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Pesquisador anuncia a descoberta de túmulo do Dragão do Mar
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Pesquisador anuncia a descoberta de túmulo do Dragão do Mar

| HISTÓRIA | Líder dos jangadeiros fortalezenses e ícone do movimento que impediu o tráfico interprovincial de escravizados, Francisco José do Nascimento morreu em 1914. Local exato de seu sepultamento ficou desconhecido por mais de um século
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JAZIGO no cemitério São João Batista de Francisco José do Nascimento, morto em 1914  (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE JAZIGO no cemitério São João Batista de Francisco José do Nascimento, morto em 1914

Em 5 de março de 1914, morria Francisco José do Nascimento. Anos depois de liderar o célebre trancamento do porto de Fortaleza em 1881, que impediu o comércio de escravizados com outras regiões brasileiras, o Dragão do Mar morreu em meio ao ostracismo. Depois de ter sido alferes, tenente e major da Guarda Nacional, patentes de elevado prestígio, ele já não estava nas notícias e praticamente desapareceu das páginas da história. Por mais de um século, não se soube onde fora enterrado.

"O que se sabia até então é que seu corpo havia sido levado para o Cemitério São João Batista", explica Ivaldo Paixão, presidente nacional do Movimento Negro do Partido Democrático Trabalhista (PDT) e pesquisador da história do líder dos jangadeiros. Paixão conta que durante suas pesquisas consultou obituários da época, mas em nenhum encontrou o local exato do sepultamento. "Com a ausência de informações, tanto públicas quanto de outros pesquisadores, fui convencido de que ele tinha sido enterrado em vala comum", afirma.

Foi só no início de 2020 que uma localização foi dada: segundo plano, lado sul, rua 22. "A busca pelos restos mortais de Nascimento é resultado de minhas pesquisas para o doutorado a respeito das principais figuras do abolicionismo cearense. Percebi que várias delas, sequer se sabiam onde estavam enterradas", expõe o historiador Licínio Nunes de Miranda. "Fiz, então, um trabalho metódico no cemitério, procurando os jazigos dos abolicionistas, durante dias. Em certo momento, fiquei surpreso ao me deparar com uma placa que informava: 'Descanso eterno do major Francisco José do Nascimento'."

FORTALEZA, CE, BRASIL, 18.11.2020:  Jazigo de Francisco José do nascimento e sua familia, também conhecido como Chico da Matilde, vulgo Dragão do Mar no cemitério São João Batista  (Fco Fontenele/O POVO)
Foto: FCO FONTENELE
FORTALEZA, CE, BRASIL, 18.11.2020: Jazigo de Francisco José do nascimento e sua familia, também conhecido como Chico da Matilde, vulgo Dragão do Mar no cemitério São João Batista (Fco Fontenele/O POVO)

No local, há menção à Ernesta Brígido do Nascimento, sua segunda esposa e sobrinha do jornalista e político João Brígido. Ali também se registra o sepultamento de outros membros da família. Nascimento faleceu em seu sobrado, que ficava próximo ao Seminário da Prainha e assim foi enterrado no também próximo Cemitério São João Batista. Na época, o equipamento era o único cemitério público em Fortaleza, se desconsiderarmos os cemitérios de Messejana e Parangaba.

Para Paixão, a descoberta do jazigo é um marco para a história negra e para a história brasileira como um todo. Sua expectativa é que o ponto passe a ser importante para o turismo étnico e enseje maior respeito à história do único cearense homenageado no Panteão da Pátria e da Liberdade, em Brasília. "Espero que os cearenses tenham o interesse em preservar nossa história. Que visitem museus e locais históricos e aprendam sobre o nosso passado. Façam um passeio no São João Batista, onde encontrarão inúmeros cearenses que hoje adornam os nomes de nossas ruas. Eles existiram e foram reais como nós", completa Miranda. 

O cearense mais importante na história do Brasil

Canoa Quebrada, 15 de abril de 1839. Nascia Francisco José do Nascimento. O pai, Manuel do Nascimento, era pescador e morreu cedo ao buscar riqueza em um seringal do Amazonas. O avô também era jangadeiro e, um dia, do alto mar não retornou. A mãe, Matilde Maria da Conceição, precisou se desdobrar, mas o trabalho de rendeira não lhe rendia muito. Não demorou para que entregasse o filho de oito anos para uma família com melhores condições financeiras.

O pequeno Chico da Matilde, como ficou conhecido, precisou ainda na infância laborar. Virou menino de recado no veleiro Tubarão, que transportava mercadorias para o Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte. A relação com o mar começou aí. E dele não se desprendeu mais. Aos 20, quando aprendeu a ler, recusou trabalho nas obras do porto de Fortaleza para voltar ao mar em um trajeto entre Ceará e Maranhão.

Muito da infância foi descoberto em um diário do próprio Dragão do Mar, estudado pelo jornalista e único biógrafo Edgar Morel. Em um dos trechos, Chico escreveu que a "mãe era alta, forte, muito morena". Explicou também que foi a partir dela que ficou chamado de Chico da Matilde - costume comum no Interior o de relacionar o nome do filho ao de um dos pais.

Chico parecia estar destinado à resistência. Algumas décadas depois se tornaria liderança do movimento que impediu o tráfico de escravizados do Ceará para as regiões Sul e Sudeste do País. A venda era conhecida como comércio de carne humana, na expressão mais fática. Da valentia de impedir a saída pelas águas que cercavam o porto veio a alcunha de Dragão do Mar, atribuído pelo romancista maranhense Aluísio de Azevedo.

Não à toa o aniversário do Dragão do Mar acabou sendo a data escolhida para celebrar também a fundação de Canoa Quebrada. Ironicamente, a rua que ganhou o nome do herói jangadeiro acabou ficando conhecida como Broadway pela vida noturna tão característica e interferência do turismo.

Impedir a saída de escravizados foi o suficiente para tornar Dragão do Mar um ícone do movimento abolicionista. "É um protagonista, e era uma pessoa do povo. O Dragão, junto com outras lideranças, consegue convencer os jangadeiros a não embarcar naquele dia", coloca o chefe do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará (UFC) e ex-vice-governador do Estado do Ceará, Francisco José Pinheiro . "Naquele momento histórico, foi ele quem soube fazer o movimento porque ele era um articulador. O homem certo no lugar certo. Por isso se tornou uma figura proeminente".

Dragão do Mar foi provavelmente o cearense com papel mais importante na história do Brasil. Castello Branco teve mais poder. Antônio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro, saiu de Quixeramobim para fazer história na Bahia. José de Alencar inventou uma literatura nacional, a partir do Rio de Janeiro. Porém, a relevância da greve dos jangadeiros, a importância simbólica na campanha abolicionista tornam o legado do Chico da Matilde mais duradouro e transformador para a vida do povo, ainda que incompleto. (Rubens Rodrigues)

Leia o material completo:

Há 180 anos nascia Dragão do Mar, o cearense mais importante na história do Brasil

Na Câmara Municipal

A descoberta deve ser oficialmente divulgada em sessão semipresencial da Câmara Municipal de Fortaleza na noite desta quinta-feira, 19. O encontro ocorre às 19h30min, quando Ivaldo Paixão receberá a Medalha de Mérito Humanitário Zumbi dos Palmares.

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