Joanna Cavalcante foi contratada em março deste ano como formadora de Ciências Humanas na Rede de Ensino em Redenção, considerado o primeiro local do Brasil a libertar negros escravizados, em 1883. A gestão municipal pediu à mestre em Sociobiodiversidade para elaborar um plano de ensino da história local considerando, principalmente, a lei federal 10.639/03, que versa sobre a obrigatoriedade da história e cultura afro-brasileira nas escolas.
Com a chegada da pandemia do novo coronavírus, os planos tiveram de mudar. O primeiro encontro para diagnóstico com os 26 professores de história e geografia do Ensino Fundamental II teve de ocorrer online. A principal metodologia utilizada para a transferência de saberes foi a oralidade, sendo pais e avós dos estudantes as fontes primárias sobre a construção da história de Redenção.
Durante o ano letivo, feito de forma remota para evitar a proliferação novo coronavírus, a linha adotada, conforme Joanna, foi a seguinte: primeiro os alunos tinham de passar por um processo de autoconhecimento. Depois, o foco foi ampliado para as narrativas familiares. Por fim, entenderam os fatos do local onde vivem. Quem sou, de onde eu vim e onde estou foram os motes nas três etapas.
"O nosso plano aconteceu um pouco tarde. A gente tem muita coisa para falar sobre o nosso município", reconhece Joanna, bacharel em Humanidades pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab).
A intenção é que os moradores conheçam e se apropriem da história de pioneirismo do lugar, antiga vila do Acarape, onde 116 escravizados foram alforriados.
Professora na Escola Municipal Neide Tinoco, Melissa Castro relembra que antes o foco era apenas o livro didático, que não contempla a história da cidade. "Essa temática ganhava mais destaque nas datas comemorativas como Dia da Consciência Negra, as datas em que houve a abolição da escravatura em Redenção e no Brasil e também em um projeto que era trabalhado em nosso município que se chamava 'As Cores de Redenção'."
Melissa conta que o projeto aproximou discentes e familiares, que participaram de maneira ativa das atividades que geralmente eram elaboradas dando destaque aos monumentos históricos, personagens ilustres e momentos .
"Trazer para os alunos nossa cultura e nossa história contribui para que eles possam despertar a curiosidade pelos nossos antepassados e a importância de nossa cidade para a formação da sociedade brasileira", comemora a educadora.
Sandra Petit, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC), lamenta que as dificuldades enfrentadas para implementar as leis 10.639 e a 11.645. Mas sugere que haja formação continuada de professores do ensino básico que já estão trabalhando sob a perspectiva.
"Depois da pandemia, é interessante que deixe de ser à distância. Porque à distância não pode fazer aulas de campo, não pode realizar vivências e atividades corporais, que também fazem parte do conhecimento e do acervo do patrimônio negro no Brasil", diz. Para a docente, falta que formadores tenham acesso ao conhecimento, principalmente com pedagogias afro-referenciadas.
"A dificuldade ainda é de democratizar o ensino. Não basta só ter pessoas negras na escola e dizer que está resolvido. Hoje, a grande maioria das crianças está sim na escola e há proporção ainda insuficiente mas razoável de jovens negros presentes no Ensino Médio. Mas o conteúdo não foi modificado suficiente. Ou seja, as pessoas pensam que trabalhar as relações étnicos-raciais pode ser algo pontual realizado somente no dia 20 de novembro", alerta Sandra Petit.