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Centro Pop do Centro atende até 700 mulheres em situação de rua por mês
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Centro Pop do Centro atende até 700 mulheres em situação de rua por mês

|SITUAÇÃO DE RUA| Desde medo de violências até as dificuldades de encontrar banheiros disponíveis, mulheres em situação de rua debatem necessidade de políticas públicas voltadas ao grupo
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ANA CRISTINA (primeira à esquerda) participou de roda de conversa sobre direitos e cidadania no Centro Pop do Centro ontem (Foto: Barbara Moira)
Foto: Barbara Moira ANA CRISTINA (primeira à esquerda) participou de roda de conversa sobre direitos e cidadania no Centro Pop do Centro ontem

Ana Cristina Santos da Silva, 43, mudou-se para Fortaleza em 5 de agosto de 2020. A mulher veio da Paraíba com o marido, uma filha de 15 anos e um filho de 11 anos devido a problemas pessoais. Chegando aqui sem lugar para ficar, mas com o telefone do coordenador do Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop) do bairro Centro, Elias Figueiredo, ela conseguiu uma vaga em um dos abrigos da Capital para ir com a família.

Desde então, Ana Cristina busca maneiras de não voltar para a situação de rua que vivia no estado natal. Há seis meses, ela conseguiu ser contemplada pelo programa de aluguel social oferecido pela Prefeitura, que consiste em um auxílio financeiro de R$ 420 destinado para o pagamento de aluguéis. O cadastro é válido por dois anos e pode ser renovado. Pelo menos 336 pessoas foram contempladas com o benefício em julho de 2021.

Apesar da ajuda para não ficar na rua com os filhos e o marido, Cristina ainda procura os Centros Pop e outros equipamentos voltados para a população em situação de rua para se alimentar. “Lá em casa tá tanto eu como meu esposo desempregados e a gente tá se mantendo pela Bolsa Família. Graças a Deus conseguimos o aluguel social e as refeições tanto pega ou aqui no Pop, nos Contêineres ou na Praça do Ferreira”, explica.

Ainda esperando ser atendida pelo Programa de Locação Social (PLS) que concede o auxílio para o aluguel, a artista Mayre Uchôa, 35, teme precisar voltar para a rua. Atualmente, com a ajuda de conhecidos e com o dinheiro que ganha dançando na Praça do Ferreira e se vestindo como a personagem de quadrinhos Mulher-Maravilha, Mayre consegue pagar o aluguel para ela e sua filha de 18 anos.

Mayre Uchôa, 35, se veste de Mulher-Maravilha para conseguir pagar as contas e não voltar para a situação de rua
Mayre Uchôa, 35, se veste de Mulher-Maravilha para conseguir pagar as contas e não voltar para a situação de rua (Foto: Barbara Moira)

“Eu tô lutando pra não voltar pra rua, tô atrás do meu aluguel social. Tô conseguindo pagar agora porque tem umas pessoas que me ajudam. Mas é hoje, amanhã pode não ter”, diz. Antes de participar da segunda edição do curso Novos Caminhos, que promoveu a capacitação de pessoas em situação de rua para o mercado de trabalho e deu auxílio em dinheiro para os participantes, Mayre dormia na rodoviária com a filha.

“Por mais que eu estivesse na rua, eu podia até passar fome, mas ela não passava. Se eu dissesse ‘Bia, só tenho um biscoito’, ela dizia ‘divide, mãe’. Se só tivesse um almoço, dividia com ela. Nunca deixei passar fome”, relata. Durante a pandemia, Mayre ficou sem renda novamente e teve de voltar para a casa da mãe, com quem não tem uma boa relação. Foi depois disso que conseguiu alugar o local em que mora agora.

“Quero conquistar meu espaço de artista e meu lar. Não quero brigar por parede. Quero brigar, batalhar, pra conquistar meu canto, meu larzinho. Um apartamento do meu jeito”, diz.

Mulheres procuram serviços para pessoas em situação de rua com famílias inteiras

O Centro Pop do bairro Centro, em Fortaleza, atende em média 500 a 700 mulheres em situação de rua por mês, de acordo com o coordenador, Elias Figueiredo. Ele conta que na pandemia o número de mulheres que passaram a frequentar o centro com as famílias inteiras cresceu. O Centro atende ainda aquelas que conseguiram sair da situação de rua, mas que ainda enfrentam dificuldades socioeconômicas. 

“Mulheres fazem parte de um público que vem em uma crescente, porque um número maior de famílias chegaram à situação de rua, muitas mulheres com crianças. No contexto de desemprego, algumas não conseguem pagar os aluguéis e acabaram vivendo em situação de rua”, explica.

Elias afirma que o número de pessoas atendidas pelo Centro Pop que coordena praticamente dobrou de 2019 até 2021. “Nesse equipamento, a gente atende de 2.300 a 3.000 pessoas por mês. No contexto da pandemia a gente teve um aumento das pessoas em situação de rua na cidade de Fortaleza como um todo. Antes da pandemia, a gente tinha uma média de 1.700 a 1.900 pessoas em situação de rua atendidas”.

Apesar do perfil da maioria dos atendidos serem de homens de até 45 anos e solteiros, mulheres com crianças e adolescentes estão cada vez mais presentes no centro de referência. Elias explica que elas costumam agregar a família ao cotidiano, levando os filhos para onde precisam ir no dia a dia.

Devido a restrições de aglomeração, o Centro ainda não oferece atividades para famílias inteiras, mas aos poucos volta a ofertar espaços de convivência, rodas de conversa e outras atividades que contemplem também esse novo público.

Vivência na rua é diferenciada para mulheres

A educadora social Daniela Ximenes conversou com as mulheres atendidas pelo Centro Pop sobre direitos e acesso a serviços
A educadora social Daniela Ximenes conversou com as mulheres atendidas pelo Centro Pop sobre direitos e acesso a serviços (Foto: Barbara Moira)

“A gente sabe que a vivência das mulheres é mais vulnerabilizada, está suscetível a sofrer maiores violações. Então a gente desenvolve atividades sobre prevenção a gravidez indesejada, planejamento familiar, prevenção de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), temas de fortalecimento de vínculos entre as mulheres da rede de apoio”, diz Elias.

Nesta terça-feira, 14, mulheres atendidas pelo Centro se reuniram para discutir cidadania e direitos da população em situação de rua durante uma edição da roda de conversa promovida quinzenalmente no equipamento. Outras edições já tiveram temas relacionados ao ciclo menstrual e higiene pessoal da mulher. O momento deixou de acontecer durante a pandemia, mas voltou a ser realizado em agosto de 2021.

Uma das principais reclamações das onze mulheres que participavam da roda de conversa foi a falta de banheiros que atendessem suas necessidades. “De noite você não tem um banheiro pra tomar um banho. De dia tem os Centro Pops, tem os locais de tomar banho. Mas e a noite?”, reclamou Mayre. Outras mulheres reclamaram da falta de privacidade e do medo de sofrerem violências sexuais em locais que precisam dividir banheiros com homens.

“É uma marca das pessoas que estão em situação de rua o desejo de falar, de ter alguém ali que escute suas dores, que dê importância para aquilo que elas estão sentindo. E a mulher principalmente, pelas várias necessidades que elas enfrentam. Elas têm seus ciclos menstruais e necessidades físicas próprias da mulher e às vezes não tem políticas que atendam essa demanda que é tão específica desse público”, diz a facilitadora da roda de conversa, Daniela Ximenes.

A educadora social afirmou também que os encontros servem para explicar os direitos das mulheres, informar quais equipamentos públicos podem procurar em caso de problemas como violência sexual ou doméstica e questões de saúde.

Censo da população de rua deve ser divulgado até o fim de 2021

Licitado e com contrato assinado desde 2020, o censo que deve contabilizar a população em situação de rua em Fortaleza deve ser finalizado até o fim de 2021, de acordo com o secretário municipal de Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS), Cláudio Pinho.

A previsão da secretaria dada em janeiro de 2020 era que o censo fosse iniciado ainda em fevereiro daquele ano. No entanto, com a situação da pandemia, as pesquisas nas ruas só puderam ser iniciadas em junho de 2021. “Nós não recebemos ainda o resultado, mas até o final do ano nós teremos toda essa pesquisa para podermos planejar as ações da Prefeitura com a população de rua”, disse Cláudio ao O POVO.

“Nós temos que descobrir por que a pessoa está na rua. Se é só a dificuldade econômica, se é a pandemia, se é a questão de drogas, tudo isso tá sendo levantado nesse censo”, explica.

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