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Universidades cearenses alcançam maior produção científica da história
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Universidades cearenses alcançam maior produção científica da história

Volume de artigos publicados em periódicos internacionais no ano passado foi o melhor desde 1997. O estudo é da plataforma Web of Science (Wof), desenvolvida pela empresa britânica Clarivate Analytics
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Entre os cursos mais concorridos da UFC no Sisu 2021 estão Medicina, Direito e Odontologia; nota de corte do Enem para estas graduações chega a quase 800 pontos (Foto: Aurélio Alves/O POVO)
Foto: Aurélio Alves/O POVO Entre os cursos mais concorridos da UFC no Sisu 2021 estão Medicina, Direito e Odontologia; nota de corte do Enem para estas graduações chega a quase 800 pontos

Atualizada em 18/08

Em 2020, ano em que foi preciso dobrar a aposta na Ciência para enfrentar a Covid-19, as universidades públicas cearenses alcançaram recorde no volume de produção científica. É o que mostra levantamento da plataforma Web of Science (Wof), desenvolvida pela empresa britânica Clarivate Analytics, que cataloga e acompanha as produções acadêmicas de pesquisadores em todo o mundo. Segundo o estudo, no ano passado, as sete instituições públicas de ensino superior do Ceará registraram juntas 2.732 publicações de artigos científicos em periódicos internacionais. O número é 23,1% maior do que o de 2019 (2.218) e representa mais que o quádruplo do crescimento a nível nacional, que ficou em 5,1%. Foi o melhor desempenho da Ciência cearense desde 1997, ano em que os indicadores do Wof começaram a ser divulgados.

Do total de artigos publicados, a Universidade Federal do Ceará (UFC) concentra 70%. Na sequência aparece a Universidade Estadual do Ceará (Uece), com 12,9%, seguida pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE), com 7,5%. Logo depois a Universidade Regional do Cariri (Urca) aparece na lista com 4,1%, seguida da Universidade Federal do Cariri (UFCA), com 2,3%. A Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), com 1,6%, e a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), com 1%, completam a lista.

Na análise por área do conhecimento, Engenharia, Química e Ciências da Computação foram as que registraram os maiores percentuais de publicação, com 10,7%, 9,9% e 8,1%, respectivamente. Confira o desempenho de outras áreas que também se destacaram:

>> Agricultura: 7%

>> Bioquímica e Biologia Molecular: 5,4%

>> Ciências Ambientais: 5%

>> Farmacologia: 4,7%

>> Física: 4,1%

>> Saúde Pública: 4%

>> Ciências de materiais: 3,9%

Em termos percentuais, a UFCA foi a instituição que teve maior crescimento no volume de publicações, saltando de 32 artigos, em 2019, para 64 no ano passado, aumento de 100%. Já em números absolutos, a UFC lidera com ampla margem de diferença em relação à segunda colocada. A Unilab, por sua vez, foi a única a oscilar negativamente. Veja os números no gráfico abaixo:

Desafiando a crise

O avanço da Ciência no Ceará ocorre em meio a um cenário de sucessivos cortes orçamentários e redução de investimentos na área pelo Governo Federal. De acordo com o Governo do Estado, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), um dos principais órgãos federais de financiamento de pesquisa e inovação, diminuiu a oferta de bolsas de mestrado nas universidades de 258 para 217 no ano passado. Também houve redução das bolsas pela Capes, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que cortou 98 vagas de mestrado e 66 de doutorado.

A limitação financeira não atinge apenas o Ceará. Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre 2015 e 2020, os fundos de apoio à pesquisa científica e tecnológica no Brasil sofreram cortes de aproximadamente R$ 9 bilhões. No ano passado, o volume de recursos aplicados – cerca de R$ 4 bi – foi o menor desde 2005, quando os investimentos foram um pouco maior do que R$ 3 bi.

Para o pró-reitor de pesquisa e pós-graduação da UFC, Rodrigo Porto, a Ciência brasileira vive um momento de “asfixiamento orçamentário”. Apesar disso, ele acredita que o impacto dos cortes ainda não foi absolvido por completo pelos pesquisadores, o que permitiu crescimento nos índices de produção. “O custeio das universidades vem caindo. Esse é um problema que todos nós estamos enfrentando, inclusive no caso de bolsas de pós-graduação, mas ainda assim, com muita criatividade, esforço e um desejo tremendo da comunidade científica de colaborar com o país e com o mundo, nesse momento de dificuldade, aparentemente nós conseguimos não absorver na produção científica o impacto dessas reduções”, comenta.

Ainda segundo o pró-reitor, os bons indicadores de publicações internacionais da UFC também estão relacionados a parcerias externas que a instituição mantém com órgãos de fomento e Universidades do exterior. “Esse crescimento representa, antes de mais nada, um esforço continuado ao longo de um período de vários anos. A UFC está num processo de internacionalização já há alguns anos, inclusive ela faz parte de um consórcio seleto de instituições brasileiras selecionadas pela Capes que fomenta a participação internacional das mais diversas formas. Isso ocorre, principalmente, via mobilidade, por meio da ida de nossos estudantes e professores para o exterior ou através da vinda de professores e estudantes estrangeiros para a nossa instituição. Evidentemente que a pandemia prejudicou isso tudo, mas a comunidade também encontrou formas de trabalhar a distância, e as tecnologias foram extremamente positivas nesse sentido”, completa o gestor.

O esforço dos pesquisadores em manter as atividades cientificas no decurso de um ano atípico também foi fundamental para o bom desempenho da UFCA no levantamento. É o que acredita a pró-reitora de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação da instituição, Laura Hévila. “Mesmo com os cortes orçamentários, há um esforço da instituição e dos seus pesquisadores em manter as atividades de pesquisa em pleno funcionamento. E mesmo sendo ainda uma instituição jovem, a UFCA já produz pesquisas de qualidade em pleno sertão cearense, estudando objetos como fósseis, plantas medicinais, softwares e dimensões além do espaço-tempo”, afirma. Ainda segundo a pró-reitora, desde 2013, ano em que a UFCA foi oficialmente criada pelo Ministério da Educação, a Universidade já soma 371 projetos de pesquisa e mais de dois mil artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) informou ao O POVO que, nas sete instituições de ensino superior do Ceará citadas, no entanto, houve um aumento de 12 bolsas de mestrado (de 1.114 para 1.126, de 2019 para 2021) e de 78 bolsas de doutorado (de 1.057 para 1.135, no mesmo período). "O crescimento se deu graças a implantação do Modelo de Concessão de Bolsas e de ações estratégicas, como os Programas de Combate a Epidemias e de Desenvolvimento da Pós-Graduação nos Estados, criados em 2020", justificou. 

Ciência na pandemia

Ainda que a Covid-19 seja um obstáculo a mais na rotina dos pesquisadores, devido à necessidade de isolamento social, a crise sanitária foi um dos motores das produções científicas no ano passado. É o que acredita o pesquisador e professor do Departamento de Física da UFC, Antonio Gomes Filho. “A pandemia trouxe desafios para a pesquisa e praticamente todas as áreas se envolveram com essa temática, gerando mais publicações. Na produção do Ceará em 2020, em torno de 4% dos artigos foram relacionados à Covid”, destaca Antonio, que também é Cientista Chefe da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap). Criada em 2018, a iniciativa tem como objetivo unir o meio acadêmico e a gestão pública, fazendo com que pesquisadores ocupem funções estratégicas nas secretarias ou órgãos do Governo do Estado para identificar soluções de ciência, tecnologia e inovação que podem ser implantadas a fim de melhorar os serviços prestados à população.

Na contramão do cenário de redução de bolsas de pós-graduação pelos órgãos federais, no Ceará, a Funcap ampliou a oferta de oportunidades de mestrado (594 para 611) e no doutorado (464 para 473). Por outro lado, numa perspectiva mais ampla, números fornecidos ao O POVO pela Secretaria da Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Ceará (Secitece) mostram em 2020 houve uma queda de 6% no volume de investimentos em atividades de pesquisa e inovação pelo Governo do Estado. Em 2019, o montante foi de pouco mais de R$ 70 milhões. Já no ano passado, caiu para 65,7 milhões.

Apesar da oscilação negativa, Antonio Gomes avalia que os governos federal e estadual tem priorizado a Ciência de forma diferente. “No plano estadual, foram mantidas as políticas de bolsas e financiamentos de alguns projetos estruturantes. Novas linhas de financiamento implementadas pelo governo também foram criadas. No plano federal o sentido é o inverso, com uma evidente desestruturação dos grupos de pesquisa”, opina. De acordo com o pesquisador, a produção científica cearense se mantém em curva ascendente desde há pelo menos dez anos.

“A ciência no Ceará tem avançado tanto em termos quantitativos quanto qualitativos. Na produção científica global, cadastrada na base internacional Web of Science, de 2010 a 2020 o aumento foi de três vezes. Se olharmos a classificação dos programas de pós-graduação, saímos de uma situação onde tínhamos apenas dois programas com referência internacional para em 2017 termos 12 programas classificados pela Capes com padrão de excelência internacional. Nenhum estado do Norte e Nordeste tem essa quantidade de programas nessa classificação de excelência”, comemora o pesquisador.

Garantia legal

No começo deste ano, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou o um projeto de lei que proíbe o contingenciamento de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). O objetivo da medida é garantir que os recursos autorizados para o fundo sejam integralmente aplicados. Em 2020, por exemplo, o aporte orçamentário aprovado era superior a R$ 5,2 bilhões, mas o Governo utilizou apenas R$ 747 milhões.

A nova legislação também transformou FNDCT em um fundo de natureza contábil e financeira. A alteração permite que os recursos previstos, mesmo que não aplicados, permaneçam à disposição da entidade. Antes, o dinheiro não utilizado era enviado de volta para o Tesouro Nacional.

 

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