No Dia Nacional de Doação de Órgãos e Tecidos, celebrado nesta terça-feira, 27, a memória dos doadores e a solidariedade das famílias que autorizaram o processo de transplante no Ceará foram lembradas em encontro no Instituto Dr. José Frota (IJF), unidade referência no acolhimento das famílias que são apresentadas à possibilidade de doação. A data tem o objetivo de conscientizar a população sobre a importância desse ato de solidariedade.
A superintendente do IJF, Riane Azevedo, explica que esse foi o primeiro encontro após a pandemia, período que representou uma queda no número de doações. O índice, no entanto, já apresenta aumento progressivo.
“No IJF, nós fazemos a captação dos órgãos. A faixa etária principal de pacientes que atendemos aqui é de 19 a 49 anos, um público que não apresenta muitas comorbidades. Então, esses órgãos têm menos possibilidades de complicação”, detalha Riane Azevedo.
Somente em 2022, entre os meses de janeiro e agosto, a unidade de alta complexidade já contabilizou um total de 80 doações. Durante o X Encontro de Famílias Doadoras, famílias de doadores e pacientes transplantados deram depoimentos de vida e superação.
Izaías de Jesus, 52, contou que após ser diagnosticado com problemas renais, passou 18 anos realizando tratamento de hemodiálise, procedimento no qual uma máquina filtra e limpa o sangue, fazendo parte do trabalho que o rim do paciente doente não pode fazer.
Em agosto 2020, Izaías foi escolhido para receber o transplante de um rim. “Eu esperei 18 anos para ser chamado. Isso foi uma bênção pra mim. Agora eu já estou bem melhor, sentindo que já posso ir sozinho para qualquer canto. Graças a Deus eu consegui participar do casamento da minha filha, mesmo que eu ainda estivesse me recuperando. Eu achava que não ia conseguir.”
Izaías passou pelo procedimento de transplante no Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC). Hoje, ele usa seus conhecimentos e vivências para contribuir com estudos e práticas, em unidades de ensino e de saúde, envolvendo o tratamento humanizado de pacientes renais.
“Muitos não sabem o que é a hemodiálise para um paciente e o que acontece depois que ele se transplanta. Nesses 18 anos, eu aprendi como um paciente renal poderia sofrer. Se você não trabalhar a mente, o corpo não funciona. Pego todo o sofrimento que eu sofri e transformo em conhecimento”, pontua Izaías.
Segundo Riane Azevedo, os órgãos doados no hospital são posteriormente transplantados em outras unidades de saúde, não só do Ceará, mas de todo o Brasil.
Gilvania Lopes Tavares, 44, passou por situações árduas nos últimos anos. Após o falecimento da mãe, em 2019, ela se viu muito próxima de um de seus outros seis irmãos, Ivanildo.
Muito unidos e cúmplices, a dor do luto fez os dois ainda mais próximos. Contudo, em 5 de dezembro de 2021, Gilvania teve que lidar mais uma vez com a perda.
“Alguém me ligou e disse: 'Gilvania, teu irmão caiu de moto e foi grave'. Mas a gente nunca pensa que é tão grave”, conta a familiar. Ivanildo, que era morador do município de Caridade, foi transferido ao IJF. Assim que deu entrada na unidade, Gilvania soube da notícia de que seu irmão não tinha resistido aos ferimentos.
“Naquela hora você nem acredita que não vai ter mais aquela pessoa. Ele ia fazer 35 anos no dia seguinte, mas infelizmente aconteceu esse acidente”, descreve. “Uma enfermeira chegou para conversar comigo e perguntar se poderia doar o órgão, que no caso foram as córneas”, descreve Gilvania.
A córnea se configura como um tecido, uma estrutura localizada na parte anterior do olho que protege a visão de ameaças externas e funciona como uma lente por onde a luz entra e é focalizada. Gilvania conta que precisou de um tempo para refletir.
“Mas aí você para para pensar que aquele órgão pode levar o colorido para outra pessoa. Eu pensei em quantas pessoas estavam na fila para doação de órgãos. Como ele era uma pessoa tão bondosa e que gostava tanto das pessoas, eu acredito que isso era o que ele gostaria que acontecesse, que a partida dele ajudasse outros”, relata a irmã. Ivanildo Lopes deixou cinco filhos.
Até o momento, o Ceará registrou 291 transplantes em 2022. Já em relação a todo o período de 2021, 387 procedimentos foram realizados.
Em 2022, até este mês de setembro, 130 procedimentos de transplantes renais (doador falecido) foram realizados no Ceará. O maior registro é atribuído aos transplantes de fígado, com 143 procedimentos executados no Estado.
No IJF, a Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT) é onde todo o processo de doação e transplante se inicia. Desde a detecção de um potencial doador até o acolhimento dessas famílias.
"A gente acolhe as famílias, independente desse paciente ser doador ou não. A gente estabelece uma relação de ajuda, esclarece todas as dúvidas a respeito do processo de doação e, se for viável, a gente oferece a possibilidade da doação dos órgãos", explica a chefe da CIHDOOT, Natália Vesco.
A representante da Comissão explica que, na unidade hospitalar, há duas possibilidades de doadores viáveis: por morte encefálica ou por morte cardio-respiratória.
"Quando existe uma suspeita dessa morte encefálica [parada de todas as funções do cérebro], a gente já solicita o comparecimento da família e já deixa eles cientes dessa suspeita. Quando confirmada essa morte, e se for indicada esse potencial doador, a família decide se vai doar ou não", descreve Natália Vesco.
Já em caso de parada cardiorrespiratória, a enfermeira explica que os doadores são somente de tecidos (grupos de células responsáveis por sustentar o corpo).
A superintendente do IJF, Riane Azevedo, ainda ressalta o quão significativo é o ato de doar. Ela comenta que a ação pode implicar na mudança de vida para diversas pessoas que, muitas vezes, sofrem com patologias durante um longo período.
"Quando chegar o momento, se houver a possibilidade, seja um doador de vidas. Deixe isso bem claro com a sua família, para que eles cumpram seu desejo”, aconselha.