Pelo menos 127 crianças até 3 anos perderam pais ou responsáveis durante a pandemia de Covid-19 em Fortaleza, conforme estudo da Prefeitura de Fortaleza (PMF) com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Em resposta a esse luto, os órgãos lançaram nesta segunda-feira, 13, novo grupo de trabalho para expandir assistência às crianças "órfãs da pandemia", da primeiríssima infância, o Núcleo Multidisciplinar de Atenção Individualizada. Evento foi durante a VIII Semana do Bebê.
A pandemia de Covid-19 deixou um alto número de mortes em todo o mundo. O Brasil passa de 668 mil mortes pela doença. No Ceará, são mais de 27,1 mil óbitos até esta segunda, conforme o IntegraSUS. Com esse projeto, Fortaleza pretende conhecer a realidade de crianças enlutadas e em situação de vulnerabilidade, para criar formas individualizadas e inserir os pequenos na rede de assistência, por meio de órgãos como as Secretarias da Saúde, Educação, Assistência Social e a Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci).
O evento contou com a participação de José Sarto (PDT), prefeito de Fortaleza; Dalila Saldanha, secretária municipal da educação; Patrícia Macedo, coordenadora especial da Primeira Infância e Dennis Larsen, chefe da Unicef para o Semiárido.
"Inicialmente houve um cruzamento prévio de dados das secretarias com informações relacionadas aos óbitos na pandemia para identificar quem são as crianças na primeiríssima infância, que ficaram órfãs na pandemia", comenta a secretária Patrícia Macêdo.
Até onde foi possível realizar o estudo, Fortaleza já possui 127 crianças que ficaram órfãs na pandemia. Desse número 91 delas perderam pai ou mãe. Os estudos indicam que elas estão distribuídas espacialmente por Fortaleza em maioria nas regionais 3, 5 e 1. Sendo 13% na Regional 3; 12,60% na Regional 5 e 11,02% na Regional 1.
A gestão municipal informa saber qual foi o ente familiar que a criança perdeu, mas pretende conhecer de perto a realidade de cada uma dessas crianças e famílias, realizando uma busca ativa e um diagnóstico multidisciplinar que nos possibilite cuidar delas de forma integrada.
"É óbvio que a gente sabe que esse número [127 crianças] é maior, mas precisamos começar de algum lugar. Durante o processo, haverá uma busca ativa nas residências dessas crianças, para que se monte um diagnóstico de qual é a situação delas", argumenta Patrícia.
Questionada sobre a busca por crianças em situação de rua, a coordenadora diz que a gestão municipal está fazendo o que é possível para expandir o projeto. “Por enquanto, fica difícil de procurar, mas isso será feito. Inicialmente nós já tínhamos 127 crianças no nosso radar”, finaliza.
A expectativa, segundo a Prefeitura, é que as crianças sejam olhadas de forma individualizada por uma equipe composta por representantes de vários órgãos municipais e inseridas na rede socioassistencial de acordo com suas necessidades. As ações consistem em preparar um equipara para atualizar o quadro vacinal dos pequenos imediatamente.
Além disso, se durante a abordagem do agente municipal, a criança não possuir o Número de Inscrição Social (NIS), ela será encaminhada para a Secretaria Municipal dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS), para a inclusão no cadastro.
Em casos de extrema vulnerabilidade social, as crianças devem ser inseridas no Cartão Missão Infância, que atualmente beneficia 13.600 crianças de zero a três anos com acesso à renda complementar. Caso ainda não frequentem uma creche, elas podem ser inseridas no Registro Único da educação, que é uma das portas de entrada da rede de ensino.
Crianças sem certidão de nascimento serão contempladas pelo Programa Sim, Eu Existo, da Funci, que já atendeu 650 crianças na faixa etária entre zero e seis anos. Caso seja verificada a necessidade, esse tratamento será proporcionado pela ampliação de um convênio firmado entre a Prefeitura de Fortaleza e 8 universidades, através da Secretaria da Saúde.
A Prefeitura prevê que, até agosto, todas essas crianças receberão um visitador do Município. Além disso, o Núcleo Multidisciplinar de Atenção Individualizada aos órfãos da pandemia na primeiríssima infância deve entregar um diagnóstico completo.
Conforme o chefe da Unicef para o Semiárido, a equipe multidisciplinar detectou vários problemas com o resultado da pandemia. “Nós estamos analisando as vulnerabilidade gerais dos que foram órfãos da pandemia. A prefeitura com o apoio técnico da Unicef começou uma metodologia para identificar essas crianças, que não é tão fácil porque nem sempre são registradas. Nosso grupo está atuando em várias temáticas, como por exemplo, a questão da vacinação", explica Dennis Larsen.
“Antes da pandemia, 100% das crianças estavam vacinadas contra o sarampo no Brasil. Esse número caiu para 70%, na pandemia. A ideia é que as crianças localizadas tenham acesso a todos os direitos que elas já deveriam ter, como o acesso à educação, saúde, higiene e proteção social”, conclui Larsen.
A secretária da educação municipal, Dalila Saldanha, conta que a pasta vem fazendo um esforço conjunto com a Prefeitura na busca de identificar todas as crianças órfãs da pandemia. “O objetivo é dar atenção às crianças através do acesso à saúde, educação, assistência e proteção social. No caso da educação, nós fizemos um levantamento para toda a rede de educação do município, e estamos preocupados com as crianças que estão sem o acesso a rede de educação municipal. O objetivo é identificar quem não teve acesso e atender como prioridade esse público”.
Além das escolas, Dalila fala sobre a atenção especial dada ao contexto da alimentação: “Principalmente nessa faixa etária [primeira infância], as crianças estão em um processo de adequação alimentar. Muitas vezes elas rejeitam os alimentos que tão começando a ser introduzido, então a gente tem programa de acompanhamento pelas nossas nutricionistas, para que a criança não sofra nenhum problema de desnutrição”.
O evento também teve a palestra sobre cuidados em situação de perda familiar, ministrada pela psicóloga Sarah Vieira Carneiro. Segundo Sarah, nós temos uma situação excepcional, em que crianças da primeiríssima infância estão de luto, e são órfãos da pandemia de Covid-19.
“Nosso maior objetivo é preparar equipes que vão atuar diretamente com essas crianças. A orientação vai no sentido de guiar os profissionais para entenderem a expressividade dessas crianças e desenvolver técnicas que promovam um contato mais humano. Nós precisamos partir de uma relação de confiança com essas crianças para oferecer os outros serviços que são exatamente o objeto do programa”, disse a psicóloga.
Sarah Carneiro fala que todo mundo tem um processo de luto, no entanto, as crianças possuem uma expressividade particular. “Uma perda dessa magnitude é muito mais severa em uma criança. As crianças ainda têm dificuldade de falar sobre determinados assuntos, então elas vão agir através de alterações de comportamento, alteração de apetite, sono, agressividade ou retraimento”.
“A equipe precisa estar preparada para ler esses sinais que essas crianças vão dar. É primordial que essas crianças sejam vacinadas, estejam na escola e tenham uma segurança alimentar, mas nada disso funciona se a equipe não conseguir fazer um vínculo com essa família e com essa criança”, finaliza a psicóloga.