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Covid: com testagem insuficiente, Brasil pode demorar a ver nova onda chegando
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Covid: com testagem insuficiente, Brasil pode demorar a ver nova onda chegando

País continua às escuras, sem vigilância epidemiológica adequada. Com a introdução de nova variante — a Ômicron — que requer sequenciamento genético para identificação, quadro fica mais preocupante
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Ceará soma 26.421 mortes e 1.230.685 casos de Covid-19 (Foto: Fernanda Barros)
Foto: Fernanda Barros Ceará soma 26.421 mortes e 1.230.685 casos de Covid-19

O Brasil nunca realizou quantidade de testes suficiente para fazer uma análise fiel ao cenário da pandemia. Por isso, continua no escuro. No momento em que a maioria dos estados está em queda de indicadores, a testagem em larga escala continua sendo um imperativo pois garantiria o mínimo de "controle", com monitoramento efetivo. O que se faz ainda mais necessário quando incluímos fatores como quarta onda na Europa e o aumento de casos da mais recente variante de preocupação — a Ômicron — no cenário internacional.

Não importa se os indicadores estejam caindo, a vigilância epidemiológica deve ser mantida para ser possível ter certeza que os dados são reais e identificar qualquer variação que possa indicar preocupação, defendem pesquisadores.

"A pandemia é muito dinâmica e a gente precisa de um monitoramento constante exatamente para entender porque os indicadores estão caindo ou subindo", explica o virologista Flávio Guimarães da Fonseca, professor do Centro de Tecnologia de Vacinas (CT Vacinas) e pesquisador do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SVB).

Além da quantidade, um monitoramento adequado deve ser estratégico. "A gente deveria estar fazendo testes para saber onde tem focos e quem está ficando doente, se é quem está com quadro de vacinação incompleto, se são pessoas idosas", acrescenta Domingos Alves, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Covid-19 Brasil.

O cenário do Brasil atualmente é similar ao que foi observado em março do ano passado. "Sabíamos da epidemia na Europa com mais de um mês de antecedência", lembra o físico, que pesquisa modelagem computacional e sistemas de informação em saúde.

"No primeiro momento, há cerca de um mês e meio, a Europa começou a observar um aumento de casos mas não aumento de mortes nem de internações. O alerta que está sendo aceso agora em países como Alemanha, Holanda, Áustria e até Portugal é por causa do indicador de aumento da taxa de mortalidade. A maioria tem mais de 60% das pessoas vacinadas. Estão tendo aumento expressivo, que não era esperado", explica.

Segundo Domingos Alves, uma das possibilidades é que são casos de "pessoas que não tomaram a segunda dose ou idosos que tomaram as duas doses mas que a vacina diminuiu a potência". "Nós temos uma vantagem, pois o nosso processo de vacinação de terceira dose está adiantado com relação à Europa", compara.

Para o pesquisador da USP, é possível que o Brasil demore a identificar quando uma nova onda de Covid-19 surja. Como pessoas vacinadas tendem a ficar, em caso de infecção, com sintomas mais leves, muitas acabam não fazendo exames. 

"Estamos 'cegos' com relação à circulação de variantes virais. Uma situação vexaminosa e criminosa", define o médico infectologista Roberto da Justa, doutor em Ciências Médicas e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC).

"Os países que adotaram uma estratégia de testagem ampla e baseada nas melhores evidências científicas conseguiram atenuar o impacto da pandemia, reduzindo a transmissão e tendo menos casos e óbitos", cita o infectologista.

Os pesquisadores destacam países asiáticos, Japão, Coreia do Sul, Cingapura como os melhores exemplos de testagem para a Covid-19. Tanto pela quantidade de testes por mil habitantes como pela estratégia utilizada. Alemanha, Inglaterra, Austrália e Chile também se sobressaem nesse quesito. 

Testes para sair do "escuro"

Conforme Roberto da Justa, o aumento de casos na Europa observado neste momento é preocupante. Situação pode impactar o Brasil porque o País, segundo ele, não tem imposto barreiras sanitárias nos aeroportos, portos e fronteiras. "Não tem havido uma vigilância genômica sistemática".  Um possível escape imunológico ou escape vacinal de novas variantes pode acarretar uma nova onda de casos e óbitos no Brasil nos próximos meses. 

Domingos Alves, pesquisador da USP, aponta que o ideal é fazer de 10 a 30 testes por caso, considerando os contactantes do paciente e os contactantes dos contactantes. "Ao se rastrear os contactantes dos infectados, observar a segunda dose. É o cenário que se construiu no final de março e começo de abril. Deveríamos ter feito isso lá", alerta.

Números de testes de Covid-19 nos estados do Brasil
Números de testes de Covid-19 nos estados do Brasil (Foto: Infografia O POVO)

Protocolo pode ser adaptado: "se os contatos dos infectados tiverem recebido duas doses, aguardar para ver se desenvolve sintomas ou não. Se tem contatos que só tomaram uma dose, tem risco". 

O médico infectologista Roberto da Justa destaca ainda os tipos de testes e adequação de cada um para uma vigilância epidemiológica adequada. "Uma proposta de testagem em larga escala, deve ser discutida entres pesquisadores e deve levar em consideração o tipo de teste a ser utilizado e os objetivos almejados. Uma testagem em larga escala feita de forma aleatória, sem metodologia bem definida, se torna inútil, além de dispendiosa", explica.

Ele aponta que um dos erros crasso do Ministério da Saúde foi não priorizar o teste RT-PCR, que detecta a presença do vírus através da amplificação de seu RNA. Um ano e seis meses após o início da pandemia no Brasil, em setembro, a pasta lançou um plano nacional de testagem em massa para Covid-19. 

O teste aplicado para isso, entretanto, seria o de antígeno, que também fazem diagnóstico de pessoas doentes, mas são inferiores ao RT-PCR. Entre setembro e outubro o número de testes PCR entregues aos estados caiu em mais da metade — de 1.003.280 para 442.250. Roberto da Justa frisa que a emergência de novas variantes do SARS-CoV-2 trouxe ainda a necessidade de se implantar uma outra estratégia de testagem, a chamada vigilância genômica. 

"Esta estratégia envolve, além do RT-PCR, o sequenciamento do genoma do vírus. Sem a vigilância genômica não se consegue detectar precocemente a emergência e a circulação das variantes virais, nos tornando vulneráveis", acrescenta.

Números de testes de Covid-19 nos estados do Brasil
Números de testes de Covid-19 nos estados do Brasil (Foto: Infografia O POVO)

Como é feito o sequenciamento genético

O passo inicial para identificar um caso de qualquer variante é a testagem inicial que indica infecção pelo SARS-CoV-2. Conforme Fábio Miyajima, coordenador da Rede Genômica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-Ceará), "o sequenciamento é um conjunto de etapas muito laboriosas, que gera muitos dados (gigabytes por teste) e que demanda muitos recursos computacionais e de bioinformática".

A Rede Genômica da Fiocruz já está preparada para a investigação e identificação de potenciais casos da nova variante de preocupação (VOC) Ômicron. Para a identificação, são utilizados testes indiretos, baseados em ensaios de inferência moleculares direcionados a mutações comumente encontradas nesta variante.

"São indicativos de uma variante e mais rápidos. Geralmente em poucos dias. O sequenciamento pode levar até algumas semanas para ser concluído. Porém, não são conclusivos. Por isso, foram muito utilizados na triagem e seleção de amostras prioritárias para investigação completa", diferencia.

Miyajima explica que o sequenciamento genômico completo por técnica de nova geração (NGS) permite a leitura e verificação completa do RNA viral (código genético do virus) e a identificação de todas as mutações presentes. "Sendo o único método conclusivo para definição de uma Variante (VOC), ou Linhagem Filogenética do vírus.

De acordo com o pesquisador, por meio de parcerias, a Fiocruz Ceará busca finalizar em alguns dias processos que podem levar até semanas.

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