Um homem morreu na madrugada desta quarta-feira, 18, durante um novo confronto entre feirantes da rua José Avelino e a Guarda Municipal de Fortaleza (GMF). Conhecido como “Lorim”, Naison Abdenego de Sousa Barros, 31, trabalhava na feira vendendo confecção e levou um tiro. A ação aconteceu após um grupo de comerciantes realizar uma manifestação durante a noite de terça-feira, 17, e madrugada de quarta, 18. Com a chegada dos agentes, foram disparadas balas de borracha e bombas de efeito moral, que foram respondidas com pedras e estacas de metal. Alguns agentes da Guarda Municipal também ficaram feridos. Outro feirante ficou ferido e foi encaminhado ao Instituto José Frota (IJF), no Centro.
O confronto aconteceu na madrugada e, segundo relatos dos feirantes, eles teriam sido surpreendidos com tiros de borracha. Um dos disparos teria sido o que atingiu o homem, que foi encaminhado ao Instituto José Frota (IJF), no Centro. Alguns dos feirantes alegaram que foram utilizadas balas de verdade. Em nota, a Polícia Civil do Ceará (PCCE) disse que investiga as circunstâncias acerca da ocorrência que resultou na morte do homem.
O Instituto José Frota informou que, com a Lei de Proteção de Dados, a unidade não tem autorização para divulgar nenhum dado sobre pacientes. O caso foi registrado inicialmente no 34° Distrito Policial (DP), onde o irmão da vítima de 31 anos foi ouvido, e depois transferido para o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
"Nós estávamos conversando e reivindicando o nosso direito de trabalhar. Quando eles (os agentes) disseram que era ordem (parar a feira). Deram dez minutos para a gente sair. Foi quando eles começaram a atirar, e o pessoal (os feirantes) revidou", contou um dos comerciantes do local, durante a manhã de ontem. De acordo com o vendedor, os agentes desceram também jogando bombas de efeito moral.
Queiroz Barbosa, representante dos comerciantes do local e também feirante, conta que a categoria vem lutando por direito há 20 anos, mas nos últimos nove a situação vem se acirrando. Ele afirma que, durante esta madrugada, os agentes da Guarda chegaram a usar balas de verdade, não só de borracha. "A Guarda não avisa, só chega com truculência. Eles chegam atirando, sem falar nada", ressaltou ele. Ainda durante a manhã, alguns dos feirantes que permaneceram no local tinham marcas das balas de borracha, como mostram as imagens feitas pelo O POVO.
O sentimento de medo foi perceptível e relatado pelos feirantes. Mesmo assim, durante a manhã, o comércio seguiu sob policiamento de agentes da Polícia Civil e da própria Guarda Municipal. Uma aeronave da Coordenadoria Integrada de Operações Aéreas (Ciopaer) sobrevoou o local por alguns minutos ainda durante a manhã. Funcionários da Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) também estiveram no local. Por conta do confronto, a rua Alberto Nepomuceno ficou cheia de resíduos, como pedras e metais. Uma equipe de limpeza da Prefeitura esteve no local para realizar a remoção.
No fim da manhã, o caso também evoluiu com a prisão de duas pessoas, informação confirmada pelo coronel Eduardo Holanda, titular da Secretaria Municipal da Segurança Cidadã (Sesec) em entrevista à Rádio O POVO/CBN. De acordo com o coronel, os presos foram identificados e detidos pelas agressões aos agentes da Guarda e também por destruição do patrimônio público. Ambos foram encaminhados para o 34° Distrito Policial, no Centro.
A versão da Prefeitura é que os agentes da Guarda Municipal tentaram conversar com os feirantes, mas foram recebidos com violência. Segundo o coronel, os agentes faziam a proteção dos funcionários da Agefis, além de trabalhar para dispersar o grupo na intenção de evitar a aglomerações. A versão é negada pelos feirantes.
Após concederem um tempo para que os manifestantes fossem embora, os agentes teriam sido recebidos com pedras e rojões. O titular ressalta que, em situações como essa, os inspetores utilizam apenas balas de borracha. "Nós evitamos o armamento legal. A Guarda Municipal, nesses casos, ela se utiliza de granadas de efeito moral, granada de gás lacrimogêneo, spray de pimenta e munição de baixa letalidade", ressaltou em entrevista à Rádio O POVO/CBN.
O coronel ponderou, entretanto, que alguns agentes podem portar armas de fogo nessas situações, mas são orientados a utilizarem munição de baixa letalidade. Segundo ele, com a confirmação da morte, haverá uma investigação para identificar o autor dos disparos que vitimou o homem durante o confronto. As investigações devem avaliar também as agressões sofridas pelos guardas.
Já a Agefis afirma que vem atuando na região para evitar que o comércio de rua ocupe as vias públicas, pois atividades econômicas executadas em ruas e avenidas da Cidade são proibidas. Há a autorização de funcionamento das 6 às 16 horas apenas para o comércio varejista e atacadista das lojas e galpões situados nas imediações da rua José Avelino. A superintendente do órgão, Laura Jucá, ressaltou que uma reunião já foi solicitada com os secretários do Município para propor soluções para o comércio de rua da região.
Diálogo e solidariedade
O prefeito de Fortaleza, José Sarto (PDT) afirmou que dará prioridade máxima para achar "alternativa digna" para feirantes da José Avelino. O gestor determinou ainda a abertura de processo para apurar "com todo rigor possíveis excessos".
"Determinei também a abertura de processo administrativo para apurar com todo rigor possíveis excessos. Lamento os episódios de violência e me solidarizo com as vítimas. Vou empregar toda minha energia para evitar novos confrontos", disse o prefeito nas redes sociais. Sarto ressaltou que deve procurar uma solução que "respeite o uso e a ocupação dos espaços públicos e o decreto de isolamento social em vigor".
O governador do Ceará, Camilo Santana (PT), categorizou as imagens como "lamentáveis" . Segundo ele, o inquérito da Polícia Civil deverá ser feito com "todo o rigor e absoluta isenção". O governador afirmou ser preciso uma solução "pacífica" para o ordenamento da área. "O confronto nunca será o melhor caminho. Minha solidariedade às vítimas", pontuou por meio das redes sociais.
"O inquérito deverá ser feito com todo o rigor e absoluta isenção. Ressalto que é preciso que se busque uma solução pacífica para a questão do ordenamento da área, com muito diálogo e respeito", complementou Camilo. O prefeito José Sarto também se manifestou nesse sentido: "Estabeleci prioridade máxima para, juntos, encontrarmos uma alternativa digna para os ambulantes que ocupam o entorno da rua José Avelino. Uma solução que respeite o uso e a ocupação dos espaços públicos e o decreto de isolamento social em vigor".
No início da noite desta quarta-feira, 18, Sarto divulgou nas redes sociais que estabeleceu "um comitê que terá a missão de dialogar com representantes de vendedores ambulantes que atuam na rua José Avelino e entorno".
(Colaboraram Gabriela Almeida e Mônica Damasceno)