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O POVO acompanha aula presencial para o Enem e mostra expectativas e receios dos estudantes
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O POVO acompanha aula presencial para o Enem e mostra expectativas e receios dos estudantes

Repórter também acompanhou a aula e mostra relatos de estudantes do 3º ano do Ensino Médio, após meses de aulas remotas, que se dizem inseguros para o Enem 2020
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Sob protocolos contra a Covid-19, alunos têm aula preparatória para o Enem  na EEFM Bárbara de Alencar  (Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita Sob protocolos contra a Covid-19, alunos têm aula preparatória para o Enem na EEFM Bárbara de Alencar

Quando eu entrei na Escola de Ensino Fundamental e Médio (EEFM) Bárbara de Alencar, no bairro Varjota, em Fortaleza, precisei passar por dois protocolos comuns: o da máscara obrigatória e a medição da temperatura, que fica a cargo do porteiro fazer. Nos espaços da unidade, há avisos para distanciamento social e higienização das mãos. Mas foi na quadra esportiva da instituição onde percebi que o ensino voltou a pulsar presencialmente.

No local, 45 carteiras estavam distribuídas igualmente em cinco fileiras. Espaço suficiente para comportar seguramente, nesta quinta-feira, 14, os 11 alunos que participaram do aulão de linguagens e ciências humanas preparatórios para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O número de pré-universitários está bem abaixo do matriculado na turma do 3º ano: cerca de 35. À frente, enquadrado pela trave de futsal, o professor Joab Fonseca, interlocutor das ações do Enem, revisou trechos da história do nosso país.

Dispensadores de álcool em gel personalizados com o nome da escola estão distribuídos em vários espaços na Bárbara de Alencar
Dispensadores de álcool em gel personalizados com o nome da escola estão distribuídos em vários espaços na Bárbara de Alencar (Foto: Thais Mesquita)

O mestre passou pelo Poço da Draga, trecho da orla na capital cearense, onde atracavam os navios negreiros, prática contestada a partir da revolta liderada por Dragão do Mar, e atravessou os governos de Getúlio Vargas, citou quem mesmo não assumiu a presidência, como Tancredo Neves, e lembrou do último general presidente brasileiro, que encerrou a ditadura militar no País: João Figueiredo.

À disposição de todos, um dispensador de álcool em gel, presente também em vários espaços da escola. Ao docente, um microfone para não forçar tanto a voz. Além disso, uma lousa, uma tevê e fascículos com provas de edições anteriores do Enem. Eu encontrei o material empilhado nos corredores e na sala dos professores, onde dois educadores trabalhavam distantes mais de dois metros um do outro. 

Bebedouros não apresentavam sinalização sobre os cuidados naquele espaço. A sinalização no piso da unidade também já não tem a mesma qualidade de quando estive na escola antes, dez dias atrás. Os profissionais da limpeza limpavam as salas de aula enquanto, na cozinha, uma senhora de meia idade organizava as louças após servir o lanche durante o intervalo. 

Alunos

Apressada, Ednéia Ferreira foi a primeira dos alunos a deixar a quadra de esportes às 11h50min. Ao abordá-la, a condição para a entrevista foi para que não tivesse fotos. A aluna do terceiro ano do ensino médio tem 30 anos e decidiu retomar os estudos no início de 2020. No entanto, teve de enfrentar o novo momento de forma remota por conta da pandemia da Covid-19.

Com três filhos, Ednéia teve de conciliar os estudos à distância, as aulas dos filhos e o próprio trabalho. Ela pretende usar a nota para cursar a faculdade de Recursos Humanos. Mas confessa que, caso o rendimento seja alto, deve aplicá-lo para o curso de nutrição.

"Na verdade, eu não estou 100% segura. Eu acho que estaria mais segura se não tivesse tido essa pandemia, se a gente não tivesse se afastado da escola. Esse negócio da gente ficar assistindo à aula remota, pra mim, acho que não foi muito bom. A gente não consegue absorver a quantidade de aprendizado como presencial, com o professor ali, tirando dúvidas. No remoto, a gente conseguiu se sair bem, mas não é a mesma coisa, né?", comenta.

Neuza Tereza, 17, defende adiamento do Enem, mas teme que a edição do Exame em 2021 seja prejudicada
Neuza Tereza, 17, defende adiamento do Enem, mas teme que a edição do Exame em 2021 seja prejudicada (Foto: Thais Mesquita)

Minutos depois de Ednéia deixar a unidade de ensino, a turma foi liberada. Com a mesma insegurança, Neuza Tereza, 17, mantém a esperança de fazer boa prova. A discente é contra a realização do Enem neste momento em que casos de Covid aumentam e o número de mortes passa de mil por dia no País. "Eu estou com medo de me infectar. Deveria ser adiado. Mas também sei que, por conta do Enem deste ano, já está muito atrasado, talvez o de 2021 possa não ocorrer. Mesmo assim, eu tenho medo, principalmente, porque a escola pública tem poucas condições de infraestrutura".

Neuza afirma que a confiança aumentou com o apoio dos professores e com as iniciativas da Secretaria da Educação do Estado (Seduc). "O governador foi uma pessoa que nos ajudou muito, mas mesmo assim não dá pra competir com as escolas privadas, que tiveram muito mais aulas e muito mais tempo do que a gente", reconhece.

58 escolas

No total, 58 escolas de Ensino Médio do Ceará estão com atividades presenciais preparatórias para o Enem, previsto para ocorrer nos próximos dois domingos, dias 17 e 24 deste mês (versão impressa) e 31 de janeiro e 7 de fevereiro (versão digital). A rede pública estadual de ensino conta com 730 escolas.

Ao todo, 104.154 estudantes da rede estadual estão inscritos no Enem, o que corresponde a 99,7% da matrícula da 3ª série do Ensino Médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) II. Destes, 122 optaram por fazer as provas digitais.

FORTALEZA, CE, BRASIL, 14.01.2021: A EEFM Bárbara de Alencar realiza aulões preparatorios para os alunos que vao fazer Enem. (Foto: Thais Mesquita/OPOVO)
FORTALEZA, CE, BRASIL, 14.01.2021: A EEFM Bárbara de Alencar realiza aulões preparatorios para os alunos que vao fazer Enem. (Foto: Thais Mesquita/OPOVO)

Bate-pronto com Joab Fonseca, articulador do Enem na escola Bárbara de Alencar

Joab Fonseca, 27, é psicólogo, licenciado em História, e professor interlocutor das ações do Enem na Escola Bárbara de Alencar. Trabalha no local há seis anos. Numa conversa rápida com O POVO, o docente reflete sobre os próximos passos da educação e o desempenho dos estudantes no Enem 2020.

O POVO - Qual avaliação você faz dos meses de aulas presenciais preparatórias para o Enem?

Os aulões nasceram como uma forma de reaproximar nossos alunos da rotina de aulas. Sabemos que o Governo do Estado, por meio da SEDUC, nos deu toda a estrutura para não pararmos as aulas, mesmo em tempo de pandemia, e não paramos, continuamos em ambiente remoto, mas o calor da presença é fundamental, e por isso insistimos na ideia. A nossa diretora, professora Nádia Rodrigues, deu total apoio, incentivo e disponibilizou a estrutura necessária para que tudo acontecesse, desde material impresso ao cuidado com as normas de distanciamento. Queríamos alcançar nossos alunos, mas alcançamos bem mais, não imaginávamos a repercussão que nossas aulas trariam. Hoje temos alunos de outras escolas vindo aos aulões. Temos tido uma boa adesão dos nossos alunos, isso é gratificante, o sucesso do aluno é nosso combustível.

O POVO - Acha que os encontros serão suficientes para sanar as lacunas causadas pela suspensão das aulas presenciais durante 2020?

Como disse, o Governo do Estado foi rápido, junto à Seduc, às Credes e, no nosso caso, à Sefor 2, fizeram tudo o que puderam, nós aprendemos juntos. É uma realidade nova para todos. Os professores fizeram de seus lares a sala de aula, e a educação não parou. O comércio, a indústria, o entretenimento pararam, a educação não! Diuturnamente, estamos atendendo os alunos, trabalhando e ensinando. As parcerias da Seduc nos ajudaram muito, e diminuíram as lacunas. Não posso dizer que é a mesma coisa, mas as lacunas são bem menores. Os aulões são um reforço, uma forma de dizer que estamos juntos. Para além do conteúdo ministrado, estar juntos mostra que eles não estão sozinhos, que nós acreditamos nos seus sonhos, e sim eles podem. Os alunos precisam voltar a sonhar, e cada professor tem meio que essa missão, além de ensinar, fazer sonhar e acreditar em si.

O POVO - Acredita na possibilidade de ter um projeto em 2021 preparatório para o Enem aos alunos que se sentiram prejudicados em 2020 ?

Acredito que sim. Em alguns lugares do Brasil já se fala na criação de uma quarta série do Ensino Médio. Mas eu acredito que nem seria necessário tanto, bastaria resgatar um projeto de outrora que oferecia turmas de preparatório ao Enem e vestibulares. Além disso, investir em ações já existentes como a Academia Enem e o Alcance que ajudam nessa preparação. Ainda: abrir as turmas de terceiro ano para alunos egressos voltarem como ouvintes, se assim desejarem. Acredito que isso já atenderia a demanda.

O POVO - Qual mensagem deixa aos pré-vestibulandos que irão fazer as provas nos próximos finais de semana?

Sonhe e acredite! Eu fui aluno de escola pública, ingressei na Universidade pelo Prouni, me formei psicólogo, dentre 600 formandos fui escolhido como aluno homenageado, subi naquele palco e mostrei para todos que um aluno da favela também podia ser "doutor". Hoje tenho duas graduações, sou especialista, trabalho como professor e incentivador de sonhos. Sonhe, acredite, o limite é você quem decide.

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