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Como a pandemia afeta namoros: casais que se formaram, terminaram, voltaram ou se transformaram
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Como a pandemia afeta namoros: casais que se formaram, terminaram, voltaram ou se transformaram

Começar ou terminar relacionamentos em meio a uma crise sanitária e política no Brasil parece tarefa fácil? Ao O POVO, cearenses compartilham relatos de amor e desencontros neste 12 de junho
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BEATRIZ E RAFAEL: afastados devido à pandemia, agora mantém um relacionamento a distância após 
ele aceitar oportunidade de emprego em
 Brasília (Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal BEATRIZ E RAFAEL: afastados devido à pandemia, agora mantém um relacionamento a distância após ele aceitar oportunidade de emprego em Brasília

Se o amor teoricamente a tudo sobrevive, a pandemia então seria apenas mais um obstáculo. Mas como lidar com o fato de que, em meio a uma crise de saúde pública, a melhor forma de demonstrar sua paixão foi não se encontrando com a pessoa amada? Junto à vida inconstante, os impactos da Covid-19 seguem influenciando mudanças em relacionamentos: de términos a casórios e relacionamentos a distância, O POVO compartilha algumas dessas histórias entre dois ou mais neste 12 de junho pandêmico.

Uma das histórias é de uma cearense que preferiu não se identificar ao compartilhar sua história. Em dezembro de 2019, ela conheceu um parceiro mais novo no ambiente de trabalho e logo percebeu interesse mútuo. O relacionamento começou em março de 2020, mas veio a pandemia e o parceiro foi demitido no corte de gastos da empresa.

Os reencontros seguiram acontecendo na medida dos protocolos possíveis: isolamento, testes e higienização ao chegar em casa. Entretanto, a relação acabou após o início da reabertura econômica em Fortaleza. A fonte cita um afastamento de interesse entre os dois. ”Para mim estava muito cômodo. Ele começou com isso de namorar, de dizer que me amava… mas eu achava que não tinha sentido”. Aos 42 anos e solteira, a moça segue em relacionamentos informais, porém, relata dificuldades. “Eu tenho receio em falar que sou uma mulher com liberdade sexual. Adoro chamego, mas quero fazer isso com uma pessoa recíproca. Enquanto isso não acontece, eu quero transar”, finca.

A restrição ao contato e ao toque

A situação atípica movimenta um turbilhão de sensações desde março de 2020, mês no qual os primeiros casos de Covid-19 foram confirmados no Ceará. "Nós, latino-americanos, somos conhecidos pelos abraços e beijos. Imagina tudo isso sendo reprimido de uma forma tão rápida em que o tocar o outro e ser tocado se transforma em algo apavorante?", questiona Zenilce Bruno, psicóloga, sexóloga e integrante da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana (Sbrash).

Zelnice avalia dois estados de espírito para casais em meio à pandemia: ou as pessoas perceberam que não conseguiam ficar em contato direto por 24 horas ou houve um reencontro de afinidades. "Essa manutenção do afeto cresceu bastante e percebemos que a classe social faz diferença: pessoas menos favorecidas, por exemplo, não tinham condições de privacidade e houve aumento dos índices de violência doméstica", relata.

A intimidade, inclusive, foi peça-chave no relacionamento de Adrian Yarno e Jesiane Silva. Os dois se conheceram no trabalho de Jesiane: ela como técnica de reparos e ele, cliente, em março de 2020. O interesse seguiu ao longo do ano, até que a segunda onda coincidiu com as férias do trabalho de Jesiane. Ela decidiu passar o mês na casa de Yarno, ainda morando com a mãe. "Quando você namora, você costuma sair, conhecer a cidade. Mas nós tivemos de ficar em casa, juntos. E acho que foi o pontapé para pensarmos no nosso futuro", explica ele.

"Acabaram as férias e eu precisei voltar pra casa da minha mãe, mas quando você faz isso, a vontade é de sair. É outra responsabilidade", relembra Jesiane. Um mês após o fim das férias, o casal passou a dividir um apartamento. Meses depois, noivou. O casamento está previsto para agosto deste ano, sem grandes festas, por ora. "É surreal: eu já namorei durante anos e não tinha essas vontades. Conheço a pessoa durante a pandemia e, meses depois, estamos morando juntos. Como pode?", brinca Yarno.

Encontrar possíveis cara-metade durante uma crise política, sanitária e social não é tarefa fácil. "As pessoas estão sendo mais assertivas: não é mais o currículo que importa, mas sim como a pessoa se cuidou durante a Covid-19. Elas estão prestando mais atenção se as pessoas têm uma vida mais tranquila", relembra Zenilce.

Relacionamentos reatados

E por que não voltar para o conforto de braços já conhecidos pelo afago? Após um relacionamento de onze anos, Marjorie Vitorino e Thuane Araújo se reencontraram devido à pandemia. “Nós tínhamos um gato juntas e ficamos em ligação por meses para saber sobre como ele estava no meio de tudo isso”, relembra o casal. Nas ligações virtuais, o sentimento passado foi assunto. Entre receios e várias versões diferentes de um término, um jantar de compromisso no dia 23 de julho de 2020 firmou novamente o namoro.

“Em meio a trabalhos e tantas notícias ruins, é muito bom chegar ao fim do dia e saber que aquela pessoa, seu suporte, está ali. É bom encontrar quem você ama”, comemora Thuane. Hoje, elas planejam morar juntas. "Tivemos gratas surpresas: pessoas que não se planejaram e deram certo, pessoas que estavam sozinhas e começaram a mandar mensagem... também tivemos muitos desencontros ou términos”, relembra Zenilce.

Para a terapeuta, a paciência é uma virtude. "Quando há amor, tudo bem. Mas quando a escolha de ficar juntos não é feita de forma legal, com critérios, as relações não dão certo. Precisamos entender que é uma parceria", orienta. O momento também pode ser de autossexualidade. "Pode ser um momento até de conhecer seu próprio corpo. Para quando uma nova pessoa chegar, você já dar dicas do que gosta e do que não gosta".

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Quando a distância deve ser mantida

Certamente o toque é uma das características mais gostosas de vivenciar em um relacionamento. Além da companhia diária, abraços e beijos são símbolos de afeto e demonstram além das palavras e outras atitudes. Mas, e quando há o reencontro e ele novamente deve ser cessado por destinos percorridos pela própria vida? Há algumas semanas, Anna Beatriz Gomes e Rafael Lessa enfrentam o dilema. 

A terça-feira do dia 1º de junho foi marcada pela ida de Rafael até Brasília, para uma oportunidade de trabalho esperada desde meados de abril de 2020. Na pressa da organização, a rotina encobriu os sentimentos de Beatriz. "Foi só quando o Rafael embarcou que eu me toquei: 'Meu Deus do céu, meu namorado! Ele tá embarcando e vai morar fora por um tempo!'. Foi uma loucura. Foi tudo muito automático", recorda. 

A arte atravessa o relacionamento do casal desde 2018. Ambos se conheceram em um teatro da Cidade, após uma performance de Beatriz. Logo mantiveram contato até o pedido, em 21 de dezembro do mesmo ano. O casal tem um duo musical, os Bemtevis, com apresentações em casamentos e outras festas em Fortaleza.

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Com a pandemia, os shows foram paralisados e o duo precisou se separar. Natural de Itapajé, Bia precisou voltar ao município para ficar com a família em meio à suspensão das aulas presenciais na Universidade Federal do Ceará (UFC), onde estuda, enquanto Rafael continuou em Fortaleza. "Passamos todo o período de lockdown separados, não nos vimos durante o meu aniversário e o aniversário dele. Nos encontramos apenas em junho, para conversarmos sobre trabalho", relembra a artista.

Antes do encontro, combinaram entre si medidas sanitárias: isolamento de 14 dias antes, deslocamento em transporte particular e higienização ao chegar em casa. "A pandemia como um todo traz uma sensação de insegurança. Estamos em uma corda bamba, não sabemos quando teremos uns aos outros e, enquanto eu tinha essas pessoas, eu me sentia aliviada ao encontrá-las", justifica.

Com o surgimento da oportunidade de trabalho de Rafael, o casal relembrou todas as ligações e videochamadas durante os meses separados pela Covid. Após conversas, decidiram continuar juntos, novamente a distância.

A arte surge novamente como forma de englobar a saudade. "Nossa forma de manter diálogo é enviando músicas quando possível, assistindo a filmes, escrevendo poemas, desenhando aquarelas... é um modo diferente, já que o toque não é possível". 

Semanalmente, Beatriz prepara os envios para Brasília. "A possibilidade dele ir e eu ficar representou um crescimento e uma forma de adquirir maturidade. Nós continuamos assim, com a intenção de levar o relacionamento até o momento de ele voltar ou até o momento de eu ir".

"Eu não queria ser apenas um bom namorado"

Devido aos compromissos em Brasília, Rafael não pôde participar da conversa junto de Beatriz. Mas ao O POVO, compartilha um relato:

A Bia é quem diz que sou um bom namorado. E é mais importante pra mim que ela ache isso do que o inverso. Afinal, relacionamento é muito sobre compartilhar, mas também sobre se doar, servir ao outro. Contudo, eu não queria ser apenas um bom namorado. Minhas intenções não param por aqui. E acho que, mesmo com um toque de romantismo e buscando uma maneira mais leve e artística de me expressar, sempre procurei ser claro sobre minha visão de futuro com ela. Sobre casamento, família e tantos planos que imagino pra nós dois.

Quero que um dia ela também me veja como um bom esposo, um bom companheiro de vida. Mas, para isso, eu sentia que ainda me faltava alguma coisa. Uma força a mais. Maturidade mesmo. Pessoal, profissional e espiritual. Então quando surgiu essa oportunidade de me mudar e trabalhar em outro estado, a primeira lembrança que me veio a Bia. E não foi de medo ou apreensão por nós dois. Na verdade percebi intuitivamente ali talvez o rito de passagem que eu estive esperando durante todo esse tempo. Um meio pelo qual eu possa crescer e me tornar quem eu quero ser para ela. Um caminho para encaminhar minha vida, de forma que daqui a algum tempo (na hora certa) nós possamos dar "um passo a mais".

Claro que "nem tudo são só flores". Ainda é cedo pra falar muita coisa. Tem horas que a saudade já aperta. É preciso manter o coração bem aquecido e zelar todo dia por essa "fogueira" que simboliza a nossa relação. Por isso, ter um propósito firmado e cultivá-lo todos os dias é o que me dá um norte para ressignificar qualquer percalço pelo caminho. Quando parece que algo perdeu o sentido, é só parar um pouco para recordar de onde vim e onde quero chegar. Ter uma relação e o amor como propósito de vida é uma grande força movedora. Nos dá motivo para acordar e alento para repousar todos os dias.

Só eu sei o quanto quero bem a esta menina...

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