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Cearenses que estiveram no Amazonas relatam experiências na crise de Covid-19
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Cearenses que estiveram no Amazonas relatam experiências na crise de Covid-19

Situação no Estado é agravado pela variante do coronavírus que já foi confirmado no Ceará. Para pesquisador da Fiocruz, apesar de cenários epidemiológicos serem distintos, situação manauara deve servir de alerta
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EVERARDO GIRÃO esteve internado por Covid-19 no Hospital Jofre Cohen, em Parintins, no Amazonas. (Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal EVERARDO GIRÃO esteve internado por Covid-19 no Hospital Jofre Cohen, em Parintins, no Amazonas.

Aos 57 anos, o cearense Everardo Girão vive em Parintins, município a 370 km de Manaus. Morando com a esposa e dois filhos, o geógrafo e consultor de turismo passou mais de 10 meses em isolamento em casa. Foi em dezembro que saiu para levar um amigo ao aeroporto, dias depois estava em um leito de tratamento intensivo no Hospital Jofre Cohen, unidade de referência para o tratamento da Covid-19 na cidade.

“No dia seguinte a essa ida ao aeroporto, saí e peguei chuva. Voltei para casa com tosse e no fim do dia estive com febre. Esse meu amigo saiu daqui também com febre e tendo mal-estar. Então minha esposa insistiu que eu fosse ao hospital”, relata. “Estava nervoso e inquieto, mas fui bem atendido. O médico me acalmou, prescreveu remédios para tomar por cinco dias e pediu que voltasse ao hospital depois desses dias”, continua.

Mas, a volta ao hospital não foi tranquila. Já fazendo parte do grupo de monitoramento da Covid-19, Girão precisou de uma ambulância. “Por volta das 18 horas do quinto dia, eu tinha febre e dificuldade de respirar. Não conseguia andar nem falar. Fui da ambulância direto para o oxigênio”, conta. “Não tinha vaga não; no começo, fiquei em uma sala de triagem.”

Com mais de 115 mil habitantes, Parintins é a segunda cidade mais populosa do Amazonas e, conforme a prefeitura, tem 154 pacientes internados com coronavírus e 531 sendo monitoradas. No último dia 3, o Ministério Público do Amazonas (MPAM) determinou a remoção urgente para Manaus, ou qualquer cidade do País onde haja leitos de UTI disponíveis, de 10 pessoas que estavam internados em em estado grave no Hospital Jofre Cohen.

Ainda em janeiro, o prefeito, Bi Garcia, anunciou a compra de uma usina de oxigênio vinda da Alemanha. Na última semana, a gestão municipal estabeleceu que todos os profissionais integrados no sistema municipal de saúde serão disponibilizados para atuar nas unidades de referência no tratamento da Covid-19. Outra medida é a utilização de profissionais do programa Mais Médicos nesses locais. O Sars-Cov-2 já infectou mais de 8 mil moradores e vitimou 215, sendo que 44 morreram em Manaus.

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“Foram 15 dias no oxigênio e isolado. Tive 55% do pulmão atingido. Perdi 18 kg. Foi uma carga pesada de medicamentos, exames, avaliações, correções e monitoramento 24 horas”, expõe. “É muito difícil reagir, o vírus é muito cruel.” Girão passou ainda alguns dias no Hospital Padre Colombo em uma ala junto de outros sete pacientes em recuperação e onde era possível ter acompanhantes.

De volta para casa, ele soube que os filhos, a esposa, os sogros e uma cunhada também contraíram o coronavírus — todos com quadros leves. Hoje enfrenta dificuldades trazidas pela doença: “Estou usando bengala para andar, boto os óculos e mesmo assim não consigo ler bem. A audição e a fala também foram comprometidas, mas consegui recuperar bem. Tenho algumas feridas nas mucosas e tenho tido insônia”, enumera. “Convivi entre a dor e o medo. Acho que não perdi minha vida porque respeitei os médicos”, conclui Girão, que ainda tenta traçar uma linha temporal para entender o momento em que foi infectado. “Não saio de casa e ninguém entra aqui. Devo ter retorno no médico daqui um mês e estou aguardando a vacina.”

Em todo o Estado do Amazonas, 93.5% dos leitos intensivos para tratamento da Covid-19 estão ocupados. Nos leitos de enfermaria, a taxa de ocupação é de 75,3%. Conforme a Fundação de Vigilância em Saúde, são 2.249 amazonenses internados em decorrência da doença. Os dados foram atualizados nessa quarta-feira, 10.

Na linha de frente

Diante do quadro preocupante no Amazonas, profissionais de diversos estados foram chamados para atuar no combate à pandemia em Manaus. Entre eles estava a cearense Lorenna Almeida, que, recém-formada em Fisioterapia, estava atuando como fisioterapeuta na sala de Estabilização e Emergência do Hospital Rio Solimões, da rede Hapvida. ”Era um mix de sensações a cada momento e a cada dia: uma felicidade enorme em dar alta e, ao mesmo tempo, uma sensação de impotência ao perder um paciente”, conta.

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“Tinha dificuldades em relação a suprimentos, mas com o decorrer do tempo, tudo foi se estruturando”, relata. “Os profissionais estavam cansados, esgotados e longe da família, pois a maioria era de outros estados. Mesmo assim era uma equipe coesa e sempre fazíamos de tudo por cada paciente. Destaco a atuação dos profissionais recém-formados, que formaram uma verdadeira equipe multidisciplinar, e os profissionais com experiência, que nos guiaram para conduzir a situação da melhor forma possível.”

Mayara Neres, fisioterapeuta também recém-formada pela Unichristus, é outra cearense que segue atuando contra a pandemia em Manaus. “Fiquei receosa de aceitar por causa da minha família, de ficar longe dos meus filhos, que são pequenos. Mas conversei com eles e meu esposo, e recebi total apoio, afinal é a minha profissão”, relata. “A priori seriam 15 dias, mas hoje completo um mês aqui, sem previsão de voltar para Fortaleza.”

Ela conta que, apesar do aumento de casos, falta de oxigênio e superlotação nos hospitais, “ainda vemos pessoas sem máscaras e negligenciando um pouco a situação”. “Isso é sério, muito sério... A maioria dos nossos pacientes são jovens de até 35, 40 anos”, pondera. “Assim que cheguei era uma mistura de medo com desespero, pela falta de oxigênio. Agora estamos mais tranquilos, porém com medo pela incerteza do que virá.”

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A profissional destaca ainda que, fora o cansaço físico e mental das equipes, há grande preocupação com a nova variante do coronavírus. “A diferença é que, apesar do cenário pesado de guerra que vivemos em Fortaleza, ainda assim somos um estado bem mais preparado com recursos e profissionais”, avalia comparando as capitais. “A semelhança é que uma parte da população ainda não tem noção da gravidade da Covid-19. Jovens de 23 anos, sem comorbidades indo a óbito, é algo muito triste! Sonhamos com o dia em que todos estejam vacinados e que possamos voltar a viver.”

Os médicos Carlos Loja e Bruno Pinto também estiveram atuando na capital manauara, desta vez na parte administrativa de enfrentamento à Covid-19. Respectivamente diretor executivo da rede assistencial e diretor médico nacional da rede própria do Sistema Hapvida, ambos afirmam a união entre profissionais e o empenho nacional. "Temos aprendido muito e realizado estudos balizados na experiência de Manaus para as outras cidades, mesmo considerando que há especificidades em cada região, com perfil epidemiológico e demográfico distintos”, afirma Loja. “O que conseguimos aprender com outras experiências foi como reagir de forma cada vez mais assertiva a esse aumento, com muito investimento, ampliações, acolhimento e qualidade no atendimento.

Ceará pode chegar ao nível do Amazonas?

Para Daniel Villela, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e coordenador do Programa de Computação Científica, apesar de cenários epidemiológicos serem distintos, a situação manauara deve “servir de alerta para o Ceará e para o País inteiro de que a pandemia não acabou, o vírus continua circulando”.

“A partir do fim do ano passado, nós observamos um processo de recrudescimento. Só que o número de casos e óbitos sempre permaneceu em um patamar alto de incidência. Então não vemos como uma segunda onda, mas de um recrudescimento dentro da primeira onda”, analisa sobre a pandemia no Brasil.

“O Amazonas, logo no início da pandemia, teve um aumento muito intenso de casos e o Ceará também teve, só que nas últimas semanas o Amazonas teve uma curva epidêmica e o Ceará está em um aumento menos intenso. É para ficar vigilante, essa é a principal mensagem”, expõe. “Os dois cenários epidemiológicos são bem distintos, mas é necessário continuar com atenção. Principalmente pela questão da possível perda de imunidade de cada indivíduo (que já teve a doença) e pela chegada da variante P1. (sem as medidas) Poderia ter um recrudescimento desastroso.”

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Villela expõe que uma das principais preocupações no cenário cearense é a taxa de ocupação dos leitos de UTI dedicados à Covid-19. “Vinha se mantendo entre 60% e 80% e nessa última semana está em 86%. Isso acaba deixando uma margem pequena de atendimento”, alerta.

Segundo ele, o momento é de intensificar ações de controle e fortalecimento do sistema de saúde e de contenção de transmissões do coronavírus. “É preciso fortalecer as ações de saúde da família para identificar logo os casos antes mesmo de eles serem mais graves e manter ações de vigilância genômica”, indica, apontando a necessidade de monitorar as mutações virais.

De acordo com a plataforma IntegraSUS, da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), 86,98% dos leitos intensivos para pacientes com Covid-19 no Estado estão ocupados. Ao todo, são 588 cearenses em estado grave causado pelo coronavírus. Nos leitos de enfermaria, a taxa de ocupação é de 61,92%, sendo 1.131 cearenses internados pela doença. Os dados foram atualizados às 9h02min desta quinta-feira, 11.

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