

MAIS

Já recolhido ao Presídio Militar, Luis Mardônio foi autuado por desacato e resistência. Durante cumprimento de mandado de busca e apreensão, o soldado foi flagrado usando um celular. Luis Mardônio teria se negado a entregar o aparelho e, em seguida, quebrado-o. Conforme o MPCE, a perícia no celular não produziu provas sobre os crimes

 

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