No Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo e no Dia do Auditor-Fiscal do Trabalho, celebrados nesta sexta-feira, 28, aqueles que são responsáveis por combater a prática não veem muito o que comemorar. Tanto juízes do Trabalho, quanto promotores e auditores- fiscais apontam dificuldades na área, como falta de políticas públicas para o tema.
Conforme o Tribunal Regional do Trabalho do Ceará (TRT/CE), em 2021, foi registrado aumento no número de ações trabalhistas envolvendo o tema "trabalho em condições análogas às de escravo". Enquanto, em 2020, haviam sido 12 casos novos, no ano passado foram 24 ações. São dados que se referem tanto a indenizações em favor de trabalhadores quanto a revisões de multas aplicadas aos empregadores. Além disso, nos números da Fiscalização do Trabalho do Ceará, 42 trabalhadores foram resgatados no Estado em 2021 em situação análoga à de trabalho escravo em 15 ações.
Para o desembargador do TRT/CE Francisco José Gomes da Silva, gestor regional do programa Trabalho Seguro, o trabalho escravo é uma constante no Brasil, sobretudo, na área agrícola. Centenas de pessoas nessa área se valem do trabalho escravo, afirma, mas poucos são flagrados. Isso ocorre pela falta de fiscalização, situação agravada pela redução, em 2021, do orçamento para fiscalização trabalhista por parte do Governo Federal.
Também contribuem para piorar a situação, conforme o desembargador, a pandemia, que aumentou o desemprego, forçando as pessoas a se submeterem a qualquer emprego; e a Reforma Trabalhista de 2017, que "deu muito poder aos maus empresários". Para ele, o País ainda deveria ter leis mais duras para coibir o trabalho análogo à escravidão.
O chefe da Fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho no Ceará, Daniel Arêa, também menciona como problemas a postura do Governo Federal e a falta de estrutura que dispõem os fiscais. Segundo afirma, o discurso contra a fiscalização trabalhista dá "voz" para aqueles que exploram o trabalhador. Ele ainda ressalta que são apenas 73 auditores para o trabalho de campo, que dispõe, por exemplo, de apenas quatro carros em todo o Estado para suas ações.
Arêa afirma que, atualmente, no Estado, entre as características que configuram o trabalho análogo ao escravo, o trabalho degradante é o mais registrado — caracterizam o crime ainda o trabalho forçado, jornadas exaustivas e a servidão por dívida. Foi o caso, por exemplo, de um resgaste de 17 trabalhadores ocorrido em agosto último, em Itaitinga, em que trabalhadores da construção civil, oriundo de Madalena, estavam alojados em um espaço de 30 m², sujo e aberto, o que permitia a entrada de animais. Além disso, só existia um banheiro, cujo vaso sanitário não tinha água.
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Procuradora do Ministério Público do Trabalho do Ceará (MPT-CE), Christiane Vieira Nogueira ainda lembra situações em que trabalhadores cearenses foram flagrados em outros estado, como em setembro, na Bahia, quando 43 pessoas aliciadas em Martinópole eram submetidos a condições subumanas na extração da carnaúba. Para a procuradora, após o ápice do isolamento social, as denúncias voltaram a crescer, inclusive no trabalho doméstico. “É muito importante valorizar as condições dignas de trabalho e os órgãos públicos que atuam nessa defesa. E também a conscientização da sociedade sobre o que é trabalho escravo. Não é qualquer irregularidade trabalhista, é esse conjunto que viola a dignidade do trabalhador”.
Ações trabalhistas
Número de ações trabalhistas envolvendo o tema "trabalho em condições análogas às de escravo" no Ceará:
2019: 18 (17 em 1º grau e 1 em 2º grau)
2020: 12 (9 em 1º grau e 3 em 2º grau)
2021: 24 (17 em 1º grau e 7 em 2º grau)
No Ceará, nos últimos dez anos, 331 trabalhadores foram flagrados em condição análogas à de escravidão. O recorde se deu em 2013, quando foram 103 resgatados. Em todo o País, nos últimos dez anos, mais de 11 mil trabalhadores foram flagrados nessas condições.
Fontes: Tribunal Regional do Trabalho do Ceará (TRT/CE) e Superintendência Regional do Trabalho