
Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
A adoção de medidas de isolamento social como forma de prevenção à pandemia do Coronavírus causou diversas mudanças nos indicadores da criminalidade e da violência no Ceará. Em um primeiro momento, os homicídios aumentaram durante o período de isolamento rígido enquanto os roubos contra pessoa diminuíram, por exemplo. Os números da violência letal do primeiro trimestre de 2021 apresentam uma melhora na comparação com o mesmo período do ano anterior, mas os índices ainda permanecem elevados quando comparados aos dados de 2019.
É possível afirmar que o isolamento social também causou repercussão nas estatísticas sobre desaparecimentos. Em 2019, o Ceará contabilizou 1.912 pessoas desaparecidas, média de cinco ocorrências por dia. Em 2020, esse número caiu 15%. Foram registrados 1.622 desaparecimentos, média diária de quatro pessoas desaparecidas. Os dados são da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).
Quando se observam os registros ao longo do ano é possível perceber que os números caem drasticamente em paralelo aos períodos nos quais o isolamento social foi mais rigoroso. Os meses de abril (65), maio (65) e junho (84) de 2020 apresentaram números abaixo de 100 ocorrências, um resultado bastante inferior à média histórica. O mesmo ocorreu em março (90) deste ano quando um segundo lockdown foi decretado pelo Governo do Estado.
As restrições aos deslocamentos podem ter impedido as pessoas de deixarem suas casas, mas há um fator importante que também ajuda a explicar essa redução: a dificuldade em se fazer o registro formal dos desaparecimentos na pandemia. Conforme a coluna apurou, com o acesso mais limitado às delegacias, as famílias de renda mais baixa encontram mais dificuldades para utilizar os meios eletrônicos. Por causa disso, os casos de desaparecimento podem estar sendo subnotificados.
De acordo com a delegada Arlete Silveira, titular da 12ª Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), os problemas trazidos pela pandemia somam-se às motivações já tradicionais dos desaparecimentos. "É um período de insanidade. A escola, que é um fator que blinda, restou comprometida. A saúde mental entrou na pauta e motiva muitas situações de desaparecimento pois acirra conflitos domésticos. Nessa nova realidade muitas pessoas estão surtando", comenta.
A situação de vulnerabilidade socioeconômica causada pelo fechamento do comércio e o desemprego também são apontadas como um fator de agravamento dos casos. "Nas periferias, a miséria, uma velha conhecida da população, se agigantou. As pessoas estão disputando lixo de prédio. Tivemos um caso de um desaparecido que sumiu com um carrinho de reciclagem", revela a delegada.
O perfil das pessoas desaparecidas é majoritariamente masculino (66% dos casos) e na faixa etária entre 18 e 64 anos (68% dos registros). Esse recorte de gênero e de idade se manteve durante a pandemia. Chama atenção, contudo, que as crianças e adolescentes do sexo feminino são maioria nos desaparecimentos até os 17 anos. Das 332 ocorrências registradas entre março de 2020 até fevereiro de 2021 nessa faixa etária, 225 envolvem pessoas do sexo feminino (67% das ocorrências).
O Blog Escrivaninha descreveu um desses casos. No dia 30 de outubro, uma adolescente de 15 anos, moradora do município de Maracanaú, desapareceu de casa. A última informação sobre o paradeiro da jovem era a de que ela havia saído para se encontrar com um rapaz no município de Horizonte. Os dois teriam se conhecido por meio das redes sociais e, então, marcaram o encontro. Desde essa data a família não teve mais notícias sobre a situação da adolescente.
Mensagens de texto chegaram ao telefone celular de familiares dando conta de que ela estaria viva e morando com o jovem em um condomínio dominado por facções. No entanto, não há fotos recentes dela nem chamadas de vídeo que comprovem essa afirmação. A família relata a dificuldade de a polícia investigar o caso dadas as limitações impostas pela pandemia.
Os desaparecimentos podem ser classificados como forçados ou voluntários. Os dois tipos podem ser observados de forma simultânea quando se trata de crianças e adolescentes do sexo feminino como em um episódio ocorrido na semana passada, em que uma jovem de 16 anos foi resgatada pela Polícia Civil na zona rural do município de Catunda. Natural do Rio de Janeiro, ela veio para o Ceará há três meses, sem autorização da família.
A adolescente mantinha um relacionamento com um homem de 25 anos e foi encontrada trancada em um imóvel em situação de vulnerabilidade. Para a delegada Arlete Silveira, diversas causas podem ser enumeradas para explicar situações como essa: desde uma condição peculiar de desenvolvimento à busca de uma vida bem-sucedida como a retratada nas redes sociais. A fuga de casa surge como uma tentativa de realizar esse sonho. O problema é que muitas vezes ele se torna um pesadelo.
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