Durante sete dias deste mês de novembro de 2021, o fortalezense assistiu as chamas consumirem cerca de 46 hectares do maior parque natural em área urbana do Norte/Nordeste, e o quarto maior da América Latina, o Parque do Cocó.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS/CE), um inquérito policial foi instaurado pela Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) para apurar as causas do incêndio. De acordo com a pasta, a Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) vem coletando vestígios que determinarão quais foram os pontos de ignição do incêndio (focos do incêndio).
Os trabalhos de investigação seguirão durante os próximos dias e, de acordo com a SSPDS, "qualquer especulação sobre possíveis motivos para a ignição do fogo é precipitada". Ao final da investigação, os dados serão analisados para identificar as causas e quantificar, oficialmente, a área devastada. Posteriormente, o documento será entregue à PCCE, que deverá finalizar o inquérito policial em cerca de 30 dias.
O Parque do Cocó é apenas um dos 25 Parques Urbanos presentes na cidade de Fortaleza. De acordo com a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), 23 parques estão sob gestão municipal e dois sob gestão estadual. 14 desses parques possuem alguma lagoa em seu território.
Na lista da Seuma, consta que os dois parques administrados pelo Governo do Estado são o Parque Estadual do Cocó e o Parque Linear Adahil Barreto. Entretanto, de acordo com a Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema), o Adahil Barreto é considerado apenas uma área que integra o Parque do Cocó.
O cuidado com a preservação desse tipo de ambiente é fundamental para que o processo de degradação não chegue a esses locais. O biólogo e doutor em Biologia Vegetal Marcelo Freire Moro, professor do curso de Ciências Ambientais do Labomar/UFC, explica a importância da preservação das áreas verdes dentro das grandes aglomerações urbanas, como é o caso da cidade de Fortaleza.
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"Pode-se ter um parque natural para preservação ou parque artificial, com uma área verde feita para os humanos. Entretanto, ambas cumprem funções importantes. Essas áreas verdes reduzem a temperatura média da cidade, gerando microclimas mais agradáveis", explica o especialista.
Freire ressalta, ainda, que a preservação dessas áreas é capaz de proteger o fluxo hidrológico natural, permitindo que a água escorra por riachinhos ou outros meios naturais.
De acordo com a Seuma, a definição de um ambiente como parque se dá pela presença de áreas verdes, consideradas como áreas de proteção especial, com predomínio de vegetação e de características naturais. Já o que o define como urbano é estar localizado dentro da cidade.
De acordo com a pasta, a maior parte dos parques urbanos de Fortaleza permite a integração da população com a natureza, propiciando espaços de lazer, contemplação e prática de atividades físicas.
Dentre os 23 Parques Urbanos administrados pela Seuma, em termos de área, os maiores são o Parque Linear Rachel de Queiroz (1.347.279,45 m²), o Parque Urbano da Lagoa da Sapiranga (994.840,13 m²) e o Parque Urbano da Lagoa da Parangaba (567.701,84 m²).
Apesar da relevância desses parques para a cidade, os espaços ainda não são zelados como deveriam, é o que o avalia o geógrafo e professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE),Luiz Cruz. Questionado se Fortaleza possui um histórico de preservação de sua área verde, o professor é categórico.
"Não preserva. A própria condição da necessidade de valorização dos parques é muito recente", destaca. Para Cruz, as condições de lazer e bem-estar oferecidas por esses espaços atraem grande interesse do mercado imobiliário, o que gera um risco às áreas verdes.
"Temos o exemplo do Cocó, aqui em Fortaleza. O Parque é altamente cobiçado ao seu redor. Até hoje, isso não está resolvido, porque muitos espaços ainda estão na mão do setor privado, embora não se tenha direito territorial sobre isso", ressalta.
Sobre os cuidados adotados pela Prefeitura de Fortaleza, visando a proteção dos Parques Urbanos, a Seuma evidencia que, além da manutenção habitual, cada parque tem suas particularidades em termos de plano de ação.
De acordo com a pasta, frequentemente, a Seuma realiza plantios e doação de mudas em ações coordenadas com atividades da Prefeitura de Fortaleza ou entidades da sociedade civil. Todos os parques municipais são contemplados pelo Plano de Arborização da Cidade.
No âmbito Estadual, segundo o secretário Artur Bruno, titular da Sema, pasta responsável pela administração do maior Parque Urbano da Capital, o Parque do Cocó possui um plano de manejo com objetivos claros: preservação da fauna e flora, além do desenvolvimento de áreas para uso sustentável da população.
"Nos nossos parques, nós trabalhamos a educação ambiental, temos placas de incentivo à essa conduta, e ainda fazemos a coleta seletiva de resíduos nos locais", destaca.
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Durante os últimos anos, a cidade de Fortaleza tem investido na revitalização de alguns de seus parques. Com a gestão do Parque do Cocó sendo de responsabilidade estadual, o Parque Rachel de Queiroz, presente em 14 bairros da Capital, é o maior espaço gerido pela Prefeitura.
O Rachel de Queiroz existe oficialmente desde 2014, e as obras para a conclusão do espaço seguem em andamento. De acordo com o Projeto Fortaleza Cidade Sustentável, a previsão era de que durante o segundo semestre de 2021 houvesse o início da terceira etapa das obras do Parque, entretanto, de acordo com a Seuma, a obra encontra-se apenas com 90% dos trabalhos da primeira fase concluídos.
De acordo com a pasta, a primeira etapa do Parque Rachel de Queiroz engloba quatro trechos, estando dois já totalmente finalizados e outros dois com previsão de entrega para dezembro deste ano. Conforme a Seuma, a segunda fase do parque está prevista para ser licitada agora neste mês de dezembro.
O POVO foi até um dos trechos que está passando por restauração, localizado na avenida Gov. Parsifal Barroso, no Presidente Kennedy. No local, além de máquinas e homens trabalhando, já é possível observar a vasta área verde com alguns lagos, além de um córrego que corta o Parque.
Maria Luciene, 64, moradora do bairro há 30 anos, comenta que a revitalização da área é um antigo desejo de quem vive na região. "Sempre tive esperança que pudessem fazer algo por essa área aqui, agora eu vejo que está andando e um pouco do resultado. Uma área verde sempre faz bem, aqui antes era só uma mata e muita lama", relata.
A moradora comenta que, mesmo antes da conclusão das obras, muitas pessoas já passaram a usufruir do local. O lado negativo, segundo ela, é a quantidade de lixo presente tanto no córrego, quanto nos lagos.
"De manhã cedo muita gente já tá aproveitando, eu sempre caminho por aqui. Mas as pessoas precisam cuidar, olha o tanto de lixo. Além disso, espero que também coloquem segurança aqui, pra gente andar tranquilo", completa.
A administradora Udileide Lima, 52, que também mora próximo ao Parque, destaca que o investimento em áreas verdes sempre será benéfico para a cidade e seus habitantes. Ela também cobra um maior cuidado por parte dos outros moradores.
"A gente tem um clima muito quente, precisamos promover o verde na nossa cidade. Se cada um fizer a sua parte, as coisas melhoram, com ar puro e mais árvores. Não temos que depender só do Governo. A população, muitas vezes, não ajuda, fica só esperando do outro", desabafa.
Em outro ponto da cidade, o Parque Urbano Lago Jacarey, localizado na Cidade dos Funcionários, também passou por um recente processo de revitalização. Com uma área total de 21.655,27 m², o espaço abriga diversas espécies de aves, o que tornou o local atrativo para a contemplação da natureza.
"Não tem coisa melhor do que você sentar debaixo de um pé de árvore desses. Aqui passou por algumas mudanças nos últimos anos. Sempre tem mais alguma coisa pra fazer, mas ficou bom", avalia o aposentado João Luiz Alves, 65, turista de Brasília, que costuma visitar a capital cearense.
João mostra estar conectado nas causas ambientais e pede que as pessoas levem a sério as questões climáticas. "Tivemos agora aquela COP 26, a natureza precisa ser tratada com seriedade ou nós vamos desaparecer. É como dizem, Deus e o homem podem perdoar, mas a natureza não. Se você mexer com ela, você vai sofrer as consequências", finaliza.
Quem também mostra conexão com a natureza é Francisco Diogo, 71. Ao lado do amigo, ele comenta que sempre vai ao Parque às terças e quintas para pescar, apenas por diversão.
"Aqui é muito tranquilo, a gente pesca uns peixinhos e devolve pra água. Tenho até uma amiga aqui (uma garça), que, de vez em quando, se aproveita da pescaria", brinca Diogo.
Apesar do clima agradável do Parque, Diogo é mais um a reclamar da falta de cuidado por parte da população. "Infelizmente, ainda tem muito lixo por aqui. Mas sempre o pessoal da Prefeitura passa uma rede pra tirar os dejetos e os aguapés. A gente até olha eles (o poder público) fazendo alguma coisa, mas quem não cuida é o povo", lamenta.
O geógrafo e professor Luiz Cruz, da Universidade Estadual do Ceará (UECE), acredita que os governantes precisam ser mais assíduos na propagação da educação ambiental.
"A educação ainda é muito carente na propagação desse tipo de informação de obediência à natureza, a população, por sua vez, não tem a orientação governamental. A tendência de cada pessoa é tirar os excessos de perto dela, como o fumante que joga ponta de cigarro no ambiente", destaca.
Em âmbito estadual, o secretário do Meio Ambiente do Estado do Ceará, Artur Bruno, destaca que a educação ambiental é a prioridade do governo. De acordo com ele, o fortalezense adquiriu, durante os últimos anos, o hábito de usufruir dos parques da cidade, e precisa passar por esse processo educacional.
"Se criou um hábito que Fortaleza não tinha, que é o de frequentar os parques, hoje, sobretudo nos finais de semana, as pessoas realizam suas atividades nos parques, coisa que não acontecia".
Para o secretário da Sema, o Estado seguirá empenhado em coibir práticas que gerem algum dano ao meio ambiente. "Lamentavelmente, uma parte da população continua descartando lixo de forma errada e usando o fogo para queima. Temos a coleta regular em Fortaleza e as pessoas insistem nisso. A educação, para nós, é uma prioridade, mas ainda precisamos avançar muito nesse aspecto", complementa.
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O maior dos Parques Urbanos da Capital ainda carrega as marcas do incêndio que o atingiu durante este mês. Após dias de trabalho dos bombeiros e o fim das chamas no local, a Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema) já pensa no futuro e em como recuperar a área atingida.
"Nós perdemos cerca de 50 árvores, em uma área que fica próxima à av. Murilo Borges. Fortaleza gosta tanto do Cocó, que já recebemos o apoio de parceiros e vamos plantar 500 árvores, quando as primeiras chuvas chegarem", explica o secretário Artur Bruno, titular da Sema.
Sem precisar a data em que a ação ocorrerá, ele explica que o objetivo é multiplicar em 10 vezes o número de árvores que existiam no local antes do incêndio. De acordo com o secretário, boa parte da área atingida abrigava vegetação de capim.
"É preciso saber que a área atingida pelo incêndio é uma área de capim, 90% da área de incêndio é um capinzal que fica na beira do rio. No segundo semestre, como as chuvas param, fica um capim seco, foi aí que aconteceu o incêndio".
Mesmo pensando no futuro, o titular da Secretaria afirma que a gestão estadual seguirá buscando os culpados pela origem do fogo no Parque do Cocó.
"Os trabalhos continuam. Nós queremos punir os responsáveis, pode ser um crime culposo ou doloso. Mesmo que seja alguém que não tinha a intenção, foi um crime, só se pode usar fogo com licença ambiental", finaliza.
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Há 25 Parques Urbanos situados em Fortaleza, sendo 23 sob gestão municipal e 2 sob gestão estadual.
1 - Parque Estadual do Cocó (gestão estadual)
2 - Parque Linear Adahil Barreto (gestão estadual)
3 - Parque das Iguanas
4 - Parque Arquiteto Otacílio Teixeira Neto (Bisão)
5 - Parque Linear do Parreão
6 - Parque Linear do Riacho Maceió
7 - Parque Linear do Riacho Pajeú
8 - Parque Linear Rachel de Queiroz
9 - Parque Urbano da Liberdade (Cidade da Criança)
10 - Parque Urbano Rio Branco
11 - Parque Urbano do Sitio Tunga
12 - Parque Urbano da Lagoa da Parangaba
13 - Parque Urbano da Lagoa do Papicu
14 - Parque Urbano da Lagoa do Porangabussu
15 - Parque Urbano da Lagoa da Itaperaoba
16 - Parque Urbano da Lagoa da Maraponga
17 - Parque Urbano da Lagoa da Sapiranga
18 - Parque Urbano da Lagoa da Viúva
19 - Parque Urbano da Lagoa de Maria Vieira
20 - Parque Urbano da Lagoa do Catão
21 - Parque Urbano da Lagoa do Mondubim
22 - Parque Urbano da Lagoa do Opaia
23 - Parque Urbano da Lagoa Redonda
24 - Parque Urbano do Lago Jacarey
25 - Parque Urbano Jornalista Demócrito Dummar (Lagoa de Messejana)
*De acordo com a Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema), o Parque Adahil Barreto é considerado apenas uma área que integra o Parque do Cocó, não havendo separação entre os dois. Entretanto, a Seuma identifica os espaços como parques separados.