A morte de Sofia, travesti de 22 anos, abalou e revoltou moradores, amigos e a comunidade LGBTQIA cearense. A vítima foi encontrada, na manhã de ontem, morta em um terreno da avenida Osório de Paiva, no bairro Bom Jardim. O corpo de Sofia tinha marcas decorrentes de pedradas. O POVO apurou que ela fazia programas sexuais e que o crime pode ter sido praticado por um cliente.
Os depoimentos colhidos pelo O POVO falam de uma Sofia que era muito querida na comunidade e por seus amigos. Uma parente, de identidade preservada, afirma que Sofia era alegre e divertida e que "todo mundo" gostava dela. "Quem sofre mais é a família, que está arrasada", diz a fonte.
A funcionária de um mercantil que Sofia frequentava corrobora o relato de que ela era conhecida pela animação. A alegria era tanta, que o proprietário a convidou para gravar vídeos na Internet e anunciar os produtos, sempre em tom cômico. O dono do estabelecimento a apelidou de Giselly. "O único fato para não gostarem dela era que ela era travesti. Isso é inaceitável. O pai dela está arrasado, a família é humilde, estão tentando conseguir o caixão, pois não há condições", explica.
"Todo mundo gostava dela, o mundo é cruel e cheio de maldade. Fiquei doente depois que soube disso", diz, por sua vez, um amigo de Sofia, também de identidade preservada.
Abalada, a mãe de Sofia, que também não será identificada a pedido, chegou a precisar de atendimento médico quando soube da notícia. Ela disse ao O POVO não querer exposição em respeito à imagem da filha e que tem evitado comentar sobre o caso. A mulher, porém, conta que via a filha todo dia, mas Sofia não contava à mãe quando era maltratada. Sem condições financeiras para comprar um caixão, a família contou com a ajuda da Prefeitura de Fortaleza para o velório e enterro e com apoio de uma vaquinha virtual para ter um ônibus à disposição para o translado da família e amigos até o cemitério. O enterro será neste sábado, às 10 horas, no Cemitério do Bom Jardim.
Filha de pais separados, Sofia morava sozinha no Parque Santo Amaro. O fato dela se prostituir na região incomodava algumas pessoas, conforme apurou O POVO. Em razão disso, já haviam tentado tirar ela do ponto de prostituição. Uma familiar de Sofia conta que ela já chegou até a ser vítima de uma tentativa de homicídio, assim como já havia sido espancada.
Sofia foi encontrada sem parte da roupa. Muitas pedras foram achadas perto e em cima dela. Até o fechamento desta edição, nenhum suspeito havia sido preso, assim como a motivação para o crime ainda não havia sido esclarecida. Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) afirmou que o caso é investigado pelo o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
A morte de Sofia ocorre às vésperas de se completar cinco anos do assassinato de Dandara dos Santos, também travesti e também morta no bairro Bom Jardim. Neste caso, ocorrido em 15 de fevereiro de 2017, os assassinos mataram a tiros Dandara, após uma sessão de espancamento. Sete homens foram condenados pelo crime e foram sentenciados a penas que variam entre 14 e 21 anos. Quatro adolescentes receberam medidas socioeducativas.
Em 2021, conforme levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 11 travestis e mulheres trans foram mortas no Ceará, o que colocou o Estado como o quarto com o maior número de assassinatos dessa população no País. Em todo o Brasil, 140 assassinatos de travestis e mulheres trans foram registrados pela Antra no ano passado.