O cenário da pandemia no Ceará agravou nas últimas semanas. Na manhã desta quarta-feira, 20, o governador Camilo Santana (PT) anunciou que o aumento de casos registrados nos últimos dias preocupa. Governo do Estado discutirá, nesta quinta-feira, novas medidas de contenção e a ampliação de leitos para Covid-19. Em Fortaleza, número de atendimentos por Síndrome Gripal em Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) mais do que dobrou comparando os meses de outubro, mês de início da segunda onda, e os 19 dias de janeiro. A Capital cearense é classificada em nível altíssimo de incidência de casos (o mais extremo), com 209,7 registros por 100 mil habitantes a cada dia. Contudo, a segunda onda já é registrada em todas as regiões do Estado, em níveis diferenciados.
Os dados são da plataforma IntegraSUS, da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa). A reunião do Comitê Estadual de Enfrentamento à Covid-19, que delibera sobre os decretos sanitários e é realizada às sextas-feiras, foi antecipada para esta quinta-feira, 21. Sem previsão de chegada de mais lotes da vacina para imunizar a população, gestão fica em "alerta para uma possível continuidade do aumento de casos e da pressão assistencial", disse Camilo.
Conforme o professor José Soares de Andrade Júnior, do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC) e cientista-chefe da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), há circulação viral comunitária na Capital. “O que nós temos observado é um aumento substancial de casos principalmente através dos exames das UPAs. A positividade das amostras de (exame) RT-PCR mostra sistematicamente aumento de casos distribuído de maneira homogênea na população”, explica.
O total de novos casos registrados dobra de outubro (5.260) para novembro (10.809), e se mantém em dezembro (10.946). Até agora, foram registrados 5.978 novos casos em Fortaleza no primeiro mês de 2021.
"Desde o começo de outubro, há aumento significativo de casos novos por dia. No final de dezembro houve certa estabilidade com uma linha base de muitos casos. Uma estabilidade ruim. Em janeiro, começa uma certa confusão com relação a análise dos dados", diz o professor José Soares. De acordo com a Sesa, em nota publicada na última sexta-feira, 15, as mudanças na gestão e alterações nas equipes dificultaram a notificação de casos no Estado.
De acordo com o professor, que compõe o Comitê Estadual de Enfrentamento à Covid-19, já há aumento de casos em outras regiões. “Todas as macrorregiões têm um padrão de aumento relativo de casos. Algumas maior, como Cariri, e em outras menor, como Sobral. Cada uma tem populações distintas e densidades populacionais distintas”, acrescenta.
A médica epidemiologista Lígia Kerr, professora e pesquisadora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da UFC, diz que o aumento de atendimentos nas UPAs preocupa, pois são as unidades porta de entrada dos casos na assistência pública. Ela defende que medidas de restrição mais rígidas devem ser tomadas para evitar agravamento do cenário, bem como aumento da fiscalização.
“Muitos lugares estão tendo que fazer (lockdown), como a Europa. Nós provavelmente, em algum momento, vamos ter que fechar alguma coisa. Não temos medidas farmacêuticas ainda. Se não fechar, podemos atingir os níveis da primeira onda. Com uma mortalidade menor porque tem atingido mais jovens, por enquanto”, alerta Lígia, integrante do Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste.
Ela frisa que outros Estados já estão em situação parecida com a primeira onda com relação ao número de casos e contextualiza com o cenário de Manaus. “Grande parte dos novos casos de Manaus são da nova cepa. Ela está se espalhando e não temos vigilância molecular suficiente para saber se a cepa que está circulando aqui é a mesma de lá”, relaciona.
Novo aumento de casos - inclusive com profissionais acometidos
Relato de profissional da saúde que atua em uma UPA da Capital, colhido ontem à noite pelo O POVO, dá conta do agravamento do cenário atual da pandemia. "A minha equipe todinha está com Covid. Não sei quem está nos substituindo”, relata. Conforme ela, há cerca de duas semanas membros da equipe começaram a receber o diagnóstico. “Mas muitos profissionais infectados e alguns já com reinfecção”, disse. Ela própria, que pediu para não ser identificada, é uma das que estão afastadas do trabalho. Mencionou pelo menos mais sete na lista.
Ao longo do mês de outubro, no qual se inicia o novo aumento de casos em Fortaleza, a média de atendimentos por Síndrome Gripal por dia foi de 179,7. Ao total, foram 5.391 atendimentos nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). O número aumenta progressivamente em novembro (7.789) e dezembro (9.391), chegando a 6.768 em janeiro ainda incompleto. A média diária de atendimentos de Síndrome Gripal neste mês, considerando os 19 dias, chegou a 376. O número total de atendimentos foi de 6.768.
Conforme Antônio Silva Lima Neto, o "Tanta", coordenador da Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), considerando os dados até a segunda semana de 2021, a situação continua "praticamente inalterada" com relação à semana anterior.
"Estamos na vigência dessa segunda onda que é de menor intensidade que a primeira. A média de óbitos com relação aos casos é relativamente menor. Estamos com média de óbitos relativamente menor em comparação aos casos. Com média de 2,5 óbitos por dia, bem inferior a 15 dias atrás", diz, em vídeo enviado pela assessoria da pasta.
Diante da realidade de Manaus, conforme o epidemiologista, é preciso redobrar monitoramento e obedecer aos decretos. "A situação de Manaus decorre muito provavelmente de uma combinação de questões. Tanto uma nova cepa quanto, sobretudo, período de aglomerações de fim de ano que explodem a transmissão. Temos que fazer o possível para que não ocorra", avalia.