Logo O POVO+
É preciso olhar a dor do outro
CIDADES

É preciso olhar a dor do outro

Edição Impressa
Tipo Notícia
Mayana Morais, 26, perdeu a mãe para a Covid-19 (Foto: Deisa Garcêz/Especial para O Povo)
Foto: Deisa Garcêz/Especial para O Povo Mayana Morais, 26, perdeu a mãe para a Covid-19

Antes, a distância entre Mayana Morais, 26, e Cláudia Maria era driblada no percorrer da rua que separava as casas de mãe e filha. Durante quase um mês, período no qual Cláudia esteve internada, a distância foi dolorida. Apesar de não apresentar sintomas de Covid- 19, ela foi diagnosticada com a infecção após procurar atendimento por causa do agravamento de condições crônicas pré-existentes, diabetes e cirrose hepática. A angústia pela saúde da mãe foi amplificada pelo fato de não poder acompanhá-la.

Após apresentar hiperglicemia, ela procurou atendimento na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do José Walter no dia 19 de junho. Seria a última vez que a dona de casa veria mãe. Dois dias depois, Cláudia foi transferida para o Hospital Geral Dr. César Cals, onde faleceu no dia 16 de julho. Nesse período, Mayana só conseguiu ver a mãe uma vez por meio de chamada de vídeo feita por um médico.

“Foi muito angustiante não poder ver. A gente só tinha contato pelo celular, por ligação. O médico fez uma chamada de vídeo quando ela tava na UTI. Foi um dos piores dias para mim. Não consegui nem falar muito, foi rápido. Ela só pedia para a gente buscar ela, chorando. É inexplicável a sensação de ter um parente e não acompanhar o que estão fazendo, quais os resultados dos exames”, relata.

A morte solitária por Covid-19 era um grande temor de Cláudia. “Ela dizia: você ter um parente morto de Covid-19 e não poder se despedir da pessoa”, lembra a filha. O enterro rápido, a falta de despedida, de ver o ente querido pela última trazem um sentimento “estranho”. “Às vezes, eu tenho a sensação que ela tá no hospital. É como se ela não tivesse falecido. Uma morte seca”, diz.

Percorrer a rua que separa as casas continua na rotina de Mayana para dar assistência ao pai, que perdeu a esposa após 35 anos de união. Ela considera que as pessoas “não sabem o sofrimento que é e que muitas não estão tentando evitar”. “Quando a gente passa a se colocar no lugar do outro e a olhar realmente para a dor do outro, a gente consegue entender pelo menos um pouco. É uma dor que vou levar para o resto da vida”. (Ana Rute Ramires)

O que você achou desse conteúdo?