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"16 anos é pouco para o que ele fez", diz mãe de trans assassinada
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"16 anos é pouco para o que ele fez", diz mãe de trans assassinada

| FEMINICÍDIO| Mãe da vítima avalia recorrer da decisão e pretende processar o Estado de São Paulo pelo descaso no socorro da filha
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ROSÂNGELA e Larissa Rodrigues: presença da filha ainda é nítida
 (Foto: Acervo familiar)
Foto: Acervo familiar ROSÂNGELA e Larissa Rodrigues: presença da filha ainda é nítida

Na casa onde morava com a família no Jardim Iracema, antes de se mudar para São Paulo em 2015, o quarto de Larissa continua conservado. Para a autônoma Rosângela Rodrigues, 55, mãe da jovem, ainda é nítida a imagem da filha afagando seus cabelos com um cafuné na sala de casa. Aos 21 anos, a cearense Larissa foi assassinada a pauladas no bairro Saúde, região nobre da capital paulista, em maio de 2019. O algoz dela foi condenado a 16 anos de prisão por feminicídio, na última quinta-feira, 10.

Apesar da decisão rara em casos de assassinatos de mulheres trans e travestis, para a família, a justiça ainda não foi feita. "16 anos é pouco para o que ele fez com minha filha, e não era a primeira vez que ele fazia isso. Já tinha processo. Gostava de agredir mulher", desabafa a mãe que pretende conversar com o advogado para recorrer da decisão.

Ao longo do processo, Rosângela viajou a São Paulo quatro vezes, no entanto, em nenhuma das vezes ficou cara a cara com o assassino da filha. O julgamento estava previsto para acontecer nos dias 10 e 11 de junho, mas mesmo sendo finalizado no dia 10, a mãe foi novamente à capital. "O advogado me falou que ele queria me pedir perdão na frente da Juíza, eu não ia aceitar", conta.

A família ainda pretende processar o estado de São Paulo pelo desrespeito à vítima no socorro. A mãe conta que os policiais, quando chegaram ao local, impediram o socorro de Larissa. Outra insatisfação foi ter sido ofendida pela advogada de defesa de Jonatas Araújo, 27, por "ter mandado a filha para São Paulo se prostituir". Larissa entrou na prostituição ainda em Fortaleza, pouco antes de decidir que iria embora para São Paulo, decisão que foi contestada pela mãe até o momento em que a filha avisou que havia comprado as passagens no mesmo dia em que ia viajar.

Aos 12 anos, Larissa já brigava com a irmã mais velha, Rosana, para poder usar suas roupas. Quando Larissa tinha 13 anos, Rosângela resolveu chamar o pai dela para conversar sobre a filha, que foi negada por ele junto com o irmão Rafael, que é gay. "Dizia que eram bichas", pontua.

Anos mais tarde, depois do assassinato de Larissa, Rosângela o chamou para conversar e ouviu dele que Larissa o perdoou antes de morrer. A mãe diz que o perdão ocorreu quando o pai precisou fazer uma cirurgia de urgência, e Larissa foi quem o ajudou financeiramente.

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Larissa ajudava nas despesas da família

Na família, Larissa era vista como uma mulher bondosa, sempre disposta a ajudar familiares e amigos. Inclusive, esse era o motivo de ela passar tanto "perrengue" em São Paulo. De acordo com Rosângela, em conversas com a irmã, Larissa revelava o desejo de sair da prostituição, mas antes queria juntar dinheiro suficiente para construir o salão de beleza da irmã e uma casa no andar de cima. Assim como Larissa, recorreram à prostituição 90% das vítimas mortas em São Paulo em 2019, cidade que lidera o ranking desses assassinatos desde 2019.

Com a renda, Larissa pagava a faculdade de Estética da irmã mais velha, o plano de saúde e o cartão de crédito da mãe, além de ajudar em despesas pontuais na casa, como reformas. Na época, a mãe trabalhava fazendo faxina e unhas. Com a pandemia, Rosângela começou a trabalhar vendendo salgados por encomenda, e a outra filha começou a vender confecção. 

Até hoje, Rosângela consegue ouvir a voz de Larissa quando alguma lembrança lhe ocorre, o que é constante. "Quando fui a São Paulo, passava pelos lugares que ela já esteve. Quando vi aquela avenida grande que ela costumava andar, eu sentia a lembrança dela", confessa. A memória forte da filha se mantém como elo que havia entre as duas. Rosângela conta que elas eram muito parceiras, sempre se ligavam, pelo menos, três vezes no dia. Na maior parte das vezes, era uma perguntando para a outra se ela já tinha almoçado, se já tinha jantado ou se estava bem. Em homenagem à irmã mais nova, Rosana batizou sua filha de três meses de Larissa. 

Decisão é rara 

A Justiça de São Paulo considerou Jonatas Araujo dos Santos, 27, culpado pelo feminicídio da cearense Larissa Rodrigues, assassinada em maio de 2019 a pauladas, no bairro Saúde, em São Paulo. A sentença proferida em júri popular finalizado na última quinta-feira, 10, ainda é singular em casos de assassinatos de mulheres trans e travestis.

O resultado é considerado raro na esfera jurídica, pois, apesar de ter sido sancionada em 2016, foi só em 2019 a primeira vez que Justiça de São Paulo julgou o assassinato de uma mulher trans como feminicídio. Foi quando Jamisson Sousa de Lima, de 26 anos, foi preso em flagrante por ter matado a mulher trans Raiane Marques, de 36 anos, no balneário de Praia Grande, no litoral sul paulistano. 

De acordo com o portal ConJur, em dezembro de 2020, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STF) também condenou por feminicídio o assassinato de uma jovem trans em Taguatinga (DF). A vítima foi espancada até a morte. Os nomes da vitima e do agressor não foram divulgados. 

Para Gioconda Aguiar, coordenadora do "Mães pela Diversidade no Ceará", a decisão, apesar de ser uma vitória por reconhecer a condição de mulher de Larissa, deixa muito a desejar pela pena atribuída ao assassino que cometeu um crime hediondo, premeditado, sem a mínima chance de defesa. 

O que mais dói, segundo Rosângela, é saber que o assassino da filha pode nem cumprir toda a pena, podendo ser solto antes do previsto por bom comportamento. "Se fosse um filho de um rico, será que deixariam essa pena tão branda? Nossa Justiça é falha", lamenta.

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