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#ExposedFortal: os relatos de garotas cearenses que se tornaram um dos assuntos mais comentados nas redes sociais
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#ExposedFortal: os relatos de garotas cearenses que se tornaram um dos assuntos mais comentados nas redes sociais

Adolescentes e mulheres vítimas de assédio e até estupro, ou que tiveram conteúdo íntimo compartilhado, levantaram a hashtag denunciando supostos agressores
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Relatos foram publicados nas redes sociais com a hashtag #ExposedFortal (Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Relatos foram publicados nas redes sociais com a hashtag #ExposedFortal

Assédios a adolescentes, fotos e vídeos íntimos partilhadas sem consentimento e até casos de estupro. Esse é o teor da hashtag #exposedfortal que, ao ser partilhada no Instagram e no Twitter, passou a reunir relatos de vítimas e se tornou um dos assuntos mais comentados do País. As denúncias iniciadas nas redes sociais e repercutidas durante o dia de ontem constam na apuração em curso na Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dceca), que deverá investigar as exposições que têm como alvos membros de um grupo de Whatsapp.

Os prints com uma lista de garotos, adolescentes e adultos, do grupo de WhatsApp, muitos conhecidos e amigos das vítimas, vazou por um dos membros. No grupo, supostamente, os homens e adolescentes, além de trocar conteúdo íntimo sem consentimento, dariam notas e até mesmo ordenariam ataques em mensagens privadas com insultos e ameaças às garotas que tiveram as fotos vazadas.

Em respeito ao que estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) o O POVO não divulga nomes dos adolescentes, vítimas ou supostos agressores, envolvidos no caso.

Antes de ser repercutido e receber dezenas de novos relatos de assédio, o assunto chegou até uma adolescente de 16 anos. Ela recebeu de um garoto fotos íntimas de amigas e prints, denunciando o grupo de WhatsApp do qual fazia parte. A garota reuniu as amigas para contar o que soube. Naquele momento, ela fala que tinha a intenção de que servisse de alerta para que as amigas não confiassem naquelas pessoas. O teor da conversa, no entanto, acabou sendo usado por uma das garotas para expor os homens. A partir daí, as denúncias de assédios e importunação sexual contra os membros dos grupos se avolumaram na Internet.

"Eu postei no meu próprio Instagram e teve uma repercussão muito grande. Eu fiquei impressionada com a quantidade de meninas que vieram falar comigo dos casos de assédio, e que tiveram fotos vazadas. Tudo relacionado aos garotos do grupo de Whatsapp", conta uma outra garota de 16. Conforme relata, apesar de não ter tido fotos expostas, ela foi abordada por alguns dos membros do grupo que, repetidamente e de forma a constranger, teciam comentários sexuais sobre seu corpo.

De acordo com ela, os garotos criaram um grupo há cerca de três anos, chamado OldSpice2.0, que foi, depois, finalizado e transferido para esse novo grupo. "Eles criaram pra expor nudes de ex-namoradas, ex-ficantes ou de meninas que confiaram neles para mandar. Aí tinham nudes, vídeos pornográficos, vídeos que eles gravaram escondido transando com as meninas. Um menino percebeu que isso poderia dar alguma coisa desagradável, aí ele printou todo o grupo e mandou pras algumas das meninas que estavam envolvidas", relata a estudante de 16 anos.

O caso chegou até o titular da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), André Costa, que pelo Twitter, afirmou ter determinando prioridade na apuração, além de solicitar que as vítimas registrem Boletins de Ocorrência (BO). "As diligências coordenadas pela delegacia especializada ocorrem no intuito de se chegar aos nomes das pessoas envolvidas, bem como identificar as circunstâncias dos casos", explica em nota a SSPDS. A pasta não confirmou quantas denúncias sobre o caso foram feitas ao longo do dia.

Algumas garotas que tiveram fotos divulgadas relataram ao O POVO o medo de serem ainda mais expostas. Uma dela se disse muito abalada com toda a proporção que o caso tomou e preferiu não falar, nem mesmo sob a condição de anonimato. Mas houve quem, diante da repercussão, se sentisse encorajada. É caso de uma outra garota, também de 16 anos, que conta que decidiu denunciar um caso de estupro de que teria sido vítima.

Em março de 2019, quando tinha 14 anos, ela teria sido estuprada por um dos membros desse mesmo grupo de WhatsApp. "Eu tinha medo de fazer a denúncia, porque ele é muito rico. E eu não tinha coragem de falar para os meus pais. Mas falei para minha psicóloga, e tenho testemunha e um vídeo da câmera de segurança. Minhas amigas, depois de tudo que foi exposto, falaram que eu devia denunciar. Só agora contei pro meu pai. E agora vou denunciar", expõe. Ela diz que, quando lembra da situação, se sente "suja", e conta que não teve mais "abertura para se aproximar intimamente de ninguém". "Deixei de fazer muita coisa na minha vida, tenho que tomar remédio pra depressão", lamenta.

Também pelas redes sociais, alguns dos expostos dizem lamentar o ocorrido, outros alegam que os relatos são mentirosos, ainda que amparados por prints. O POVO apurou que parte dos garotos expostos estão registrando BOs e devem acionar a Justiça.

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Campanha encoraja mulheres a denunciarem violências

Vítimas de assédio, estupro e que viveram algum episódio de abuso sexual tomaram coragem e denunciaram os crimes nas maiores redes sociais da internet, principalmente o Twitter. A hashtag #Exposed junto com o nome da cidade de origem dos relatos vem se espalhando pelo País neste mês de junho. Mas não só no Brasil.

A exposição de prints e denúncias já aconteceram em cidades como São Paulo, Curitiba e Aracaju. Em Fortaleza, desde a madrugada de ontem, adolescentes iniciaram o #ExposedFortaleza. As principais denúncias são de casos de assédio verbal, sexual, estupro e divulgação de vídeos e imagens íntimas sem o consentimento das vítimas.

O assunto tomou maior repercussão durante o dia e mais denúncias passaram a ser feitas, não somente no Twitter, como também no Instagram. Com mais de 50 mil tweets sobre o assunto, #ExposedFortal chegou aos assuntos mais comentados do Twitter no País, com mensagens de apoio, além da divulgação de novos casos.

Para a advogada Roberta Vasques, esse tipo de movimento, em que mulheres expõem violências sofridas em redes sociais acaba por encorajar outras mulheres para que façam o mesmo e, se há agressores comuns, as denúncias "em lote" podem ajudar na identificação e punição. "Muitas vezes a violência sofrida, principalmente quando se teve a intimidade devassada, é muito difícil externar. A rede de apoio que se forma quando se expõe é imprescindível para que a mulher se sinta fortalecida, mas é importante que haja a formalização dessas denúncias", pondera.

Esse movimento feminino em busca de justiça por crimes sexuais não é novo. Desde 2015, movimentos como o #MeuAmigoSecreto inundou a internet de denúncias de machismo e violência contra as mulheres. Outros movimentos como o #MeuAbusadorSecreto e #JustiçaParaTodasNós também apareceram nesse tempo. (Samuel Pimentel)

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#ExposedFortal: Cultura machista objetifica corpo feminino

Para a doutora e mestra em Sociologia e pós-doutora em Psicologia (UFC), Marcelle Silva, é preciso discutir o lugar social da mulher para superar situações como as relatadas nas redes sociais com a hashtag (palavra-chave) #ExposedFortal.

"A gente vive numa sociedade que é patriarcal, machista, sexista, que tem doses de misoginia e que enxerga e posiciona o feminino num lugar de inferioridade, como um corpo que é objetificado, que é domesticado, que tem essa intenção. Uma cultura que é dessa forma e reforça atitudes que o masculino está numa posição de hierarquia maior que o feminino, então o masculino teria mais poder, ocuparia uma posição de ser árbitro do corpo da mulher, de mandar no corpo da mulher. No cerne desse tipo de atitude está essa ideia. O corpo da mulher é tomado como um corpo público, então, as pessoas, especialmente homens, acham que têm poder sobre esse corpo", afirma.

Uma das soluções para lutar contra tal crime está na educação de gerações quanto ao conceito de consentimento, defende Marcelle. "É muito importante que a gente tenha consciência que vivemos numa cultura que é preconceituosa, machista, sexista, racista, baseada em muitas discriminações e que é importante entender a questão do consentimento. Muitas vezes isso não é ensinado para nossas crianças. A gente deveria incentivar esse elemento da nossa cultura, um foco maior em ensinar o que é consentimento, como ele pode ser empregado no nosso dia-a-dia. Você tem que entender o que é o corpo do outro, a noção de espaço um dos outros, até para as crianças se protegerem do mundo", alerta.

A professora diz que no espaço virtual esse limite do outro é ainda mais difícil ser respeitado: "A pessoa tem a sensação que a internet, por ser uma máquina, dá liberdade para as pessoas serem quem são sem mostrar nome". (Iara Costa/Especial para O POVO)

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#ExposedFortal: O que a vítima de vazamento pode fazer para denunciar

A força dos clamores em redes sociais através das denúncias tornadas públicas fez com que em 2018 fosse decretada a Lei 13.718/2018. O texto tipifica os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro, além de tornar cabível de ação penal os crimes contra a liberdade sexual e os crimes sexuais contra vulnerável. Junto com a Lei dos Crimes Cibernéticos (12.737/2012), também conhecida como "Lei Carolina Dieckman", as vítimas podem denunciar de forma rápida e simples.

A advogada e membro da Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil Secção Ceará, Clara Silveira, explica que, ao perceber que teve fotos íntimas vazadas, a vítima deve tirar prints e se dirigir à delegacia mais próxima. A pena prevista para esses casos pode variar de um a cinco anos de prisão. Até mesmo quem teve acesso às fotos, cenas íntimas libidinosas de sexo e nudez pode ser enquadrado e denunciado.

"Com a nova lei, o crime consiste no vazamento do conteúdo e se estende aos que replicarem fotos e vídeos", diz. Os crimes virtuais devem contar ainda com investigação da Polícia Federal, responsável por investigações de crimes virtuais contra as mulheres.

A advogada professora universitária Léa Feitosa aponta que "se a conduta foi realizada por pessoa com quem nutre ou manteve, relação íntima com a vítima ou ainda, por motivo de vingança ou desejo de humilhação, a pena será aumentada". Caso quem exponha o conteúdo íntimo seja adolescente, ele poderá responder por "ato infracional análogo ao respectivo tipo penal, podendo ser punido com medidas sócio-educativas".

Outra lei, a 12.650/2012, conhecida como "Lei Joanna Maranhão", ainda permite às menores de idade vítimas de crimes sexuais cometidos por adultos, a contagem do prazo de prescrição do abuso sexual a partir da data em que a vítima completa 18 anos, oferecendo assim mais prazo para que as vítimas denunciem os abusadores. (Samuel Pimentel e Domitila Andrade)

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