Beatriz Rodrigues é coordenadora de Transporte Público do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) e pesquisa, principalmente, sobre a integração entre sistemas de transporte e a correlação com planejamento urbano.
O POVO - Por mais que a Política Nacional de Mobilidade Urbana determine a "equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo", somente 30,1% dos municípios brasileiros, segundo o IBGE (com dados de 2017), oferecem o serviço. Ou seja, a maior parte dos cidadãos brasileiros não tem esse acesso. Como é possível contornar essa situação?
Beatriz Rodrigues - Além de ser serviço essencial à toda população, o transporte público coletivo é um direito social, garantido pela Constituição Federal. O transporte público coletivo é o principal modo de transporte utilizado nas principais regiões metropolitanas brasileiras, responsável por 40% das viagens realizadas. Nas regiões metropolitanas e na maioria das cidades brasileiras, grande parcela da população acaba por viver longe das áreas que são atendidas por esses sistemas. Sua importância é ainda maior para populações mais vulneráveis do ponto de vista de mobilidade, como crianças, mulheres, pessoas de baixa renda e pessoas com mobilidade reduzida. Isso fica claro, por exemplo, quando os custos que a população têm com o transporte chegam a ser maior do que os custos atrelados à alimentação. É, portanto, de suma importância que os sistemas sejam pensados de forma inclusiva e sustentável, para permitir o acesso da população aos diversos serviços, oportunidades e opções de lazer que existem no território. Para tal, se faz necessário entender e envolver a população na elaboração e desenvolvimento de políticas e estratégias para o planejamento de transportes. A participação social na elaboração do plano diretor e do plano de mobilidade das cidades é um exemplo disso, e deveria ser amplamente explorada.
OP - Quais são, atualmente, os principais entraves para o desenvolvimento do transporte público nos municípios brasileiros?
Beatriz - O Estado e os municípios possuem papel central para oferta de transporte público. De acordo com a Política Nacional de Mobilidade Urbana, cabe aos municípios planejar, executar e avaliar a política de mobilidade, promover a regulamentação dos serviços de transporte urbano e prestar, direta, indiretamente ou por gestão associada, os serviços de transporte público coletivo urbano. Para cumprir com essas atribuições é essencial que os municípios possuam departamentos especializados, com corpo técnico capacitado e em número adequado para prestar o serviço e/ou dialogar, estabelecer regras e fiscalizar a operação prestadas por empresas privadas.
OP - O transporte público coletivo é essencial para cidades com quais perfis? Fatores como, por exemplo, densidade urbana e contingente populacional, devem ser considerados para o investimento no modal?
Beatriz - O transporte público coletivo apresenta uma maior capacidade frente aos veículos individuais motorizados e, consequentemente, maior eficiência do ponto de vista ambiental. Entretanto, na maioria das cidades brasileiras, as intervenções urbanas permanecem a favor da circulação do transporte individual motorizado, como o carro ou a moto. A priorização viária é um exemplo disso. Um levantamento realizado pelo IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) aponta que o maior valor de prioridade viária dentre as principais capitais brasileiras é de 4%, valor ainda muito aquém do necessário. Apesar de contarmos com uma rede ampla de corredores de média e alta capacidade nas cidades brasileiras, somente 20% da população das maiores regiões metropolitanas se encontra próxima desses modos de transporte. Esta situação ainda é mais agravante se considerarmos questões de raça, gênero e renda. Isso não apenas gera impactos na diferença de emissão de poluentes de ambos os modos, trazendo externalidades negativas à saúde e ao meio ambiente da população, como afeta o quotidiano e a qualidade de vida de milhares de pessoas.
OP - Como municípios pequenos podem angariar recursos para investir em transporte público? E como devem se planejar, em termos de diagnóstico e de execução de ações, para que esse investimento tenha os efeitos positivos esperados? Ou seja, para que atenda, de fato, às demandas de deslocamento da população?
Beatriz - Investimentos em mobilidade urbana sustentável, eficiente e com combustíveis limpos baseados nas estratégias de Evitar, Mudar e Melhorar são a solução. As medidas podem ser desde o desestímulo ao uso do automóvel (por exemplo, por meio de fiscalização e gestão na disponibilização de vagas nas vias e fora delas), ao estímulo a modos de transporte mais sustentáveis (priorização e exclusividade a modos de transporte público coletivo; expansão e aprimoramento das infraestruturas cicloviárias e de pedestres; implantação de zonas de baixo ou zero carbono). Os investimentos para o transporte público podem, inclusive, fazer uso de algumas destas medidas, dado que os custos operacionais dos sistemas podem vir desde fontes vindas do próprio sistema (receitas acessórias), ou por meio da utilização de modos menos sustentáveis (como contribuições aportadas por usuários de automóveis privados a um fundo de mobilidade) ou do desenvolvimento urbano e da valorização imobiliária decorrente da implantação dos corredores de maior porte.