A cirurgia de separação das gêmeas cearenses Maria Ysadora e Maria Ysabelle, que completam 4 anos em junho, foi inédita na medicina brasileira. Unidas pelo crânio e por parte do cérebro, as siamesas continuam evoluindo bem 19 meses após a intervenção feita em Ribeirão Preto (SP) e levam uma vida normal.
O sonho de pegar no colo uma filha de cada vez, que parecia impossível para Diego e Débora Freitas, agora é realização diária em Patacas, distrito de Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).
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Uma vez por ano, as gêmeas ainda retornam ao Hospital das Clínicas da cidade paulista, referência em neurologia, para apresentar novos exames de rotina, que comprovam um avanço excelente no quadro. "Elas estão evoluindo com as terapias de adaptação. É realmente uma evolução muito satisfatória para um caso que uniu o País todo em uma corrente do bem. Costumo dizer que o ato de separar duas pessoas acabou unindo muitas outras", comenta o médico Eduardo Jucá, coordenador do Serviço de Neurocirurgia Pediátrica do Hospital Infantil Albert Sabin, em Fortaleza. Articulador do procedimento, ele em um só tempo mudou a vida das meninas e colaborou com a medicina no Brasil.
Apesar da fisioterapia interrompida por conta da pandemia, o pai das meninas afirma que a família está sempre em contato com os médicos que as acompanharam em São Paulo e em Fortaleza. "Hoje elas têm uma vida normal, brincam, passeiam", se orgulha Diego. Ele comenta que as filhas ainda não frequentam a escola, mas planeja matriculá-las no próximo ano. Se depender dos pais, as irmãs continuarão unidas, mas somente pelo sentimento de amor que as conectam desde o nascimento.
O procedimento em Ysadora e Ysabelle foi o nono de uma das equipes médicas mais experientes do mundo à época.
Em 2018, as meninas e seus pais saíram de casa rumo a Ribeirão Preto. As gêmeas passaram por seis procedimentos no total, sendo quatro cirurgias. A primeira foi realizada no dia 17 de fevereiro de 2018. A separação se deu de forma progressiva para que os cérebros das meninas pudessem se habituar a uma vida independente um do outro. Até aquele momento, eles tinham funcionado sempre em conjunto, incluindo as mesmas drenagem venosas.
A cirurgia que as separou durou quase 20 horas e envolveu cerca de 30 profissionais entre neurocirurgiões, cirurgiões plásticos, anestesistas, enfermeiros e outros.
Após o procedimento bem sucedido, as irmãs foram assistidas de perto por fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e psicólogos. Ao todo, foram 13 meses longe de casa.
Luto
A cirurgia nas gêmeas cearenses teve a consultoria do neurocirurgião norte-americano James T. Goodrich, que havia realizado cirurgias similares com sucesso. No fim de março de 2020, ele morreu vítima do Covid-19.
"Uma situação muito rara e delicada", diz médico
Aos cinco meses de gestação, os pais das gêmeas, Débora e Diego Freitas, descobriram que elas nasceriam com uma malformação, porém somente após um exame de ressonância magnética foi possível conhecer a raríssima dimensão do caso, que ocorre uma vez a cada 2,5 milhões de nascimentos.
"No começo ficamos preocupados, mas no decorrer do tempo fomos nos habituamos", relata Diego Freitas, pai das gêmeas.
A rotina com duas crianças unidas pelo crânio não era fácil. Na maior parte do tempo, elas ficavam deitadas. O encontro com o neurocirurgião pediátrico Eduardo Jucá mudou o rumo da história. "Ele disse que daria certo a cirurgia, mas teríamos de ter paciência", afirma Diego.
O médico tomou as providências para encaminhar Maria Ysadora e Maria Ysabelle ao Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), e acompanhou todos os procedimentos cirúrgicos das gêmeas. "Uma situação muito rara e delicada. Se não fosse feito o tratamento, não seria possível uma vida plena e independente para elas", considera Eduardo Jucá.
Uma rede tecida por dedicação médica e solidariedade conseguiu manter a família em São Paulo. A família também contou com apoio público loca. A viagem, por exemplo, foi custeada pela Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa). "Foi difícil ter que deixar tudo aqui, mas graças a Deus deu tudo certo", recorda Diego.
"Eu falo que elas têm duas datas de nascimento: o dia 1º de julho é o dia em que elas nasceram, mesmo juntinhas, e que foi um aprendizado que Deus dá para quem pode superar tudo isso; e o dia 27 de outubro, que foi o dia que elas nasceram separadinhas, do jeito que era para nascerem", disse à época a mãe, Débora.