As grandes labaredas desta semana que impactaram mais de 46 hectares na área do Cocó, o maior fogo já registrado na principal floresta de Fortaleza, serviram para evidenciar que os focos de incêndios não acontecem pontualmente na extensão do parque estadual. São colunas de fumaça recorrentes vindas da região, grandes ou nem tanto, mas com danos que avançam a cada ano, conforme levantamento feito pela DATADOC, Central de Jornalismo de Dados do O POVO.
Segundo a plataforma BDQueimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), nos últimos dez anos, de 1º de janeiro de 2011 até 18 de novembro de 2021, foram identificados 553 focos de incêndio no território de Fortaleza, sendo a maior concentração deles justamente num trecho do entorno da barragem do Cocó, inaugurada há quatro anos. Esses pontos mais recorrentes foram nos bairros Conjunto Palmeiras, Jangurussu e Conjunto José Walter, relativamente próximos do reservatório.
Os dados do Inpe/BDQueimadas são captados por um conjunto de satélites para fins de monitoramento, atualizados a cada 24 ou 48 horas. A barragem do Cocó, localizada no Conjunto Palmeiras, foi inaugurada em junho de 2017, mesmo mês e ano em que o Parque Estadual do Cocó foi regulamentado pelo governo estadual. A unidade de conservação é monitorada e administrativamente protegida por lei estadual - mas ainda não livre das agressões ambientais de toda ordem.
Na análise mais específica, é flagrante o crescimento anual dos focos de incêndio na cidade. Com exceção de 2017, em que 33 focos de incêndio foram identificados, desde 2013 os números só crescem em Fortaleza.
Entre 2015 e 2020 (considerados os últimos cinco anos completos, já que 2021 ainda não acabou) foi registrada alta de 117% em focos de incêndio na Capital cearense. Os casos saltaram de 52 para 113 no período. O pior ano foi justamente 2020. Em 2021, já são 93 registros, conforme o BDQueimadas. Ou seja, a fumaça que se espalhou fortemente pela Capital no dia deste último incêndio no Cocó vem tomando os ares locais cada vez mais.
O segundo semestre, mais seco, de temperaturas mais elevadas e temporada de ventos mais fortes que podem agravar o espalhamento do fogo, têm praticamente todos os registros desses focos. Mais de 92% são entre agosto e dezembro, sendo 78% entre setembro e novembro. Setembro tem 33% das ocorrências.
Não é possível afirmar que os incêndios observados pelo Inpe são irregulares ou não. São anotados apenas como focos de incêndios dentro do mapa de Fortaleza.
Não há uma estatística centralizada no Estado sobre os focos e ocorrências de incêndios na área do Parque Estadual do Cocó- sejam grandes como o desta semana ou médios e insignificantes. A dispersão de dados pode atrapalhar na estratégia para combater as ocorrências. O Datadoc, Núcleo de Dados do OPOVO, colheu números destoantes da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) e registros sem nenhum detalhamento feito pelo Corpo de Bombeiros Militar (CBM-CE)
Por exemplo, nos apontamentos da própria Sema, que administra o Parque, foram anotados 45 grandes ou médios incêndios nas delimitações do Cocó desde 2015 até este último episódio, entre quarta e quinta-feira. Na Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops), que recebe chamados para as ocorrências, aparecem 37 casos nas imediações do Cocó entre 2017 e 2021. No ano 2018, a Ciops apontou 13 incêndios, a Sema apenas quatro - porque só considera os de grande e médio portes.
Procurado, o Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (CBM-CE) apresentou números ainda maiores de 2021 para casos com o perfil "incêndios em vegetação" em Fortaleza - e anotados apenas entre janeiro e outubro. Nessa ocorrência, a corporação fez 2.694 atendimentos, sendo 1.884 deles (69,93%) entre agosto e outubro. A assessoria de imprensa do CBM confirmou que o órgão apenas quantifica, sem especificar hora nem local. Esse detalhamento seria todo feito em relatório de ocorrência pela Ciops.
O último mês de setembro teve mais chamados para os Bombeiros debelarem esses focos que todo o primeiro semestre deste ano. Os dados de novembro só serão computados ao final do mês, segundo a assessoria de imprensa dos Bombeiros. A corporação não informa hora, local nem data dos atendimentos.
"Ao lado da barragem tem o pessoal que pesca, faz pequenas fogueiras. Eles saem, deixam o fogo e acontecem pequenos incêndios que não registramos. Muitas vezes a população não nos informa, resolve lá mesmo, liga direto para os Bombeiros, acaba não entrando na nossa contagem. Só registramos os médios e grandes incêndios", justificou o administrador do Parque do Cocó, Paulo Lira, sobre os registros de focos no entorno da barragem.
Ele também descreve que pequenos monturos queimados acabam aparecendo como ocorrências, geram algum transtorno, mas não entram nas anotações pelo porte do fogo. Em outubro, a Sema fez a admissão de 19 novos brigadistas para combater incêndios na área do Parque.
Nesta sexta-feira,19, O POVO pediu acesso às informações dos Relatórios de Ocorrências de Incêndios (ROIs) feitos pela Sema. Não foi possível obter o detalhamento. Tanto o coordenador do Programa de Prevenção, Monitoramento, Controle de Queimadas e Combate aos Incêndios Florestais (Previna), Leonardo Borralho, quando o administrador do Parque, Paulo Lira, vinculados à Sema, estavam em vistorias na área afetada pelo incêndio.
A partir da vistoria aérea e de campo na região afetada pelo fogo, com sobrevoos e percorrendo a pé o cenário atingido, a Sema confirmou que o perímetro do incêndio florestal chegou a 3,77 km, com 46,2 hectares de área impactada pelas chamas. O levantamento é inicial e deverá se estender durante este fim de semana.
Este ano, até outubro, 15 autos de apreensão e prisões em flagrante foram realizados no Ceará com base no artigo 250 do Código Penal Brasileiro: "Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem: Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa.
Está sendo inclusive o ano com os menores registros, no período contado a partir de janeiro de 2017. No subtotal de janeiro a outubro, 2019 chegou a ter dez vezes mais apreensões e prisões (153 registros). No acumulado (janeiro/2017 a outubro/2021) foram 279 autos.
Os dados foram informados a DATADOC pela Superintendência Estadual de Pesquisa e Estratégia de segurança Pública (Supesp), órgão da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) que analisa as estatísticas ligadas ao setor.
A nota repassada pela assessoria de imprensa da SSPDS traz apenas os quantitativos, sem detalhar as ocorrências nem situação atual dos casos. A Secretaria ressalta que esses são os dados disponíveis referentes a incêndios e prisões em sua atribuição. "Outras informações são de competência de outras pastas, como a Secretaria do Meio Ambiente (Sema)".
Nos últimos cinco anos completos, entre 2015 e 2020, Fortaleza apresentou um aumento de 5,47% nas chamadas cicatrizes de fogo. As marcas deixadas pelos incêndios no território da Capital cearense passaram de 347 hectares (ha) para 366 ha , segundo a plataforma MapBiomas Fogo, que rastreia esse cenário em todo o Brasil a partir de mosaicos de imagens dos satélites Landsat.
O MapBiomas é uma iniciativa do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG/OC), produzido por uma rede colaborativa de co-criadores formado por ONGs, universidades e empresas de tecnologia organizados por biomas e temas transversais. O período mapeado no País foi entre 1985 e 2020, com dados mensais e anuais das cicatrizes de queimadas em todo o território nacional.
Ao observar o mapa da Capital, percebe-se que esses registros estão localizados nas proximidades da área do Parque Estadual do Cocó, porém em bairros periféricos como Conjunto Palmeiras, Barroso, Dias Macêdo e Pedras. Há registro também no bairro Sapiranga. Focos de incêndios na área "nobre", como os bairros Cocó e Papicu, não apareceram na observação feita pelo DATADOC, Central de Jornalismo de Dados do O POVO.
Essas cicatrizes sofreram elevações constantes de 1985 a 2012, passando de 50 hectares registros para 347 ha. A partir de 2012 houve uma estabilização nesses eventos, que voltou a subir em 2018.
No recorte Desmatamento, os dados do MapBiomas Alerta (sistema de validação e refinamento de alertas de desmatamento de vegetação nativa em todos os biomas brasileiros com imagens de alta resolução) mostra que em Fortaleza houve o registro de um alerta, detectado em outubro de 2020, e que resultou em três hectares de área desmatada num intervalo de três dias.
A área é equivalente a quase quatro Praças do Ferreira, principal praça do Centro da Capital, ou duas vezes e meia o tamanho do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. O período monitorado foi de 2019 aos dias atuais.
Ao observar os alertas para área sobre o mapa base do MapBiomas, observa-se que desde 2013 o sistema emite avisos sobre desmatamento na área. O registro também está localizado em bairros mais afastados do centro da Capital. O alerta detectado em outubro de 2020 fica no bairro Mondubim, região que vem avançando na ocupação habitacional.
Os polígonos de alerta de desmatamento e respectivos laudos disponíveis na plataforma MapBiomas Alerta são produzidos a partir da análise de polígonos identificados pelos sistemas Deter/INPE (Amazônia e Cerrado), SAD/Imazon (Amazônia), SipamSAR/Censipam (Amazônia), Sirad-X/ISA (Bacia do Xingu), SAD-Caatinga/UEFS (Caatinga) e GLAD/Universidade de Maryland (Mata Atlântica, Pantanal e Pampa). Cada alerta é validado por inspeção visual e, na sequência, para cada um é selecionada uma imagem de alta resolução de data anterior e outra posterior ao desmatamento.
Segundo o Global Forest Watch, plataforma online que acompanha as mudanças das florestas no planeta em tempo real, Fortaleza perdeu 396 hectares de cobertura arbórea entre 2001 e 2020. É uma redução de 21% na cobertura florestal desde 2000, representando 111 kt (quilotoneladas) a mais de emissões de gás carbônico.
De 2003 a 2020, Fortaleza perdeu 19 hectares de floresta primária úmida, representando 5,4% de perda total de cobertura arbórea no mesmo período. A área total de floresta primária úmida em Fortaleza diminuiu 4,2% nesse período.
Essa perda total de cobertura de árvores engloba as florestas primárias secas e não tropicais, florestas secundárias e plantação de árvores, além da perda de floresta primária úmida. O ano com maior perda de floresta primária foi 2017, com 14 hectares .
Isso se deve a uma série de fatores, que vão desde incêndios, mudanças climáticas, desmatamento, ocupações irregulares, entre outras ações.
A plataforma aponta que, nos últimos 30 dias, Fortaleza apresentou um total de 11 alertas de incêndio (VIIRS Alerts).
Os dados utilizados para nesta matéria são oriundos de bases públicas do Governo Federal, ONGs, institutos de pesquisa, entre outros órgãos ou instituições. Todas as bases de dados utilizadas nesta reportagem podem ser acessadas no perfil do DataDoc no GitHub. Esta é uma forma de garantir a transparência, reprodutibilidade e credibilidade dos métodos utilizados.
Esta matéria tem texto de Cláudio Ribeiro, análise e visualização de dados de Alexandre Cajazeira e Thays Lavor; pesquisa e levantamento de dados de Roberto Araújo e Miguel Pontes