Decreto do presidente Jair Bolsonaro que atualiza a Política Nacional de Educação Especial é criticado por movimento sociais de pessoas com deficiência e especialistas ligados ao tema. Para eles, o decreto 10.502, do Governo Federal, segrega e retrocede ante os avanços registrados nos últimos 30 anos no Brasil.
A nova lei em vigor substitui a Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, de 2008, e incentiva o retorno de escolas especiais para atender estudantes com deficiência, transtornos do desenvolvimento, como o autismo, e superdotados. Nas salas especializadas, as escolas passam a receber, por matrícula, o dobro de recurso por aluno com deficiência.
O reordenamento depende da adesão das redes de ensino e dos responsáveis. A justificativa do governo federal é de que os alunos com deficiência poderão ter atendimento mais especializado, de acordo com as necessidades específicas de cada indivíduo. No entanto, a estratégia de separar estudantes é vista como superada, tendo em vista os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
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Aos 14 anos, Alice Peres, que tem síndrome de down, critica a proposta de salas de aula exclusivas para estudantes com deficiência. "Eu quero ficar com as minhas amigas. Na escola, eu ajudo meus amigos e eles também me ajudam", justifica. Com a parceria, Alice se orgulha ao dizer que sabe ler e escrever. A maratona da adolescente e os espaços mistos que frequenta são diversos: aulas de jazz, blues, sapateado e teatro. "Eu aprendi a ser mais simpática".
Para a mãe de Alice, Alessandra Costa, da diretoria da Associação Fortaleza Down, é necessário um debate sobre como melhorar a inclusão. "É necessário cobrar a capacitação dos professores e condições melhores para o aluno estar dentro da escola."
"É como se a gente tivesse voltando para a década de 60. As escolas especiais funcionam como suporte à escola regular. Não como espaço segregado. O modelo proposto já foi superado. Não é necessário dizer quem tem ou não condição de ir à escola regular", entende Selene Penaforte, do Conselho Estadual de Educação do Ceará (CEE).
"Um decreto não tem força maior, não pode derrubar outras leis da Constituição Federal ou da Lei Brasileira de Inclusão(2015)", defende. Selene cita ainda os avanços do número de matrículas de pessoas com deficiência no Ceará nos últimos anos. "Todo esse movimento dos últimos 30 anos fez com que hoje tenhamos números expressivos de jovens nas universidades. Eles vêm desse movimento que os levou para a escola regular."
Conforme o Censo da Educação Básica de 2019, organizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o número de matrículas da educação especial cresceu 55,1% entre 2015 e 2019 no Ceará. No total, 64.120 pessoas com deficiência estudavam. Destaque para os anos iniciais do Ensino Fundamental, que concentra 40,9% do registros da educação especial. No Brasil, cerca de 90% das pessoas com deficiência estudam, aproximadamente 1,4 milhão.
Em nota pública, o Ministério Público do Ceará (MPCE) manifestou "extrema preocupação" com o decreto do Governo Federal. Ao O POVO, o promotor Eneas Romero reafirmou que a inclusão de pessoas com deficiência na escola regular é uma demanda histórica dos movimentos e das famílias para que a educação seja, de fato, um direito. Romero defendeu ainda que aqueles que necessitam de atendimento complementar devem buscar por isso.
"A inserção das pessoas com deficiência em espaços e turmas comuns de escolarização, convivência e aprendizagem, revela a transversalidade da educação especial em todos os níveis, etapas e modalidades de ensino e a oferta do atendimento educacional especializado acontece de modo complementar ou suplementar", justifica a nota assinada pelo Apoio Operacional da Cidadania (CAO Cidadania) e Centro de Apoio Operacional da Infância, da Juventude e da Educação (Caojipe)
do MPCE.