Logo O POVO+
Em Fortaleza, Covid-19 em bairros muito pobres já supera os muito ricos
CIDADES

Em Fortaleza, Covid-19 em bairros muito pobres já supera os muito ricos

Analisar a velocidade de progressão da epidemia em diferentes áreas permite criar estratégias adequadas, segundo o coordenador do Centro de Inteligência em Saúde do Estado
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
PIRAMBU durante a quarentena: alta letalidade da doença está concentrada em áreas mais pobres (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE PIRAMBU durante a quarentena: alta letalidade da doença está concentrada em áreas mais pobres

Atualizada dia 16 de abril de 2020, às 12h40

A Covid-19 avança em ritmos diferentes pelos 119 bairros da Capital. Enquanto a curva de contágio aparece "achatada" nas regiões de médio e alto Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), a epidemia desenvolve-se "muito rapidamente" naquelas que se encontram nos extremos: as de IDH muito alto e muito baixo. Essa progressão foi encontrada em estudo realizado pelo Centro de Inteligência em Saúde do Estado do Ceará (Cisec).

A Cidade é dividida em cinco regiões, com base nos respectivos índices: muito alto, alto, médio, baixo e muito baixo. Enquanto 66% dos casos confirmados do novo coronavírus estão concentrados nos dois extremos, 34% deles está entre os bairros de alto, médio e baixo IDH, segundo estudo do Cisec com dados do último domingo, 12. Naquele dia, 779 casos não estavam identificados em relação ao bairro.

Acesse a cobertura completa do Coronavírus >

"Nós percebemos que não dá para encarar esse problema da epidemia como se o Ceará fosse um estado homogêneo. Nem todas as áreas do mesmo município são iguais. Então, começamos a olhar a distribuição em vários parâmetros demográficos e de desenvolvimento humano", explica José Xavier Neto, cientista-chefe da Saúde do Governo do Estado, coordenador do Cisec.

O estudo sobre a situação do IDH em Fortaleza, por bairro, foi realizado pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (SDE) tendo como base os dados do Censo Demográfico realizado no ano de 2010. Inicialmente restrita a regiões de índice muito alto, a epidemia foi, aos poucos, espalhando-se para os bairros de alto e médio IDH.

"Depois passou também para os bairros de baixo e muito baixo IDH", complementa o coordenador, que é professor do departamento de Morfologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC). "O que nós observamos foi o seguinte: a epidemia se desenvolve muito rapidamente em Fortaleza nos bairros de IDH muito alto e nos bairros de IDH muito baixo. E, basicamente, aparece, na nossa análise, 'achatada' nos bairros de alto e médio IDH."

Meireles, Aldeota e Dionísio Torres são os três primeiros lugares no ranking dos bairros de Fortaleza quanto ao IDH, segundo publicação da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, como base os dados do Censo Demográfico 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com os menores índices, encontram-se, entre outros, o Conjunto Palmeiras, o Parque Presidente Vargas e o Canindezinho.

Em 12 de abril, o número de casos de Covid-19 nos bairros mais ricos já era superado pelos mais pobres, com 308 e 332 casos respectivamente. Os óbitos, por sua vez, segundo estudo do Cisec, eram ainda mais concentrados nos bairros com IDH muito baixo. O coordenador pontua que neles a população tem menos acesso à informação, menos recursos para se proteger ou não tem acesso a serviços de saúde. A menor letalidade da doença nos bairros com maior poder aquisitivo, para o médico de família e comunidade Roberto Maranhão (Cremec 13341/RQE 7537), pode ter relação com o acesso a serviços de saúde complexos.

"Eu colocaria três fatores principais: a qualificação do corpo clínico, as condições de trabalho — aí entraria a questão dos EPIs (equipamentos de proteção individual) e da qualidade dos materiais — e a vulnerabilidade. É diferente, por exemplo, um paciente diabético que tem acesso a 'n' coisas que vão fazer com que a sua condição não se torne um fator tão agravante de uma pessoa oriunda de uma região mais periférica, de IDH mais baixo", afirma.

Para Maranhão, a crise em meio à pandemia não é apenas de saúde. "É uma crise civilizatória. Ela deixa escancarado o quanto a nossa civilização está doente, pelo fato de que, se você for fazer uma análise de qualquer país, mesmo naqueles como a Itália, em que a proporção de pessoas pobres é muito menor do que no Brasil, você vai ver que tem um recorte social muito claro, assim como teve a zika, em que a maior parte das crianças que foram vitimadas pela microcefalia eram de origem pobre."

Analisar a velocidade de progressão da epidemia nas diferentes áreas, para o coordenador do Cisec, permite criar estratégias de reforço para o distanciamento social. "Nós temos que agir e direcionar nossos esforços de quarentena para aquelas faixas de bairro", afirma José Xavier Neto.

O que você achou desse conteúdo?