O dia 5 de outubro de 1897, há 125 anos, entrou para a história como o final da Guerra de Canudos. Ao cair da tarde no arraial do sertão baiano, fundado por Antônio Conselheiro como Belo Monte, restavam apenas quatro sobreviventes: um homem velho, dois homens adultos, um menino. Diante da campanha militar que contava, segundo relatos de historiadores, com cerca de 5 mil soldados, o quarteto tombou. Caía Belo Monte.
As versões da história se dividem, no entanto, desde os primeiros momentos. O jornal carioca Gazeta de Notícias registrou, quatro dias depois, a vitória das forças oficiais em Canudos: “Ainda ontem, como era de justiça (...) o honrado chefe da Nação recebeu inúmeras felicitações pela terminação gloriosa da Campanha de Canudos”.
Euclides da Cunha, militar que cobriu o desenrolar da guerra para o jornal paulista O Estado de S. Paulo, teve outra visão do desfecho: “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores.”
Passados 125 anos do final do confronto que destruiu o arraial Belo Monte, numa campanha militar que durou oito meses, O POVO+ retoma o fio dessa história. Desta vez, segue os caminhos do líder de Canudos, Antônio Conselheiro e vê surgir um Antônio ressignificado e múltiplo, tanto para a história como para a cidade de nascimento do personagem, Quixeramobim, a 184 km de Fortaleza.
A reportagem “Canudos, 125 anos: a saga de Antônio Conselheiro”, lançada nesta quarta-feira, 5 de outubro, no OP+, será dividida em três episódios. No primeiro, OP+ parte de Quixeramobim, terra de Conselheiro, visita a casa onde nasceu Antônio Vicente Mendes Maciel, em março de 1830, e viveu até pouco mais dos 20 anos.
O imóvel que teve outros proprietários, entre eles a família do arquiteto Fausto Nilo, foi tombado pelo Patrimônio Histórico do Estado, em 2006, reconstruído em 2019 pela Secretaria da Cultura do Ceará e reinaugurado este ano de 2022 com o lançamento da exposição “Tramas de Belo Monte”, que conta com instalações artísticas que fazem uma releitura do legado de Antônio Conselheiro. As obras das artistas Simone Barreto, Luci Sacoleira, Renata Santiago e do cineasta Tibico Brasil buscam reescrever Canudos e o personagem.
De acordo com o historiador Danilo Patrício e o psicanalista Osvaldo Costa Martins, curadores da exposição, a ideia central dos trabalhos é resgatar como o legado de Antônio Conselheiro dialoga com a realidade brasileira hoje, além de revelar a atualidade do líder que, por quase um século, foi silenciado. Danilo e Osvaldo foram também criadores do Movimento Antônio Conselheiro, em 1997, iniciativa que hoje é vista como uma das responsáveis pela reaproximação entre Conselheiro e Quixeramobim.
No segundo episódio, que ficará disponível no OP+ a partir do dia 11 de outubro, a reportagem apresenta o percurso histórico de desconstrução e reinvenção dos discursos em torno de Antônio Conselheiro.
De “fanático, bronco e perigoso monarquista” surge, junto com a recuperação e edição dos seus manuscritos, no final da década de 1980, um Conselheiro culto, capaz de interpretar o Brasil em transição monárquica e que pratica uma religiosidade que o transforma num verdadeiro “heroico homem comum”, como afirma o psicanalista e pesquisador dos manuscritos, Otávio Martins.
O terceiro episódio, que será publicado dia 17 de outubro no OP+, narra o encontro que une Quixeramobim a Canudos, misturando passado e presente da história do arraial e seu líder. Uma romaria anual refaz os passos do andarilho desde que ele deixou o Ceará e fundou Belo Monte. No percurso, OP+ visita obras de Conselheiro, conversa com canudenses que têm como herança a história do homem que assustou a nova república nacional reunindo contra si a elite, a igreja, o Estado e a imprensa da época.
A reportagem traz ainda um vídeo produzido pela equipe de Audiovisual do O POVO e ilustrações do artista gráfico do O POVO, Carlos Campus, que concebeu a “Guerra de Canudos em nove atos”, baseando-se numa estética inspirada no expressionismo e na xilogravura.
No trabalho do artista chama a atenção o espanto no olhar do personagem representado por Carlus. “Esse espanto no olhar de Antônio Conselheiro, para mim, vai muito além da religiosidade. Ele é um personagem muito forte e muito rico”, afirma o artista, que já esteve várias vezes às voltas com o Conselheiro tanto para o jornalismo, como em trabalhos para exposições. “Eu gosto de fazer o Conselheiro, pela figura que ele significa e a cada vez que eu o faço, acrescento outras leituras pessoais ao personagem”, conta o artista.
Para a diretora e roteirista do documentário “Antônio Conselheiro, de Quixeramobim a Canudos”, Luana Sampaio, a experiência de mergulhar no mundo de Antônio Conselheiro “foi um presente”. Segundo ela, o vídeo mostra que “a cooperação entre as pessoas pode mudar realidades e nos aproximar de uma existência mais justa”, que se traduz na prática de Antônio em Belo Monte. “Apresentamos depoimentos fortes sobre a caminhada de Conselheiro e a presença da sua memória em Quixeramobim, bem como a resistência de suas ideias em forma de arte e inquietude”, conclui Luana Sampaio.