Desde que o mundo se deu conta das proporções e da gravidade do que estava acontecendo com relação à pandemia, um anseio veio à tona: quando isso vai acabar? A expectativa é que o nível de atenção da infecção seja rebaixado para endemia, mas não sabemos exatamente quando vai acontecer. O país segue nesse caminho se a tendência de redução de casos continuar. O fator de risco que pode mudar o cenário é o aparecimento de novas variantes mais contagiosas. Outra ponderação a se fazer é: ainda que seja considerada endemia, a Covid-19 não terá acabado.
Isso porque o vírus ainda vai continuar circulando e, consequentemente, representando um risco. Alguns pesquisadores, como o médico sanitarista Gonzalo Vecina, fundador da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), acreditam que isso pode acontecer no Brasil em breve, como publicou nas redes sociais.
Uma endemia ocorre quando uma doença é recorrente por vários em uma determinada região mas não há um aumento significativo no número de casos. A dengue, por exemplo, é uma doença endêmica no Brasil, sendo registrada sazonalmente — durante o verão — todos os anos em algumas regiões.
Esse não é o cenário da Covid-19 no Brasil ainda. Os números indicam que o País está em uma situação "boa", com número de casos decrescendo, mas "de maneira nenhuma nós podemos dizer nesse momento que estamos no fim da pandemia". A análise é de Domingos Alves, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Covid-19 Brasil.
"Se estamos próximos do fim, isso a gente vai precisar monitorar esses dados, inclusive o aparecimento de novas cepas ainda pelos próximos meses", explica o físico, que pesquisa modelagem computacional e sistemas de informação em saúde. Para o pesquisador, "o fato que nós temos na mão é que passou a pior fase da onda da variante Ômicron e os números voltaram a despencar".
O médico sanitarista Walter Cintra, professor de Gestão de Serviços de Saúde da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV - EAESP), destaca que é difícil prever o fim da pandemia porque "embora tenhamos uma redução no número de casos, de óbitos e de razão de transmissão, eles ainda são altos".
Como a Covid-19 não existia até dois anos atrás, a prevalência habitual da infecção era zero. Por isso, segundo ele, ainda é cedo para avaliar e dizer que a Covid-19 se tornou endêmica. A possível mudança na escala de gravidade da doença reflete diretamente na liberação de medidas sanitárias contra o vírus. Nas últimas semanas, países da Europa que haviam flexibilidade muitas das restrições estão registrando aumento dos indicadores, após o surgimento da subvariante BA.2.
Conforme Thereza Magalhães, pesquisadora e professora de Epidemiologia da Universidade Estadual do Ceará (Uece), o surgimento de novas variantes cada vez mais resistentes às vacinas é um principal fator que pode fazer o caráter pandêmico da Covid-19 permanecer. "Por isso que é tão importante que as pessoas mantenham a aderência à vacinação para que a gente suprima a transmissão de casos e a replicação dos vírus ao menor nível possível", completa.
O professor Domingo Alves, da USP, cita critérios apontados pelo médico sanitarista Nésio Fernandes, secretário de Saúde do Espírito Santo e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), a serem levados em conta na transição. Segundo o físico, será possível atingir o patamar de endemia no final do ano se atingir esses critérios:
"Se a gente analisar esses critérios, por exemplo, vamos lembrar que estados como Tocantins, Amazonas, Maranhão e Acre têm menos de 60% da população vacinada com duas doses e no caso de Roraima e Amapá, essa porcentagem ainda não chegou a 50%. Além disso, apenas em torno de 31% dos brasileiros tomaram a terceira dose da vacina, que, na minha opinião, ainda é um número bastante baixo", avalia Domingos Alves.
Há quem imagine que tudo pode voltar ao "normal" com a mudança de classificação para uma endemia, mas o físico é categórico: "Não é porque vamos entrar numa endemia que não vamos nos preocupar nunca mais com a Covid-19".
À medida que os estados atinjam cobertura vacinal suficiente para proteger a população, a tendência é que seja possível abandonar lentamente alguns protocolos sanitários. Mas o uso de máscaras em lugares fechados, principalmente em transporte público, ainda deveria ser mantido por um longo prazo, na perspectiva do pesquisador da USP.
Ele alerta que uma endemia também demanda cuidados. No caso da gripe, por exemplo, há campanha da vacinação anual mas, mesmo assim, às vezes ocorrem alguns surtos importantes de gripe no país. Doenças endêmicas precisam ser incorporadas na rotina da assistência e demandam um controle constante das autoridades.
"Vamos lembrar no surto da Ômicron havia um surto de gripe em paralelo. De maneira nenhuma, mesmo no status de endemia, é pra se dizer que a situação acabou. A Covid vai estar conosco daqui pra frente por vários anos, ou seja, há de se manter o alerta, o trabalho nos serviços públicos de saúde não termina em caso de decretação de endemia", afirma.
A epidemiologista Thereza Magalhães lembra a higienização constante das mãos deve continuar, bem como a etiqueta respiratória. Ela avalia que a tendência é que o uso de máscara seja cada vez mais liberado em espaços apertos, mas concorda que em espaços fechados a proteção deve continuar, principalmente com em locais fechados com alto contingente de pessoas e aproximação.