É com dor e indignação que a Tânia de Brito fala da morte do filho Juan Ferreira dos Santos, morto pelo disparo de um policial no bairro Vicente Pinzón. Amanhã completa um ano da morte sem que o inquérito que investiga o caso tenha sido concluído. Para Tânia, um exemplo das desigualdades sociais do País. "Por morar na periferia e meu filho ser preto, eu não tenho resposta nenhuma".
O assassinato do garoto de 14 anos ocorreu durante evento musical realizado no Morro Santa Terezinha. Conforme a versão dos policiais, o disparo ocorreu após abordagem a um grupo "suspeito". Eles teriam corrido e uma dupla de PMs ido atrás, deixando o soldado que efetuou o disparo sozinho. Com isso, outro grupo teria avançado, com paus e pedras, contra o PM, que atirou duas vezes para o chão. Em seguida, foi constatado que Juan fora ferido. A versão é rechaçada por testemunhas. Segundo afirmaram após o caso a O POVO, os PMs chegaram já mandando dispersar. Houve, então, correria, momento em que foi efetuado o disparo. O tiro atingiu a região temporal direita da cabeça do adolescente, que não resistiu. Nos autos, testemunha afirma que o PM se ajoelhava ao fazer o disparo.
O PM que efetuou o disparo fatal chegou a ser preso em flagrante pelo crime, mas teve liberdade concedida em 21 de outubro. O juiz citou que a prisão era ilegal pelo excesso de prazo na conclusão do inquérito. A decisão, porém, determinava o afastamento do policial do serviço nas ruas, o que ainda permanece. Desde então, o caso vem aguardando diligências, tendo ainda esbarrado em conflitos jurídicos. No princípio, houve divergência de interpretações entre o promotor da 1º Vara do Júri e da Auditoria Militar, que entendia ser crime militar. Prevaleceu, porém, o entendimento de que o crime, em tese, seria homicídio praticado por policial.
Ao chegar na vara do júri, o Ministério Público do Estado (MPCE) solicitou 20 diligências à Delegacia de Assuntos Internos (DAI), da Controladoria Geral de Disciplina (CGD), incluindo reconstituição dos fatos. Em nota, a CGD não informou quantas das diligências ainda estão para ser feitas, afirmando apenas que o inquérito está em fase de conclusão e que outro procedimento foi aberto na esfera administrativa. O pedido do MP foi feito em outubro e reforçado em março, quando foram dados 90 dias para a conclusão das investigações. Nesse meio tempo, porém, com a pandemia, os prazos processuais foram suspensos, atrasando ainda mais o feito. O promotor Marcus Renan Palácio, porém, afirma que o inquérito se encontra dentro do prazo estabelecido. "O MP reconhece o lapso temporal, é sensível a isso, mas, por cautela e zelo, para boa apuração do fato, optou por requisitar essas diligências para melhor instruir o procedimento", afirma.
A Defensoria Pública acompanha o caso, através da Rede Acolhe, que presta assistência jurídica e psicossocial a vítimas de violência no Ceará. A defensora Mariana Lobo, apesar de reconhecer o empenho da DAI na investigação do caso, diz causar "angústia" a demora. Segundo ela, a realização de perícias é pendência no caso. Conforme a defensora, nos autos, a Perícia Forense alegou corpo técnico diminuto para a não realização dos procedimentos.
Enquanto isso, Tânia sofre com o adoecimento mental. "Não consigo sair na rua. Sei que ele não vai voltar, mas a minha esperança é de que meu filho vai chegar em casa e dizer 'a benção, mãe'". Sua neta, de três anos, ainda pergunta pelo Tio Juan. "Dói, mas não possa me calar. É justo eu estar vivendo do jeito que estou vivendo?".