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A tecitura de um jornalismo íntimo: Ana Miranda reestreia no Vida&Arte
Vida & Arte

A tecitura de um jornalismo íntimo: Ana Miranda reestreia no Vida&Arte

Escritora cearense Ana Miranda estreia como cronista semanal do Vida&Arte a partir deste sábado, 5
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Escritora Ana Miranda na praia de Picos, em Icapuí. (Foto: Theo Van de Sande/ Divulgação)
Foto: Theo Van de Sande/ Divulgação Escritora Ana Miranda na praia de Picos, em Icapuí.

Ao 17 de abril de 2016, O POVO publicou a crônica de despedida de Ana Miranda — naquele domingo, sabe-se lá se ensolarado ou perdido entre chuvas tardias, a escritora encerrou um farto período de contribuições quinzenais para o periódico. Esgueirando-se entre reportagens e disputando espaço com anúncios, a crônica poderia ter sido sobre "manteiga da terra, comida de seca, gemada na infância", ou ainda sobre "o lixo nas ruas da cidade, as corridas de jangada, o congo, o reisado, o coco"... A crônica de saudades, como definiu a cronista à época, poderia mesmo ter versado sobre a emissão de uma nota fiscal, a renovação do passaporte para a avó visitar os netos que moram no estrangeiro, as burocracias do cotidiano. Num flerte descompromissado com o jornalismo, a crônica é o espaço do sonho num jornal.

Em tempos tão árduos — nos quais, se vivo, talvez Guimarães Rosa afirmasse que qualquer sonho "já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura" —, esperança se materializa em palavra. Neste sábado, 5 de fevereiro, Ana Miranda estreia novamente como cronista no Vida&Arte. Semanalmente, a autora partilhará com leitores seus exercícios poéticos de ver o mundo.

"O exercício de escrever a crônica é um exercício de conexão com o mundo. É uma relação muito mais participativa e em conexão com a realidade, com os acontecimentos do momento", defende Ana Miranda. Autora de romances como "Desmundo" (1996) e "Dias & Dias" (2002), a escritora tornou-se cronista quase que por engano, num fortuito golpe de sorte: no início da década de 1990, a cearense recebeu um convite da revista "Caros Amigos" para escrever uma coluna e aceitou acreditando que a publicação duraria tão somente três ou quatro números. Ana escreveu para o periódico durante 20 anos. "Eu aprendi, ali, a amar a crônica. Esse gênero é completamente diferente da literatura de ficção porque não é ficção — é uma espécie de jornalismo sentimental, um jornalismo íntimo e lírico. Eu acho que trago da literatura uma dicção, uma voz, um domínio da palavra, porque foram décadas de experimentar o poder da palavra e a palavra poética. As minhas crônicas têm um lado lírico, um lado poético que vem da minha experiência literária", complementa.

No O POVO, Ana Miranda costurou o mapa do Ceará ao seu corpo. Criada entre Rio de Janeiro e São Paulo, a escritora encontrou, na crônica, formas de voltar para casa. Cartografou a terra, debruçada inquieta sobre o baú das memórias. "Os primeiros anos que passei escrevendo no jornal O POVO me deram essa experiência fantástica de recuperar o meu passado, recuperando o passado e a memória de uma cidade que é Fortaleza, onde eu nasci, e também de um Estado, porque Fortaleza é uma cidade-estado. Eu descobri muitas coisas a respeito do meu modo de ser, descobri serem coisas culturais do Ceará. Saí muito nova do Estado, tinha quatro anos de idade... Eu não sofri secas, não sabia o que era seca conscientemente, mas na minha vida inteira morando fora do Ceará, sempre que chovia me dava uma sensação de alegria tão grande! Sentia vontade de tomar banho de chuva. Isso é uma coisa do cearense", exemplifica. "Foi uma experiência de conhecer as minhas origens, conhecer o Ceará, amar cada vez mais o Ceará, descobrir a maravilha que é o Ceará".

Neste retorno ao Vida&Arte, Ana Miranda escreve atenta ao tempo, ao mundo porvir que já se anuncia agora. "Serão crônicas livres, mas eu pretendo fazer crônicas mais participativas porque nós estamos vivendo um momento em que o silêncio é uma omissão, é inaceitável. Eu acho que todos precisam lutar por suas crenças e sempre opinar, formar opinião e observar o que está acontecendo. O mundo está passando por grandes transformações — nós estamos vivendo uma época difícil, espero que já esteja terminando. Não podemos ficar alheios a tudo isso. Mas também não é possível viver sem a poesia, não é possível viver sem o olhar lírico do cronista, do poeta. Nós não conseguimos viver sem arte", sustenta.

Intitulada "O que diria Rachel?", a primeira crônica de Ana Miranda no Vida&Arte em 2021 borda pensamentos sobre a escritora Rachel de Queiroz (1910-2003), parceira da verdade. Num labirinto imagético, Ana costura futuros com a linha da poesia. "A crônica tem feito um registro histórico dos acontecimentos, um levantamento fantástico tem sido feito por cronistas. Eu fico muito feliz de estar participando dessa grande força que a crônica assumiu nesses últimos anos; e estou muito feliz também de estar de volta ao jornal O POVO, nesse reencontro com os meus leitores muito queridos", conclui.

 

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