Meu nome é Benício, e sou indígena Pitaguary em contexto urbano aqui na cidade de Fortaleza. Até o fim do ano passado, eu tinha uma rotina fixa de todas as manhãs pela Cidade, um rotina diária que perdurou quatro anos. Eu sou recém-formado em Geografia pela Universidade Federal do Ceará e, durante quatro anos, o departamento de Geografia foi o lugar que eu mais estava e gostava da Cidade, era o lugar onde encontrava meus colegas e professores, lugar de conversa, lugar de alegria, lugar de aprendizado e mais do que tudo um lugar de pertencimento.
Foi lá onde tive meus primeiros estudos com mais profundidade sobre a relação do homem e natureza e como essas relações implicam diretamente na maneira de ocupar e se relacionar com o espaço geográfico e como foi estruturado todo um sistema de existência, que envolve saúde, educação, economia, segurança pública etc. Esse sistema que me permitia ter minha rotina diária, de sair cedo e pegar ônibus, terminal de ônibus, pegar outro ônibus e chegar na Universidade, andar mais 20 minutos e chegar no meu departamento, ver colegas e professores e ter aula.
Durante esse percurso eu via todos os dias a mesmas pessoas fazendo as mesmas coisas. E hoje, no cenário de pandemia, é tão incrível que um ser tão pequeno que nem podemos ver afetou todo um sistema que levou anos para se estabelecer. E de repente não vejo mais as mesmas pessoas de todos os dias, fazendo as mesmas coisas. Temos de ficar em casa, para que um dia possamos voltar para nossas rotinas diárias. Um vírus que adoece não só um indivíduo, mas também toda a sociedade de maneira muito direta. Hoje estou cumprindo a quarentena na minha aldeia e está sendo um momento de muita reflexão e muita oração pelas milhares de vidas que já se foram, mas também um momento de perceber que estávamos fazendo tudo errado em cultivar rotinas que nos desgastam diariamente e devemos dar mais valor para vida e para coisas que parecem insignificantes.